domingo, 30 de abril de 2017

Django Reinhardt o gênio do jazz que tocava com apenas 8 dedos


Jean"Django" Reinhardt (Liberchies, 23 de janeiro de 1910 — Fontainebleau, 16 de maio de 1953) foi um guitarrista de jazzfrancês nascido na Bélgica de etnia rom. Considerado um dos melhores e mais influentes guitarristas de todos os tempos, ele também influenciou vários músicos e inovou ao ajudar a criar o estilo gypsy jazz
É tido como o pai do jazz na Europa, e também um dos primeiros músicos não negros nesse estilo musical. De ascendência cigana, Reinhardt nasceu na vila de Liberchies, no centro-sul da Bélgica, e acompanhou sua caravana até chegar aos arredores de Paris. Nessa cidade, começou a tocar banjo logo aos doze anos na vida noturna. Em sua primeira gravação conhecida (de 1928) ele toca o banjo. Após um incêndio no mesmo ano, ele perdeu a mobilidade de dois dedos da mão esquerda, o que o forçou a desenvolver uma técnica própria. Fez sucesso posteriormente com o Quintette du Hot Club de France; com o início da Segunda Guerra Mundial, o grupo se separou. Django faleceu em 1953, vítima de uma hemorragia cerebral.
Django Reinhardt nasceu em Liberchies, na Bélgica, não distante da fronteira com a França, em 23 de janeiro de 1910. Seus pais, Jean-Eugène Weiss e Laurence Reinhardt, ciganos franceses, o criaram em meio ao seu acampamento. Sua casa era pequena, de madeira e tinha rodas. Em 1915, seu pai abandonou a família, deixando a mãe de Django e seus os dois irmãos menores, Joseph e Sara. Quando Django tinha dez anos, depois de já haver morado em vários outros lugares, entre eles a Itália, a sua família mudou-se para as proximidades de Paris. A cidade ainda era protegida por fortificações; fora delas a caravana de Django se instalou, em uma região pobre conhecida como la Zone.
Com doze anos, ele ganhou de um vizinho seu primeiro instrumento musical, um banjo. Ele já demonstrara interesse musical anteriormente. Mesmo sem estudo, ele aprendeu rapidamente a tocar observando e interagindo com outros músicos da comunidade também aprendeu a tocar violinocimbalo e piano. Com doze anos, Reinhardt começou sua carreira musical, tocando com o acordeonista italiano popular Vétese Guérino em uma casa de dança. Posteriormente, ele ainda tocaria com Maurice Alexander, Fredo Gardoni, Jean Vaissade e Marceau Verschueren. Por volta de 1926, Django desenvolveu interesse em jazz e em compositores clássicos como BachDebussyStravinsky e Maurice Ravel.
Django Reinhardt nunca aprendeu a ler nem escrever. Sendo assim, nunca teve uma educação clássica musical. Contudo, segundo Stéphane Grappelli, violinista e seu posterior companheiro musical, ele tinha uma ótima percepção musical.
Em junho de 1928, gravou com o acordeonista Jean Vissade; Django tocou banjo e assinava a gravação com "Jiango Reinhardt". Pelo trabalho, ele recebeu quinhentos francos. Em outubro, gravou com Victor Marceau, também acordeonista, tocando banjo e assinou como "Jeangot".

Incêndio
Em 2 de novembro de 1928, Django teve sérias queimaduras após um incêndio em sua casa. Ao chegar à noite em casa, depois de tocar em um clube, ele acidentalmente começou o fogo ao aproximar uma vela de flores artificiais de papel e celulose confeccionadas por sua primeira esposa, Bella, as quais deveriam ser vendidas na manhã seguinte. Sua mão esquerda e sua perna direita foram seriamente afetadas. Ele teve de ficar dezoito meses sem movimentar a perna, e teve risco de amputação nos primeiros tempos. Seus dedos mínimo e anelar perderam mobilidade, o que o impediu de usá-los para tocar; o calor do fogo prejudicou os tendões desses dois dedos; os médicos disseram-lhe que ele não mais poderia tocar guitarra. Durante a recuperação, Reinhardt ganhou uma guitarra de seu irmão e desenvolveu um jeito próprio de tocar, utilizando os dedos anelar e mínimo para tocar somente acordes e os outros para realizar solos. Reinhardt voltou a andar com ajuda de uma bengala.

