quarta-feira, 26 de abril de 2017

O MUNDO NA ÉPOCA DE SAINT-EXUPÉRY - PARTE 1


O nascer do século 20 foi como uma aurora resplandecente. O nível de expectativa era inédito. Tanto havia sido conquistado no século anterior que parecia sensato acreditar que dali em diante os êxitos do mundo em muito superariam os desastres.
O século que nascia representava uma promessa especial para os povos europeus, quer habitassem o Velho Mundo ou as longínquas terras colonizadas. Seus filhos poderiam esperar uma educação melhor do que nunca, e o trabalho de crianças de 10 anos em tempo integral, em fazendas e oficinas, já não parecia normal. A vida melhorava, a fome diminuía, as pessoas viviam mais. Os conflitos entre as principais nações da Europa pareciam se extinguir, embora tropas numerosas ainda desfilassem em feriados nacionais. Democracia e liberdade se espalhavam. No entanto, a maior parte de tais benefícios atingia apenas um quarto da população mundial e não parecia provável que chegasse à África, à Ásia ou às remotas ilhas do Pacífico.
O século se iniciava de modo promissor e ao mesmo tempo perigoso. A aurora de 1901 se anunciava esplendorosa, mas nuvens negras, em lenta caminhada, pairavam acima da luz.


A Europa dominava uma grande porção do mundo. A maior parte da frota mundial de navios mercantes ou de guerra navegava sob bandeira britânica, alemã ou francesa. O continente concentrava algumas das maiores cidades do mundo, com seus palácios e museus, suas galerias de arte e universidades. As estradas de ferro e linhas telegráficas, em sua maioria, eram construídas ou financiadas por companhias europeias. Quase todas as grandes ilhas eram províncias ou colônias da Grã-Bretanha, da Holanda, da França, de Portugal, da Espanha ou da Alemanha. Faltava pouco para a África e as ilhas do Pacífico estarem todas sob domínio europeu. Na Ásia, os únicos grandes países não colonizados pela Europa eram a China e o Japão.
O Império Britânico, o maior conhecido pelo mundo até então, ainda não havia atingido seu auge, mas já era dono de uma parcela significativa de cada continente habitado e de uma série de ilhas em cada oceano. No ano de 1900, dominava os mares, com barcos carvoeiros no Mar do Norte, navios de passageiros rumo a portos distantes e embarcações sem rotas estabelecidas, com “suas chaminés cobertas de sal”. O Império Britânico e a China tinham, cada um, aproximadamente 400 milhões de habitantes, abrigando, em conjunto, metade da população mundial.
Em evolução - portanto desordenado -, esse império contrastava com todos os anteriores. Em algumas colônias, os representantes britânicos eram extremamente poderosos, enquanto em outras não passavam de imponentes figuras decorativas. No Egito, os oficiais britânicos de maior patente tomavam as decisões, mas permitiam que altivos paxás continuassem a fumar suas cigarrilhas em suntuosos escritórios, em uma demonstração de prestígio. Por outro lado, Canadá, Austrália e Nova Zelândia dispunham de grande autonomia, e seus parlamentos representavam mais fielmente o povo do que o parlamento britânico. Em termos de política internacional, porém, não eram independentes. No entanto, a mãe dos parlamentos, às margens do Tâmisa, considerando os acontecimentos que levaram à independência das colônias americanas no século 18, de vez em quando se permitia ser desafiada ou ignorada por essas colônias, quando se tratava de questões de política externa de importância vital para elas, que cada vez mais financiavam os próprios exército e marinha, embora aceitassem a liderança britânica em caso de guerra. Em situação diametralmente oposta, estavam as colônias da África e da Ásia, que não possuíam parlamento, juízes locais ou oficiais de alta patente e dependiam em grande parte, em termos econômicos, da Grã-Bretanha.
O crescimento do Império Russo se deu de forma tão acelerada que ficou difícil diferenciar, nos mapas, a velha Rússia do novo império. O Império Russo se estendeu desde o Mar Báltico até o Oceano Pacífico. De tão vasto, em uma extremidade fazia fronteira com a Turquia e a Pérsia, enquanto na outra encontrava a divisa da Coreia. Em tamanho, somente o Império Britânico o excedia.
Um indício de quanto essa parte do Império Russo era recente: até 1860, a bandeira russa não tremulava em portos tão distantes como o de Vladivostok, no Oceano Pacífico, ou o de Batumi, no Mar Negro. Aos poucos, a ferrovia transiberiana se estendia para o leste, chegando ao Lago Baikal, na Sibéria, no início do século, e logo atingindo o Oceano Pacífico. Diante de tal abrangência, alguns observadores imaginaram que aquele seria o século russo.
A Alemanha era um império mais jovem. As terras que, em 1880, não passavam de alguns pontos no mapa transformaram-se em atraentes peças de um quebra-cabeça. Soldados, administradores, missionários e mercadores alemães haviam ocupado partes das costas oeste e leste da África, a Nova Guiné e uma série de ilhas nas cercanias. No outro lado do Oceano Pacífico, próximo à linha do Equador, estavam a Samoa alemã e a Nauru alemã, bem como outros postos avançados. Algumas colônias ficavam tão distantes que um inspetor de Berlim, ao fazer a visita anual aos escritórios de correios dos territórios alemães, usando somente os navios do serviço postal, poderia levar até oito meses para passar por todos eles. Uma vez que a Alemanha havia se tornado uma potência colonial, era necessário que formasse uma marinha de guerra - e essa poderosa força naval foi fator de instabilidade na Europa durante os primeiros anos do século.
A França era um império mais antigo, fruto de mais de trezentos anos de colonização. Depois da Grã-Bretanha, era o império mais disperso. Compreendendo a Indochina tropical e territórios remanescentes de colônias nas Américas do Norte e do Sul, o Império Francês detinha grande parte da África, incluindo uma série de províncias na costa sul do Mediterrâneo. Suas ilhas no Pacífico se estendiam desde a Nova Caledónia, uma das principais jazidas de níquel do mundo, até o exótico Taiti. Em termos de área, tinha somente a metade do tamanho do Império Russo, mas alcançava todos os grandes oceanos do mundo. Talvez não passasse de 20 o número de cidadãos franceses que já haviam visitado todas as colônias habitadas pertencentes a seu país. Tal declaração pode ser feita com boa dose de certeza, uma vez que a ilha dos baleeiros de Kerguelen jazia em total isolamento nos agitados mares do sul do Oceano Índico.
Um vasto império que muitos acreditavam estar à beira da ruína era o Otomano. Com governo sediado em Constantinopla, fazia fronteira com o Mediterrâneo, o Mar Negro, o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico. Havia séculos que ameaçava cair, e seu enfraquecimento viria a determinar a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
A China, pródiga em recursos, parecia adormecida, enquanto diplomatas e negociantes europeus a cobiçavam. A mais populosa nação do mundo corria o risco de ser alvo de negociação por parte de potências estrangeiras que pretendiam dividi-la. Derrotada pelo refeito Japão na guerra de 1894-95, permanecia intacta graças, em boa parte, a sua sorte. Em resumo, as ambiciosas nações europeias e os Estados Unidos não conseguiram chegar a um acordo sobre a anexação e o controle do território chinês. Portos chineses, como os de Xangai, Macau e Hong Kong, já estavam sob o controle da Europa, e Taiwan havia sido recentemente anexado pelo Japão.
Tais impérios europeus pareciam poderosos em 1900 e continuavam ávidos por expansão. Tudo entraria em colapso ao longo do século.



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