Por volta do
final de 1943, Saint-Exupéry escreveu uma súplica ardente a Consuelo, que
ficara em Nova York, pedindo-lhe que se aprontasse para esperá-lo “toda florida”
quando ele voltasse da guerra. Tinha acabado de receber uma carta dela, que
mostrara a André Gide. Este a achara “extraordinariamente comovente”. Ninguém
sabe o seu teor, porém a resposta de Antoine não deixa dúvida de que ela queria
esquecer suas antigas diferenças. Após ter recebido a mensagem, ele confiou a
Gide estar decidido a romper a ligação com a outra mulher que causara tanto
desgosto a Consuelo durante sua vida em Paris.
Nessa carta
de doze páginas com letra miúda, na qual chama a mulher de “pintinho”, Antoine
falava sobre a necessidade de tê-la como sua musa. Consuelo estivera a seu lado
quando ele escreveu seus dois melhores livros de ficção, Voo Noturno e O
Pequeno Príncipe, e ele explicava claramente a influência de sua presença inspiradora
por meio de uma parábola. “Querida, quero lhe contar um sonho antigo que tive
na época de nossa separação. Estava num prado. E a terra estava morta. E as
árvores estavam mortas. Nada tinha cheiro nem gosto. E bruscamente, embora aparentemente
nada tivesse mudado, tudo mudou. A terra ressuscitou, as árvores
ressuscitaram. Tudo ficou com tal cheiro e gosto que era forte demais, quase
forte demais para mim. E eu sabia por quê. E eu dizia: ‘Consuelo ressuscitou,
Consuelo está aqui’. Você era o sal da terra, você despertara meu amor por
todas as coisas, ao retornar. Consuelo, compreendi então que a amava por toda a
eternidade.”
A rapidez com
que a vida privada de Saint-Exupéry retomava encanto e cor unicamente com a
mágica de suas lembranças também aparece em seus escritos. Fatos cotidianos ou
até mesmo trágicos transformavam-se em acontecimentos repletos de alegria e
fantasia. Apesar das tensões das últimas semanas passadas juntos nos Estados
Unidos, Consuelo tornara a ser objeto de sua gratidão e adoração. Antoine só
tinha que assumir sua própria contrição. “Consuelo, agradeço a você do fundo
do meu coração por ter se esforçado tanto para ser minha companheira. Hoje que
estou em guerra e completamente perdido neste imenso planeta, tenho apenas um
consolo e uma estrela, que ilumina a casa. Pintinho, conserve-a pura.”
Antoine continuou
a sofrer com a separação prolongada durante as semanas seguintes. Expressou
seu amor pela esposa em um fluxo de correspondência que às vezes ultrapassava
uma carta por dia. Consuelo conservou preciosamente todas essas mensagens, e só
deixou vazar detalhes insignificantes do seu conteúdo. Negou-se a vendê-las
para pagar despesas de hospital ou, em 1964, quando teve de enfrentar um grave
problema de impostos (algumas cartas de Saint-Exupéry à esposa foram vendidas
após a morte de Consuelo, contra a vontade da família de Antoine).
Nenhum
correspondente, mesmo que fosse tão prolixo quanto o próprio Saint-Exupéry, teria
conseguido tranquilizar com suas respostas um homem tão angustiado e dotado de
uma imaginação tão atormentada. Ele passava dolorosas eternidades à espera das
respostas de Consuelo, persuadido de que ela o abandonara, e seus temores
provocavam crises de tristeza mescladas com fluxos de recriminações. Como a
ausência de Saint-Exupéry prolongava-se, Consuelo habitualmente respondia com
breves mensagens em cartões postais. Pouco antes da morte de Antoine, ela pedia
desculpas por sua breve correspondência, argumentando que não podia escrever
mais longamente por causa de um dedo quebrado.
No grupo
2/33, todos puderam perceber a angústia de Saint- Exupéry no período anterior a
sua morte, e seus colegas da aeronáutica estavam perfeitamente conscientes dos
efeitos desastrosos da separação e da dúvida. Horas massacrantes passadas
sozinho, apertado num cockpit, dependendo de uma quantidade insuficiente de
oxigênio, só podiam acentuar as torturas psicológicas de um homem que falava do
futuro em termos sombrios.
Era velho
demais para voar no Lightning: a idade-limite dos pilotos desse avião era 30
anos, e o cansaço que sentia após missões em elevada altitude pelos céus da
França contribuíram para inquietar seus superiores quanto a sua vontade de
lutar para sobreviver. O fotógrafo americano John Phillips, que tirou as
últimas fotos de Saint- Exupéry em seu avião, advertiu-o dizendo que as
modernas máquinas de guerra podiam ser comparadas com mulheres jovens, e que
“nenhuma das duas coisas são convenientes para homens que estão envelhecendo”.