Quintette du Hot Club de France e outras gravações
Em maio de 1931, Django já havia recomeçado a tocar e acompanhou Louis Vola, também acordeonista, desta vez tocando guitarra. A orquestra de Vola, da qual Reinhardt fazia parte, se apresentou no mesmo ano em Pal Beach, em Cannes, no verão do mesmo ano.
Entre os músicos que Reinhardt ouvia nesta época, estavam Eddie Lang e Joe VenutiLouis Armstrong e Duke Ellington, todos expoentes do jazz da época, sendo o primeiro um guitarrista
Mesmo que ainda não tocando somente jazz - ele também tocava em clubes russos e bandas de música dançante - Django começou a ser reconhecido pelo seu talento de tocar e improvisar. Isso fez com que ele frequentasse círculos sociais de artistas, escritores, músicos e poetas. Contudo, seu comportamento nunca chegou a se adequar completamente ao novo modo de vida, visto que ele não acabara ainda completamente com o estado de nomadismo dos anos iniciais de vida.
O gosto de Reinhardt pelo jazz levou-o a encontrar-se com o violinista Stéphane Grappelli, em 1933; o músico de formação clássica trabalhava tocando em cabarés parisienses e fazendo o fundo musical de filmes mudos e que recém havia voltado de uma turnê na Argentina. A colaboração entre Reinhardt e Grappelli foi esporádica no início. Faziam alguns sessões de jams ou sessões de estúdio de big bands. Pelo final de 1933 e início de 1934, Django acompanhava a orquestra do arcodeonista Jean Sablon e a de André Eykan; com a do último, excursionou pela Costa Azul; uma gravação com o grupo em 16 de janeiro de 1934 marcou a primeira parceria musical efetiva e gravada entre Reinhardt e Grappeli. Django também acompanhava os grupos de Germaine Sablon e Michel Warlop, eventualmente tocando junto com Grappeli - este ainda tocava principalmente piano. Uma outra oportunidade aconteceu quando Pierre Nourry e Charles Delaunay, líderes do Hot Club de France, fundado em outubro de 1932, convidaram Reinhardt para tocar com eles em 1934. O Hot Club, então fez uma audição na gravadora Odéon, mas ela rejeitou-os sob a alegação de ser "muito moderno". Uma gravação não lançada por aquela gravadora apresentava a formação do grupo com Stéphane Grappelli no violino, Django Reinhardt na guitarra solo, Joseph Reinhardt, seu irmão, e Roger Chaput nas guitarras rítmicas e Louis Vola no contrabaixo e Bert Marshall no violoncelo.
Em dezembro de 1934, contudo, o grupo tocou na Ecole Normale de Musique, o que marcou o início do Quintette du Hot Club de France. À época, juntamente com críticas positivas, houve críticas negativas, dizendo que Reinhardt era "um palhaço com um bandolim" e que soava "muito cigano". O concerto em geral agradou e uma nova data foi marcada para fevereiro do ano seguinte.
O grupo fez bastante sucesso na Europa. Um dos motivos para isso foi a combinação de cordas, até então pouco explorada. Musicalmente, o estilo da banda se aproximava muito do swing. Louis Vola, que tocava o contrabaixo, desenvolveu um método de tocar conhecido como "bomba manouche", uma marca do estilo gypsy jazz. Ao mesmo tempo, as duas guitarras rítmicas forneciam uma base regular para a música. Reinhardt e Grappelli faziam os solos.

A Guerra e o fim do Hot Club
Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, o quinteto estava em turnê no Reino Unido. Reinhardt retornou a Paris,[33] deixando sua esposa para trás. Grapelli permaneceu no Reino Unido durante a guerra. Reinhardt formou novamente o quinteto com Hubert Rostaing no clarinete substituindo o violino de Grappelli. Em 1943, Reinhardt se casou com Sophie "Naguine" Ziegler, em Salbris, com quem teve um filho, Babik Reinhardt, que se tornou um respeitado guitarrista.
Reinhardt sobreviveu à guerra sem ser preso, ao contrário de muitos ciganos que pereceram nos Porajmos, o assassinato sistemático de várias centenas de milhares de ciganos europeus feito pelo regime nazista. Ele foi alertado dos perigos que ele e seu família corriam, e fez várias tentativas mal-sucedidas de fugir da França ocupada. Parte da explicação de sua sobrevivência é de que ele teve a proteção de (sub-repticiamente) nazistas que gostavam de jazz como o oficial da Luftwaffe Dietrich Schulz-Köhn, cujo apelido era "Doktor Jazz".
Os problemas de Reinhardt duplicaram pelo fato de que os nazistas também desaprovavam oficialmente o jazz.  Reinhardt se interessou por outras direções musicais, tentando escrever um réquiem para os ciganos e sinfonia (como ele não sabia escrever música, ele faria improvisações a serem anotadas por um assistente).

Visita aos EUA
Depois da Guerra, Reinhardt voltou a se juntar a Grappelli na Inglaterra. Foram para os EUA para uma turnê, abrindo apresentações para Duke Ellington, e tocando no Carnegie Hall, com vários músicos e compositores famosos como Maury Deutsch. Apesar do grande orgulho que Reinhardt sentia por tocar com Duke Ellington, ele não estava realmente integrado com a banda, tocava somente alguns acordes no final do show, sem nenhum arranjo especial para ele. Ele estava acostumado com seu irmão, Joseph, carregando seu violão e afinando-o para ele. Supostamente, Django recebeu um instrumento desafinado para tocar. Além disso, ele estava acostumado a tocar com um Selmer Maccaferri, o instrumento que ele tornou célebre, mas pediram que ele tocasse com um novo modelo, com amplificador. Os resultados não foram muito satisfatórios. Ele voltou à França frustrado, mas continuou tocando e gravando muita coisa.
Django Reinhardt foi uma das primeiras pessoas a apreciar e entender a música de Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Ele chegou a procurá-los quando chegou a Nova Iorque, mas infelizmente eles estavam em alguma turnê.

