A
recessão foi a conta apresentada à sociedade pelos excessos financeiros dos
primeiros anos da República.
A
estréia do regime, em 1889, fora marcada por uma formidável atividade especuladora.
De olho no lucro fácil dos negócios, que, acreditava-se, deslanchariam com os
novos tempos, a elite se comportava como se estivesse num cassino ou no Jockey
Club, apostando em corrida de cavalo. Não é à toa que o período ficou conhecido
como Encilhamento, expressão oriunda do turfe que designa o momento anterior à
largada, justamente quando as apostas se multiplicam.
O
mercado de ações operava em plena rua, no centro do Rio de Janeiro, a capital.
A improvisação na Bolsa de Valores fazia parecer mais frenética a atuação dos
especuladores. Eles anotavam os preços nos punhos das camisas e, enquanto gritavam
suas propostas, mal se davam conta de que impediam a passagem dos bondes, na
descrição do visconde de Taunay, que escreveu um romance sobre o Encilhamento.8
A
febre especulativa foi conseqüência de um plano de rápida industrialização de
autoria de Rui Barbosa (1849-1923), ministro da Fazenda do marechal Deodoro da
Fonseca, o proclamador da República. Rui Barbosa não partiu do nada. Na
realidade, continuou uma reforma bancária liberal deixada pelo último gabinete
do Império, radicalizando a experiência.
A
idéia central de Rui Barbosa consistia em estimular a diversificação da
economia, então concentrada no setor cafeeiro. Só com o desenvolvimento
acelerado, raciocinava o ministro, seria possível absorver a mão-de-obra
escrava liberada pela Lei Áurea, de 1888. Para tanto, era preciso facilitar o
surgimento de novas empresas, o que exigia crédito. Essa necessidade levou o
governo a aprovar uma lei que estabelecia que as notas emitidas pelos bancos
privados fossem aceitas como moeda.9
Qualquer
banco, independentemente da solidez, emitia títulos. “Quase diariamente”,
escreve o visconde deTaunay,“se viam na circulação monetária notas de todos os
tipos, algumas novinhas, faceiras, artísticas, com figuras de bonitas mulheres
e símbolos elegantes, outras sarapintadas às pressas, emplastradas de largos e
nojentos borrões.” A ficção é fiel aos fatos.
Com
esse dinheiro em caixa, os bancos de emissão — como eram chamados — concediam
empréstimos, financiando a arrancada da economia. O crédito fácil gerou
euforia. Sem regulamentação apropriada, no entanto, os abusos foram constantes.
A forte demanda por ações fazia com que até papéis de empresas-fantasmas fossem
vendidos com ágio. A espiral de preços no mercado acionário, no entanto, logo
se mostraria insustentável. No início de 1891, pouco mais de um ano após ter
tomado posse, Rui Barbosa renunciou. A bolha especulativa havia estourado.
A
política desenvolvimentista teve custo elevado. O excesso de liquidez provocou
inflação, e a liberalidade nos empréstimos resultou em dívidas incobráveis,
ameaçando o sistema financeiro nacional. Foi nesse contexto que uma
contra-reforma gerou a recessão.
7 O padrão-ouro foi introduzido em
países ricos no final da década de 1870. O sistema pressupõe que todo o papel-moeda
pode ser convertido em ouro. Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial,
os países beligerantes emitiram dinheiro sem esse lastro para fazer frente aos
gastos militares. O papel-moeda, portanto, não estava mais garantido por
depósitos em ouro. Reintroduzido após o fim dos conflitos, o sistema sofreu
novo abalo com a crise de 1929. Ainda experimentou uma sobrevida antes de ter
sido definitivamente enterrado em 1971, quando os EUA desvincularam o dólar do
metal. Até hoje, porém, o ouro é importante referência cambial. Sobre esse
assunto, ver João Sayad, O Dólar, nesta mesma série (São Paulo: Publifolha,
2001).
9 Uma rara análise com viés favorável às reformas de Rui Barbosa é
apresentada em História Monetária do Brasil, de Carlos Manuel Peláez e Wilson
Suzigan (Brasília: Ed. da UnB, 1981); p. 137-44.
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