O PÂNICO DE 1900
Na
entrada dos 1900, o Brasil prometia.
No
ano inaugural — para dar uma dimensão da promessa —, publicou-se Dom Casmurro, o
maior romance do maior romancista brasileiro. É verdade que o livro fora
editado no ano anterior, mas até 1900 ninguém ouvira falar de Bentinho e
Capitu, as personagens principais. O apogeu de Machado de Assis (1839-1908)
pode ser um detalhe da história do Brasil, mas não deixa de simbolizar uma
época que parecia alvissareira.
Não
só a literatura ia bem. O Brasil — ou, se não o Brasil, pelo menos um
brasileiro — brilhava na tecnologia de ponta. Em 1901, Santos-Dumont deslumbrou
Paris ao contornar a torre Eiffel num balão dirigível. Diferentemente de
Machado, o inventor ainda estava longe do ápice de sua carreira, que seria
atingido em 1906, ao realizar o primeiro vôo público com um avião. Como a
grande maioria dos brasileiros era analfabeta, talvez tenha sido Santos-Dumont
(1873-1932), e não Machado, o melhor ícone daqueles tempos auspiciosos.
Vivia-se
a Belle Époque. Antenada na moda e
nos costumes ditados pela França, a elite brasileira ganhava um verniz de
sofisticação. As cidades cresciam e influenciavam os novos hábitos. Dândis e
melindrosas flanavam diante de fachadas art-nouveau.
Os automóveis, importados, começavam a surgir. O primeiro deles, aliás, do
escritor José do Patrocínio, foi também o primeiro a se acidentar, nas mãos do
amigo Olavo Bilac, que, além de maior poeta do Brasil, era estrábico e não
sabia dirigir.
Os
carros, como os tecidos finos e toda sorte de supérfluos, eram comprados com o
dinheiro do café.4* Embora tivessem vivido dias melhores, os cafeicultores
também não podiam reclamar: na virada do século, a oferta podia ser excessiva,
e o câmbio, desfavorável, mas o governo não os deixava totalmente na mão —
afinal, o café brasileiro, responsável por três quartos da produção mundial,5
dominava a pauta de exportações.
O
ambiente econômico mundial ajudava. Depois da crise da segunda metade do século
anterior,6 os países ricos estavam recuperados. Então no auge, o
padrão-ouro, ao azeitar o comércio internacional, proporcionava prosperidade,
da qual países periféricos como o Brasil também se beneficiavam.7
Esse período seria mais tarde chamado de a “era das certezas”, para contrastar
com a “era das incertezas” inaugurada com a Primeira Guerra Mundial, em 1914.
O
clima de otimismo se estendia ao quadro institucional. O regime republicano,
que mal completara dez anos, dava sinais de consolidação, depois de ter
enfrentado revoltas e revoluções sangrentas na primeira década.
Essas
notícias do início do século 20 estavam nos jornais da época, mas não contam a
história toda. Por isso, convém olhar para elas como Bentinho olhava para
Capitu — com desconfiança. Elas tiravam de foco outra realidade, nada
glamourosa. O fato era que, fora dos salões afrancesados, o país amargava uma arrasadora
recessão.
4 A economia do país era
predominantemente agrícola. Em 1900, quase dois terços da população de 17,3
milhões de pessoas viviam no campo.
5 Thomas Skidmore, Uma
História do Brasil (São Paulo: Paz e Terra, 2000, 3a
ed.); p. 117
6 A depressão de 1875, uma das
crises cíclicas daquele estágio do capitalismo, teve impacto no Brasil. O barão
de Mauá,por exemplo, o maior empreendedor da época, foi obrigado a encerrar
suas atividades. Uma descrição dos efeitos da crise mundial no Brasil se^éncontra
em Mauá, Empresário do Império,
de Jorge Caldeira (São Paulo: Companhia das Letras, 1995).
7 O padrão-ouro foi introduzido
em países ricos no final da década de 1870. O sistema pressupõe que todo o papel-moeda pode ser convertido em ouro. Em 1914, com o início da
Primeira Guerra Mundial, os países beligerantes emitiram dinheiro sem esse
lastro para fazer frente aos gastos militares. O papel-moeda, portanto, não estava mais garantido por depósitos em
ouro. Reintroduzido após o fim dos conflitos, o sistema sofreu novo abalo com
a crise de 1929. Ainda experimentou uma sobrevida antes de ter sido
definitivamente enterrado em 1971, quando os EUA desvincularam o dólar do
metal. Até hoje, porém, o ouro é importante referência cambial. Sobre esse
assunto, ver João Sayad, O Dólar,
nesta mesma série (São Paulo: Publifolha, 2001).
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