Retorno à vida cigana
Depois de retornar à França, Django passou o resto de seus dias voltando para a vida cigana, com dificuldade de se adaptar à vida moderna. Um dos eventos mais enigmáticos foi quando Reinhardt abandonou, na beira de uma estrada, um carro que havia acabado de comprar porque havia acabado a gasolina. Às vezes Django aparecia para um show e não levava seu instrumento, se mudava de repente para a praia ou para um parque, e às vezes se recusava a levantar da cama.
O conceito de "Lead Guitar" (Django) e "Rhythm Guitars" (Joseph Reinhardt / Roger Chaput) nasceu no Quintette Du Hot Club De France. Eles usavam suas guitarras para percussão quando não havia percussão de verdade na sessão. Mais tarde ele formou uma nova banda com saxofonetrompetepianobaixo e bateria. Ele continuou compondo, e é lembrado como um dos mais talentosos guitarristas do Jazz.
Em 1948, Reinhardt recrutou alguns músicos italianos de jazz (baixo, piano, percussão) e gravou um de seus mais aclamados trabalhos, "Djangology", mais uma vez em parceria com seu compatriota Stephane Grappelli no violino. Entretanto, sua experiência nos EUA havia feito dele uma pessoa diferente da que Grappelli havia conhecido, influenciado principalmente pelo jazz americano. Mas nessa gravação, Django voltou a suas raízes, tocando de novo a acústica Selmer-Maccaferi. Esta gravação foi recentemente descoberta por entusiastas do jazz e está disponível para venda nos EUA e Europa.

Falecimento
Em 1951 mudou-se para Samois sur Seine, França, perto de Fontainebleau. Ele viveu lá por dois anos até 16 de maio de 1953, quando, retornando da estação de trem de Avon, ele desmaiou devido a uma hemorragia cerebral. O médico levou o dia todo para chegar e Django foi declarado morto ao chegar no hospital em Fontainebleau.

Reinhardt na cultura popular
·         O filme Sweet and Lowdown, dirigido por Woody Allen, é uma homenagem a Reinhardt. Canções suas também foram usadas em Stardust Memories, do mesmo diretor.
·        Uma praça em Paris foi batizada com o nome de Django.
·         Jimi Hendrix nomeou seu grupo Band of Gypsys em homenagem a Reinhardt.
·          O planeta 94291 Django foi nomeado em homenagem ao guitarrista.
·         São realizados festivais em homenagem a Django Reinhardt na ItáliaEstados UnidosFrançaBélgicaReino Unido
·         O álbum Django e a canção homônima, do grupo The Modern Jazz Quartet é dedicada a Reinhardt.
·         Django aparece no filme animado As Bicicletas de Belleville e também no filme A Invenção de Hugo Cabret.
·         O guitarrista Carlos Santana assumiu em entrevista ter sido influenciado por Reinhardt. Reinhardt também foi uma influência para os músicos Yehudi MenuhinTony IommiJulian BreamLes PaulBarney KesselChet AtkinsJoe PassGary Moore. Les Paul encontrou, inclusive, Django, em 1951, quando ele estava novamente no acampamento cigano; ele relatou que o música "estava muito deprimido"; eles se encontraram novamente em 1952.
·         Dentro da linguagem de programação Python, a framework web mais utilizada tem o nome de Django em homenagem ao guitarrista. 
·         O jogo Mafia: The City of Lost Heaven (2002) possui treze músicas do artista.

A GUERRA DOS "BOERS"

      Quando o século XX começou, guerras estavam sendo travadas em dois continentes: África e Ásia. Na África do Sul, a Guerra dos Bôeres iniciava sua décima primeira semana. Os bôeres, em suas duas repúblicas independentes, a República do Transvaal e a República do Estado Livre de Orange, tinham tomado o poder do Império Britânico nas vizinhas Colônia do Cabo e Natal. A primeira batalha de 1900, na África do Sul, ocorreu em 6 de janeiro, quando forças bôeres tentaram tomar posições dos britânicos dentro da cidade de Ladysmith, onde 20 mil soldados das tropas britânicas haviam defendido a cidade que estava sitiada por mais de dois meses. Em um mês, Ladysmith havia sido libertada, quinhentos soldados da cavalaria britânica quebraram o círculo formado pelas forças bôeres e galoparam pela rua principal gritando “Estamos aqui!”. Outra cidade sitiada, Mafeking, foi libertada em maio.
      Quando a notícia chegou a Londres, a satisfação foi tão veemente e entusiasmada que o verbo “to Maffick” – celebrar sem inibição – entrou para a língua e lá ficou por várias décadas. Um mês depois, Pretória, a capital do Transvaal, foi ocupada. O Reino Unido tinha consolidado seu poder imperial.

