sábado, 29 de abril de 2017

O BRASIL NA ÉPOCA DE SAINT-EXUPÉRY - PARTE 2


A recessão foi a conta apresentada à sociedade pelos excessos financeiros dos primeiros anos da República.

A estréia do regime, em 1889, fora marcada por uma formidável atividade especuladora. De olho no lucro fácil dos negócios, que, acreditava-se, deslanchariam com os novos tempos, a elite se comportava como se estivesse num cassino ou no Jockey Club, apostando em corrida de cavalo. Não é à toa que o período ficou conhecido como Encilhamento, expressão oriunda do turfe que designa o momento anterior à largada, justamente quando as apostas se multiplicam.

O mercado de ações operava em plena rua, no centro do Rio de Janeiro, a capital. A improvisação na Bolsa de Valores fazia parecer mais frenética a atuação dos especuladores. Eles anotavam os preços nos punhos das camisas e, enquanto gritavam suas propostas, mal se davam conta de que impediam a passagem dos bondes, na descrição do visconde de Taunay, que escreveu um romance sobre o Encilhamento.8

A febre especulativa foi conseqüência de um plano de rápida industrialização de autoria de Rui Barbosa (1849-1923), ministro da Fazenda do marechal Deodoro da Fonseca, o proclamador da República. Rui Barbosa não partiu do nada. Na realidade, continuou uma reforma bancária liberal deixada pelo último gabinete do Império, radicalizando a experiência.

A idéia central de Rui Barbosa consistia em estimular a diversificação da economia, então concentrada no setor cafeeiro. Só com o desenvolvimento acelerado, raciocinava o ministro, seria possível absorver a mão-de-obra escrava liberada pela Lei Áurea, de 1888. Para tanto, era preciso facilitar o surgimento de novas empresas, o que exigia crédito. Essa necessidade levou o governo a aprovar uma lei que estabelecia que as notas emitidas pelos bancos privados fossem aceitas como moeda.9

Qualquer banco, independentemente da solidez, emitia títulos. “Quase diariamente”, escreve o visconde deTaunay,“se viam na circulação monetária notas de todos os tipos, algumas novinhas, faceiras, artísticas, com figuras de bonitas mulheres e símbolos elegantes, outras sarapintadas às pressas, emplastradas de largos e nojentos borrões.” A ficção é fiel aos fatos.

Com esse dinheiro em caixa, os bancos de emissão — como eram chamados — concediam empréstimos, financiando a arrancada da economia. O crédito fácil gerou euforia. Sem regulamentação apropriada, no entanto, os abusos foram constantes. A forte demanda por ações fazia com que até papéis de empresas-fantasmas fossem vendidos com ágio. A espiral de preços no mercado acionário, no entanto, logo se mostraria insustentável. No início de 1891, pouco mais de um ano após ter tomado posse, Rui Barbosa renunciou. A bolha especulativa havia estourado.

A política desenvolvimentista teve custo elevado. O excesso de liquidez provocou inflação, e a liberalidade nos empréstimos resultou em dívidas incobráveis, ameaçando o sistema financeiro nacional. Foi nesse contexto que uma contra-reforma gerou a recessão.



7 O padrão-ouro foi introduzido em países ricos no final da década de 1870. O sistema pressupõe que todo o papel-moeda pode ser convertido em ouro. Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, os países beligerantes emitiram dinheiro sem esse lastro para fazer frente aos gastos militares. O papel-moeda, portanto, não estava mais garantido por depósitos em ouro. Reintroduzido após o fim dos conflitos, o sistema sofreu novo abalo com a crise de 1929. Ainda experimentou uma sobrevida antes de ter sido definitivamente enterrado em 1971, quando os EUA desvincularam o dólar do metal. Até hoje, porém, o ouro é importante referência cambial. Sobre esse assunto, ver João Sayad, O Dólar, nesta mesma série (São Paulo: Publifolha, 2001).

9  Uma rara análise com viés favorável às reformas de Rui Barbosa é apresentada em História Monetária do Brasil, de Carlos Manuel Peláez e Wilson Suzigan (Brasília: Ed. da UnB, 1981); p. 137-44.




Nenhum comentário:

Postar um comentário