quinta-feira, 27 de abril de 2017

O BRASIL NA ÉPOCA DE SAINT-EXUPÉRY - PARTE 1

O PÂNICO DE 1900

Na entrada dos 1900, o Brasil prometia.
No ano inaugural — para dar uma dimensão da promessa —, publicou-se Dom Casmurro, o maior romance do maior romancista brasileiro. É verdade que o livro fora editado no ano anterior, mas até 1900 ninguém ouvira falar de Bentinho e Capitu, as personagens principais. O apogeu de Machado de Assis (1839-1908) pode ser um detalhe da história do Brasil, mas não deixa de simbolizar uma época que parecia alvissareira.

Não só a literatura ia bem. O Brasil — ou, se não o Brasil, pelo menos um brasileiro — brilhava na tecnologia de ponta. Em 1901, Santos-Dumont deslumbrou Paris ao contornar a torre Eiffel num balão dirigível. Diferentemente de Machado, o inventor ainda estava longe do ápice de sua carreira, que seria atingido em 1906, ao realizar o primeiro vôo público com um avião. Como a grande maioria dos brasileiros era analfabeta, talvez tenha sido Santos-Dumont (1873-1932), e não Machado, o melhor ícone daqueles tempos auspiciosos.

Vivia-se a Belle Époque. Antenada na moda e nos costumes ditados pela França, a elite brasileira ganhava um verniz de sofisticação. As cidades cresciam e influenciavam os novos hábitos. Dândis e melindrosas flanavam diante de fachadas art-nouveau. Os automóveis, importados, começavam a surgir. O primeiro deles, aliás, do escritor José do Patrocínio, foi também o primeiro a se acidentar, nas mãos do amigo Olavo Bilac, que, além de maior poeta do Brasil, era estrábico e não sabia dirigir.

Os carros, como os tecidos finos e toda sorte de supérfluos, eram comprados com o dinheiro do café.4* Embora tivessem vivido dias melhores, os cafeicultores também não podiam reclamar: na virada do século, a oferta podia ser excessiva, e o câmbio, desfavorável, mas o governo não os deixava totalmente na mão — afinal, o café brasileiro, responsável por três quartos da produção mundial,5 dominava a pauta de exportações.

O ambiente econômico mundial ajudava. Depois da crise da segunda metade do século anterior,6 os países ricos estavam recuperados. Então no auge, o padrão-ouro, ao azeitar o comércio internacional, proporcionava prosperidade, da qual países periféricos como o Brasil também se beneficiavam.7 Esse período seria mais tarde chamado de a “era das certezas”, para contrastar com a “era das incertezas” inaugurada com a Primeira Guerra Mundial, em 1914.

O clima de otimismo se estendia ao quadro institucional. O regime republicano, que mal completara dez anos, dava sinais de consolidação, depois de ter enfrentado revoltas e revoluções sangrentas na primeira década.

Essas notícias do início do século 20 estavam nos jornais da época, mas não contam a história toda. Por isso, convém olhar para elas como Bentinho olhava para Capitu — com desconfiança. Elas tiravam de foco outra realidade, nada glamourosa. O fato era que, fora dos salões afrancesados, o país amargava uma arrasadora recessão.


4 A economia do país era predominantemente agrícola. Em 1900, quase dois terços da população de 17,3 milhões de pessoas viviam no campo.

5 Thomas Skidmore, Uma História do Brasil (São Paulo: Paz e Terra, 2000, 3a ed.); p. 117

6 A depressão de 1875, uma das crises cíclicas daquele estágio do capitalismo, teve impacto no Brasil. O barão de Mauá,por exemplo, o maior empreendedor da época, foi obrigado a encerrar suas atividades. Uma descrição dos efeitos da crise mundial no Brasil se^éncontra em Mauá, Empresário do Império, de Jorge Caldeira (São Paulo: Companhia das Letras, 1995).

7 O padrão-ouro foi introduzido em países ricos no final da década de 1870. O sistema pressupõe que todo o papel-moeda pode ser convertido em ouro. Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, os países beligerantes emitiram dinheiro sem esse lastro para fazer frente aos gastos militares. O papel-moeda, portanto, não estava mais garantido por depósitos em ouro. Reintroduzido após o fim dos confli­tos, o sistema sofreu novo abalo com a crise de 1929. Ainda experimentou uma sobrevida antes de ter sido definitivamente enterrado em 1971, quando os EUA desvincularam o dólar do metal. Até hoje, porém, o ouro é importante referência cambial. Sobre esse assunto, ver João Sayad, O Dólar, nesta mesma série (São Paulo: Publifolha, 2001).



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