PILOTO DE GUERRA - PARTE 1

     Sem dúvida, estou sonhando. Estou no ginásio. Tenho quinze anos. Resolvo pacientemente meu problema de geometria. Apoiado na carteira escura, uso direitinho o compasso, a régua, o transferidor. Estou concentrado e tranquilo. Os camaradas, atrás de mim, falam baixinho. Um deles alinha as cifras num quadro negro. Alguns, menos sérios, jogam bridge. De quando em quando, mergulho mais longe no sonho e dou uma espiada pela janela. Um galho de árvore oscila docemente ao sol. Fico olhando muito tempo. Sou um aluno distraído… Sinto prazer em experimentar esse sol, como em saborear esse odor infantil da carteira, do giz, do quadro-negro. Encerro-me com tanta alegria nessa infância bem protegida. Bem sei: primeiro, há a infância, o ginásio, os camaradas, depois chega o dia em que fazemos os exames. Em que recebemos algum diploma. Em que atravessamos, com um aperto no coração, um certo limiar além do qual, subitamente, somos homens. Então o passo fica mais pesado, mais no chão. Já estamos traçando nosso caminho na vida. Testaremos enfim nossas armas em adversários de verdade. A régua, o esquadro, o compasso, nós os usaremos para construir o mundo ou para triunfar sobre os inimigos. Acabaram as brincadeiras! 
      Sei que, normalmente, um colegial não receia enfrentar a vida. Um colegial esperneia de impaciência. Os tormentos, os perigos, as amarguras de uma vida de homem não intimidam um colegial. 
         Mas eis que sou um colegial esquisito. Sou um colegial que conhece sua felicidade e que não tem tanta pressa de enfrentar a vida… 
           Dutertre passa. Eu o convido. 
          — Senta aqui, vou te fazer um truque com o baralho… 
          E fico feliz em achar seu ás de espadas. 
      À minha frente, em sua carteira, escura como a minha, Dutertre está sentado com as pernas pendentes. Ele ri. Sorrio modestamente. Pénicot se junta a nós e põe o braço no meu ombro: 
         — E então, meu velho? 
         Meu Deus, como tudo isso é terno!

Da esquerda para a direita Antoine com seus irmãos, 
a mais velha, Marie-Madeleine, a mais nova, Gabrielle, 
o irmão François e Simone. O escritor é o segundo da direita. 




sábado, 29 de abril de 2017

EDGAR DEGAS, O PINTOR E ESCULTOR DAS BAILARINAS

Edgar Hilaire Germain Degas (Paris19 de julho de 1834 — Paris27 de Setembro1917) foi um pintorgravuristaescultor e fotógrafo francês. É conhecido sobretudo pela sua visão particular no mundo do ballet, sabendo captar os mais belos e súbteis cenários. É ainda reconhecido pelos seus célebres pastéis e como um dos fundadores do impressionismo. Muitos dos seus trabalhos conservam-se hoje no Museu de Orsay, na cidade de Paris, onde o artista nasceu e faleceu. Se o quisermos classificar na história da arte, a maioria das obras consagradas de Degas ligam-se ao movimento impressionista formado na França nos fins do século XIX, em reação à pintura académica da época. Com ele estavam Claude MonetPaul CézanneAugust RenoirAlfred SisleyMary CassattBerthe Morisot e Camille Pissarro, que, cansados de serem recusados nas exposições oficiais, se associaram e criaram a sua própria escola para poderem apresentar as sua obras ao público.
A arte impressionista é descrita frequentemente pelos efeitos de luz ao ar livre.Estas características não são, no entanto, aplicáveis a Degas: mesmo tendo sido um dos principais animadores das exposições impressionistas, não se enquadra no movimento que, em nome da liberdade de pintar, caracteriza o grupo. Ao ar livre ele prefere, e de longe, "o que nós só vemos na nossa memória". Dirigindo-se a um pintor ele diz: Para vós, é necessário a vida natural, para mim, a vida fictícia. Se Degas faz, oficialmente, parte dos impressionistas, ele não se identifica com eles nas características mais conhecidas. A sua situação de exceção não escapa aos críticos da época, frequentemente desestabilizados pelo seu vanguardismo. Vários dos seus quadros semearam a controvérsia, e ainda hoje a obra de Degas é objeto de numerosos debates pelos historiadores de arte. Edgar Degas repousa no túmulo da família no cemitério de Montmartre em Paris.











O BRASIL NA ÉPOCA DE SAINT-EXUPÉRY - PARTE 2


A recessão foi a conta apresentada à sociedade pelos excessos financeiros dos primeiros anos da República.