A princípio,
Saint-Exupéry apenas recebera autorização para cinco saídas de reconhecimento
e, em condições normais, ele teria tido que parar de voar bem antes de seu
último voo. Porém, era impossível impor o regulamento a um homem que passava
por cima das ordens que freavam sua busca constante de honra, determinação que
já havia lhe valido três Cruzes de Guerra.
Seu
comandante, René Cavile, revelou ao escritor Jules Roy, pouco depois da morte
de Saint-Exupéry, que algumas vezes Antoine lhe fizera confidências. Roy, que
escreveu uma longa homenagem póstuma ao aviador, gravou uma entrevista não
publicada, conservada nos arquivos da biblioteca de Marseille, na qual
Gavoille fala do estado depressivo de Saint-Exupéry nos dias anteriores a seu
último voo, e de seus temores de que Consuelo não o amasse mais.
Com frequência
as relações com Gavoille eram tensas devido ao temperamento de Saint-Exupéry,
amigo encantador porém subordinado pouco disciplinado, como demonstra o
acidente durante uma missão na qual ele se perdeu na região de Nancy, em 29 de
junho, dia do seu 44º aniversário.
Gavoille lembra-se que ele insistiu em realizar esse reconhecimento, embora não
estivesse previsto no planejamento das saídas, pois seria no céu da Saboia,
que ele conhecia desde a infância. Perto de Annecy, o motor esquerdo sofreu uma
pane e o piloto decidiu virar rumo aos Alpes para se refugiar dos caças
alemães. Num inexplicável erro de aviação, ele voou tão longe para o leste que
chegou à Itália, acima do vale do Pó, e teve que sobrevoar as cidades de Turim
e de Gênova, fortemente defendidas pela DCA. Foi interceptado por dois caças
inimigos e, convencido de que ia morrer, relatou a Gavoille que “encolheu-se
todo”. Só escapou graças à sorte, mas sentiu-se tão envergonhado com esse
incidente que tentou mantê-lo em segredo antes de admitir o erro, quando lhe
foram apresentadas as fotografias de reconhecimento. “Quando lhe pedi
explicações”, contou Gavoille em sua entrevista com Jules Roy, “ele enrubesceu até
as orelhas e negou-se a falar com qualquer pessoa durante três dias. Pensei
proibi-lo de voar por incompetência.”
A amizade
entre comandante e subordinado não foi afetada por esse enfrentamento, já que
Gavoille pediu a Saint-Exupéry que fosse padrinho de seu filho, batizado em
Túnis uma semana depois. Durante os últimos dias da vida de Saint-Exupéry,
Gavoille foi seu interlocutor privilegiado em longas conversas nas quais Antoine
lembrava seus sentimentos pela esposa. Assim como em seus bilhetes redigidos
apressadamente, Saint-Exupéry usava fórmulas para falar de Consuelo que podiam
passar, sem transição, do insulto ao elogio mais exagerado.
No final do mês de julho era evidente que ele
não suportaria por muito tempo essa pressão sentimental, física e intelectual.
Escapara por pouco da morte em diversos voos de reconhecimento e, no dia
anterior ao seu desaparecimento, a Luftwaffe abatera um piloto americano de
Lightning a pouca distância do aeródromo corso, no momento em que ele estava
chegando à base.
Desde sua
partida de Nova York, o equilíbrio de suas relações com Consuelo modificara-se.
Antoine deixara de ser o pequeno príncipe encantador tentando distrair sua
caprichosa flor. Ele agora era uma criança perdida na imensidão, procurando apaixonadamente
uma fonte de amor que o impedisse de ultrapassar a frágil fronteira que o
separava do desespero. Precisava de um anjo da guarda, cuja generosidade o
ajudasse a recriar a sensação de segurança e reconforto dos braços da mãe.
Alguns meses antes de morrer, praticamente suplicou que Consuelo desempenhasse
o papel maternal assumido por Marie de Saint-Exupéry no castelo de Saint-Maurice-de-Rémens,
quarenta anos antes. “Consuelo querida, seja minha proteção”, escrevia no
cantinho de uma mesa, na ruidosa animação de uma base aérea do deserto da
Tunísia. “Faça para mim um manto com seu amor. Seu marido, Antoine.”
Ninguém
saberá jamais se Consuelo ocupava seus pensamentos no momento da morte. O rádio
do Lightning calou-se bem antes de o avião mergulhar no mar.
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