A estréia do regime, em 1889, fora marcada por uma formidável atividade especuladora. De olho no lucro fácil dos negócios, que, acreditava-se, deslanchariam com os novos tempos, a elite se comportava como se estivesse num cassino ou no Jockey Club, apostando em corrida de cavalo. Não é à toa que o período ficou conhecido como Encilhamento, expressão oriunda do turfe que designa o momento anterior à largada, justamente quando as apostas se multiplicam.

O mercado de ações operava em plena rua, no centro do Rio de Janeiro, a capital. A improvisação na Bolsa de Valores fazia parecer mais frenética a atuação dos especuladores. Eles anotavam os preços nos punhos das camisas e, enquanto gritavam suas propostas, mal se davam conta de que impediam a passagem dos bondes, na descrição do visconde de Taunay, que escreveu um romance sobre o Encilhamento.8

A febre especulativa foi conseqüência de um plano de rápida industrialização de autoria de Rui Barbosa (1849-1923), ministro da Fazenda do marechal Deodoro da Fonseca, o proclamador da República. Rui Barbosa não partiu do nada. Na realidade, continuou uma reforma bancária liberal deixada pelo último gabinete do Império, radicalizando a experiência.

A idéia central de Rui Barbosa consistia em estimular a diversificação da economia, então concentrada no setor cafeeiro. Só com o desenvolvimento acelerado, raciocinava o ministro, seria possível absorver a mão-de-obra escrava liberada pela Lei Áurea, de 1888. Para tanto, era preciso facilitar o surgimento de novas empresas, o que exigia crédito. Essa necessidade levou o governo a aprovar uma lei que estabelecia que as notas emitidas pelos bancos privados fossem aceitas como moeda.9

Qualquer banco, independentemente da solidez, emitia títulos. “Quase diariamente”, escreve o visconde deTaunay,“se viam na circulação monetária notas de todos os tipos, algumas novinhas, faceiras, artísticas, com figuras de bonitas mulheres e símbolos elegantes, outras sarapintadas às pressas, emplastradas de largos e nojentos borrões.” A ficção é fiel aos fatos.

Com esse dinheiro em caixa, os bancos de emissão — como eram chamados — concediam empréstimos, financiando a arrancada da economia. O crédito fácil gerou euforia. Sem regulamentação apropriada, no entanto, os abusos foram constantes. A forte demanda por ações fazia com que até papéis de empresas-fantasmas fossem vendidos com ágio. A espiral de preços no mercado acionário, no entanto, logo se mostraria insustentável. No início de 1891, pouco mais de um ano após ter tomado posse, Rui Barbosa renunciou. A bolha especulativa havia estourado.

A política desenvolvimentista teve custo elevado. O excesso de liquidez provocou inflação, e a liberalidade nos empréstimos resultou em dívidas incobráveis, ameaçando o sistema financeiro nacional. Foi nesse contexto que uma contra-reforma gerou a recessão.



7 O padrão-ouro foi introduzido em países ricos no final da década de 1870. O sistema pressupõe que todo o papel-moeda pode ser convertido em ouro. Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, os países beligerantes emitiram dinheiro sem esse lastro para fazer frente aos gastos militares. O papel-moeda, portanto, não estava mais garantido por depósitos em ouro. Reintroduzido após o fim dos conflitos, o sistema sofreu novo abalo com a crise de 1929. Ainda experimentou uma sobrevida antes de ter sido definitivamente enterrado em 1971, quando os EUA desvincularam o dólar do metal. Até hoje, porém, o ouro é importante referência cambial. Sobre esse assunto, ver João Sayad, O Dólar, nesta mesma série (São Paulo: Publifolha, 2001).

9  Uma rara análise com viés favorável às reformas de Rui Barbosa é apresentada em História Monetária do Brasil, de Carlos Manuel Peláez e Wilson Suzigan (Brasília: Ed. da UnB, 1981); p. 137-44.




VOCÊ SABIA QUE WINSTON CHURCHILL SERVIU NA GUERRA DOS BÔERES NA ÁFRICA DO SUL?

Winston Leonard Spencer-Churchill (30 de novembro de 1874 - 24 de janeiro de 1965) foi um estadista britânico, primeiro-ministro do Reino Unido de 1940 a 1945 e novamente de 1951 a 1955. Churchill também foi oficial do exército britânico, historiador não acadêmico, escritor (como Winston S. Churchill) e artista.  Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1953 por todo o conjunto de sua obra. Em 1963, foi o primeiro de apenas oito pessoas a ser feito um cidadão honorário dos Estados Unidos.

Churchill nasceu na família dos Duques de Marlborough, um ramo da família Spencer. Seu pai, Lorde Randolph Churchill, era um político carismático que serviu como Chanceler do Tesouro; Sua mãe, Jennie Jerome, era uma socialite americana. Como jovem oficial do exército, participou de combates na Índia britânica, na Guerra Anglo-Sudão e na Segunda Guerra Bôer. Ganhou fama como correspondente de guerra e escreveu livros sobre suas campanhas.

Na vanguarda da política durante cinquenta anos, ocupou muitos cargos políticos e ministérios. Antes da Primeira Guerra Mundial, serviu como Presidente da Câmara de Comércio, Secretário do Interior e Primeiro Lorde do Almirantado como parte do governo liberal de Asquith. Durante a guerra, ele continuou como Primeiro Lorde do Almirantado (Ministro da Marinha)  até que a desastrosa Campanha de Gallipoli causou sua saída do governo.
Retornou ao Exército durante a Primeira Guerra, na Frente Ocidental, como comandante do 6º Batalhão dos Reais Fuzileiros Escoceses.
Ele voltou ao governo sob Lloyd George como Ministro de Munições, Secretário de Estado para a Guerra, Secretário de Estado para o Ar, e Secretário de Estado para as Colônias.

Depois de dois anos fora do parlamento, serviu como Chanceler do Tesouro no governo conservador de Baldwin de 1924-1929.
Sem cargo no governo e politicamente "no deserto" durante a década de 1930 devido à sua oposição ao aumento da interferência britânica na Índia e sua resistência à abdicação de Edward VIII em 1936, Churchill assumiu a liderança dos políticos que advertiam sobre os perigos da Alemanha nazista e defendiam o rearmamento da Inglaterra.

No início da Segunda Guerra Mundial, ele foi novamente nomeado Primeiro Lorde do Almirantado. Após a renúncia de Neville Chamberlain em 10 de maio de 1940, Churchill tornou-se primeiro-ministro. Seus discursos e transmissões de rádio ajudaram a inspirar a resistência britânica, especialmente durante os dias difíceis de 1940-41, quando a Commonwealth e o Império britânicos estavam quase sozinhos em sua oposição ativa a Adolf Hitler. Liderou a Grã-Bretanha como primeiro-ministro até que a vitória sobre a Alemanha nazista tivesse sido assegurada.


Nomeado o maior britânico de todos os tempos em uma pesquisa de 2002, Churchill é amplamente considerado como das pessoas mais influentes na história britânica.

Depois que Churchill deixou a Harrow School em 1893,  se candidatou ao Royal Military College, Sandhurst. Foi reprovado por três vezes antes de finalmente passar no exame de admissão; escolheu servir na cavalaria, em vez da infantaria, porque a nota exigida era menor e ele não era obrigado a aprender matemática, o que não gostava. Graduou-se como oitavo de uma classe de 150 em dezembro de 1894, e embora a essa altura pudesse ser transferido para um regimento de infantaria como seu pai tinha desejado, escolheu permanecer com a cavalaria no posto de segundo tenente em no 4º Regimento de Hussardos Pessoais da Rainha em 20 de fevereiro de 1895.

Em 1941, recebeu a honra de ser nomeado Coronel  do 4º Hussardos, uma honra que foi elevada após a Segunda Guerra Mundial, quando foi nomeado Coronel-em-Chefe; Este privilégio é geralmente reservado para membros da família real. Seu salário como segundo tenente no quarto Regimento de Hussardos era de £ 300 anualmente.
No entanto, ele achava que precisava de pelo menos mais 500 libras esterlinas (equivalente a 55 mil libras em 2012) para sustentar um estilo de vida igual ao dos outros oficiais do regimento.
Sua mãe forneceu um subsídio de £ 400 por o ano, mas esta mesada durava muito pouco nas mãos do jovem oficial.
De acordo com o biógrafo Roy Jenkins, esta é uma razão pela qual ele se interessou em ser um Correspondente de Guerra.

Churchill não pretendia seguir uma carreira convencional de promoções através das fileiras do exército, mas sim procurar todas as possíveis chances de ação em combate, usando a influência de sua mãe e da família na alta sociedade para conseguir ser nomeado para lutar em situações de ação e perigo.
Seus despachos acabaram chamando a atenção do público e lhe renderam uma renda adicional significativa. Atuou como correspondente de guerra para vários jornais de Londres e escreveu seus próprios livros sobre as campanhas.

Tendo se candidatado  sem êxito na eleição parlamentar do condado de Oldham em julho de 1899, Churchill procurou alguma outra oportunidade para alavancar sua carreira.
Em 12 de outubro de 1899, estourou a Segunda Guerra Bôer entre a Grã-Bretanha e a República Bôer, e ele logo  conseguiu ser indicado como correspondente de guerra para o The Morning Post com um salário de £ 250 por mês.

Conseguiu embarcar no mesmo navio que o recém-nomeado comandante britânico, Sir Redvers Buller. Depois de algumas semanas na linha de frente,  acompanhou uma expedição em um trem blindado, que foi atacado e aprisionado pelos Bôeres.
Foi capturado e preso em um campo de Prisioneiros de Guerra em Pretória. Sua bravura e coragem  durante a emboscada do trem conduziram à especulação de que receberia a Cruz de Victoria,  condecoração mais elevada de Grã Bretanha aos membros das forças armadas para coragem e heroísmo em face do inimigo, mas isso não era possível, porque nessa fase de sua vida voltara a ser um civil.

Escapou do campo de prisioneiros e, com a ajuda de um gerente de mineração inglês, viajou quase 480 quilômetros até local  seguro na África Oriental Portuguesa.
Sua fuga o transformou em herói nacional por um tempo, mas logo em seguida,  em vez de retornar para casa, reuniu-se ao exército do general Buller em sua marcha para libertar os Ingleses no cerco de Ladysmith e tomar Pretoria.

Desta vez, apesar de continuar como correspondente de guerra, foi nomeado para o Regimento de Cavalaria dos South African Light Horse. Foi um dos primeiros militares britânicos a entrar em Ladysmith e Pretória. Ele e seu primo, o duque de Marlborough, conseguiram se adiantar ao resto das tropas em Pretória, onde exigiram e receberam a rendição de 52 guardas do campo de Concentração Bôer.

Em 1900, Churchill retornou à Inglaterra no RMS (Royal Mailing Ship – Navio Correio) Dunottar Castle, o mesmo navio em que tinha zarpado para a África do Sul oito meses antes.

No mesmo ano publicou “De Londres a Ladysmith via Pretoria” e um segundo volume de suas experiências na guerra dos Bôer, “A Marcha de Ian Hamilton”. 


CORREIO SUL - PARTE 1

Pelo rádio. 6h10. De Toulouse para escalas. Correio França — América do Sul deixa Toulouse 5h45 ponto.

         Um céu puro como água banhava e revelava as estrelas. Depois, a noite. À luz da lua, o Saara desdobrava-se, duna por duna. Sobre nossas cabeças, uma luminosidade de lâmpada, que não destacava os objetos, mas os compunha, nutria cada coisa de uma substância vaga. Sob nossos passos ensurdecidos, uma areia espessa, como matéria de luxo. Caminhávamos de cabeça descoberta, livres do peso do sol. A noite: esta morada...
         Mas como acreditar na nossa paz? Os ventos alísios resvalavam sem descanso na direção do sul, varrendo a praia com um sussurro de seda. Não eram como os ventos da Europa que giram e cedem; estes insistiam sobre nós como sobre um expresso em movimento. Às vezes, à noite, atingiam-nos tão fortemente que nos apoiávamos neles, voltados para o norte, com a sensação de sermos arrebatados, impelidos até um ponto obscuro. Que pressa, que inquietude!
         O sol movia-se, trazendo o dia. Os mouros estavam pouco agitados. Os que se aventuravam até o forte espanhol gesticulavam, empunhavam o fuzil como um brinquedo. Era o Saara visto dos bastidores: as tribos rebeldes despiam-se de seu mistério e exibiam alguns figurantes.
         Vivíamos juntos, uns sobre os outros, em frente à nossa própria imagem, tão limitada; por isso não sabíamos ficar isolados no deserto: seria preciso voltar para casa, para avaliar nosso afastamento e descobri-lo, em sua perspectiva.
         Prisioneiros dos mouros e de nós mesmos, nunca ultrapassávamos quinhentos metros, para além dos quais começava a dissidência. Os nossos vizinhos mais próximos, de Cisneros e de Port-Étienne, estavam a setecentos, mil quilômetros, presos também no Saara como numa ganga. Rondavam em torno do mesmo forte. Nós os conhecíamos pelos seus apelidos e suas manias; entre nós, porém, havia a mesma espessura de silêncio que há entre os planetas habitados.
         Para nós, o mundo começava a agitar-se naquela manhã. O operador de rádio entregara-nos, finalmente, um telegrama: dois postes erguidos na areia ligavam-nos ao mundo uma vez por semana:
Correio França — América partiu de Toulouse 5h45 ponto. Passou Alicante 11h10.
         Toulouse falava, Toulouse, cabeça da linha.
         Deus distante. Em dez minutos a notícia alcançava-nos através de Barcelona, de Casablanca, de Agadir e depois propagava-se rumo a Dacar. Alertavam-se os aeroportos na extensão de cinco mil quilômetros de linha. Por volta das seis horas da tarde, comunicavam-nos ainda:
Correio aterrissará Agadir 21h partirá novamente para cabo Juby 21h30 pousará com bomba Michelin ponto. Cabo Juby preparará a iluminação regulamentar ponto. Ordem ficar em contato com Agadir. Assinado: Toulouse.
         Isolados em pleno Saara, seguíamos, do observatório de cabo Juby, um cometa distante.
         O Sul agitava-se pelas seis horas da tarde:
         De Dacar para Port-Étienne, Cisneros, Juby: comunicar urgência notícias correio.
         De Juby para Cisneros, Port-Étienne, Dacar: nenhuma notícia desde passagem 11h10 Alicante.
         Nalgum ponto do céu, um motor roncava. Desde Toulouse até o Senegal procurávamos ouvi-lo.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

O MUNDO NA ÉPOCA DE SAINT-EXUPÉRY - PARTE 2



            Os europeus mais atentos - uma minoria - previram as consequências para a Europa do papel exercido pelos Estados Unidos, tanto política quanto militarmente. Por volta de 1900, o país chegava à marca de 80 milhões de habitantes, cerca de 20 milhões a mais do que a Alemanha. Na produção de aço - o barômetro econômico da época -, era o líder mundial. Em outros produtos, de tabaco a minerais, era o maior ou o segundo maior produtor. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, seus produtos manufaturados alcançavam a quantidade total produzida pela Grã-Bretanha, Alemanha e França juntas.

            Os Estados Unidos eram o centro da criatividade, fosse em forma de religião, como a ciência cristã, fundada por Mary Baker Eddy, ou em forma de música, como o jazz, criado por afrodescendentes. Nova York era a capital mundial da novidade. The House ofMirth, romance de Edith Warthon publicado em 1905 (lançado mais tarde no Brasil com o título A Casa da Alegria), começa com a descrição de uma elegante mulher que deixa a agitação de fim de tarde na Grand Central Station - uma das visões mais fascinantes do mundo - e dirige-se a ruas onde se encontram belas casas de tijolos e pedras, decoradas com floreiras e toldos, tudo “fantasticamente variado, de acordo com a ânsia americana pela modernidade”.

            Lá também surgiam novas palavras e expressões. Lá se encontravam os mais altos edifícios comerciais do mundo, as mais extensas linhas ferroviárias e grandes minas de carvão que ameaçavam suplantar a Grã-Bretanha na extração do mineral. Os Estados Unidos eram os líderes em engenharia elétrica, fornecendo mão de obra e

             equipamentos para a construção das linhas do metrô de Londres no início do século. O índice de crianças europeias alfabetizadas era inferior ao de crianças norte-americanas, e um soberbo núcleo de universidades tomava forma na América. Apesar de não possuírem uma tradição histórica em artes visuais, os Estados Unidos a compravam com dólares. Pinturas famosas discretamente deixavam os castelos e palácios europeus para, depois de leiloadas em Londres, aparecerem em galerias particulares de magnatas do aço e das estradas de ferro, como os Carnegies e os Fricks.

            Os Estados Unidos haviam se tornado um império, embora os cidadãos, em sua maioria, não se sentissem donos dele. O país possuía o Alasca, negociado com a Rússia no ano de 1867; possuía o Havaí; havia derrotado a Espanha em uma rápida guerra, conquistando temporariamente Cuba e as Filipinas, e aumentava a marinha de guerra, a fim de acompanhar sua expansão territorial. Um dos emocionantes eventos de 1908 foi a viagem de uma grande esquadra desarmada para as distantes costas do Pacífico, onde seus marinheiros marcharam à vontade pelas ruas - diferentemente da formalidade europeia -, para deleite das multidões. Essa elegante esquadra, de proporções até então inéditas no Oceano Pacífico, foi uma espécie de aviso ao Japão, no entender de alguns observadores. Em 1914, a marinha de guerra norte-americana já era a terceira maior do mundo, contrastando com o diminuto exército.

            Os Estados Unidos, que tinham até então preferido viver em isolamento - a ponto de seus esportes favoritos, como o beisebol e o futebol americano, terem sido inventados lá mesmo - começaram a olhar para fora. Iniciava-se o planejamento do Canal do Panamá, que colocaria a América do Norte no centro da rota de comércio global. Em 1900, o país enviou tropas para o norte da China, a fim de se juntarem a outros exércitos de diversas nações e assim restabelecer a ordem após a Rebelião dos Boxers, de cunho antiocidental e anticristão. Cinco anos mais tarde, em seu próprio território, a nação liderou as delicadas discussões que puseram termo à guerra entre Rússia e Japão.

VOO NOTURNO - PARTE 1

As colinas, sob o avião , já cavavam seu rastro de sombra no crepúsculo dourado. As planícies tornavam-se iluminadas, uma luminosidade permanente. Naquele país elas não paravam de produzir o ouro, da mesma forma que, no inverno, não paravam de produzir a neve.
E o piloto Fabien, que vinha do extremo Sul em direção a Buenos Aires, reconhecia a aproximação da noite, por meio dos mesmos sinais que as águas de um porto: aquela calma, as rugas leves que mal desenhavam nuvens tranquilas. Ele entrava em um imenso e bem-vindo ancoradouro.
Em meio a uma tranquilidade tão profunda, ele podia acreditar-se fazendo uma lenta caminhada, quase como um pastor. Os pastores da Patagônia vão, sem pressa, de um rebanho para outro: ele ia de povoado a povoado, era o pastor das pequenas cidades. A cada duas horas ele encontrava uma, que vinha beber nas margens dos rios ou pastar pelas planícies.

Por vezes, após centenas de quilômetros de estepes, mais desertas que o mar, ele cruzava com uma fazenda perdida que parecia trazer de volta, em uma onda de pradarias, sua carga de vida humana e, então, com as asas, ele saudava aquele navio.