quinta-feira, 3 de agosto de 2017

O PEQUENO PRÍNCIPE - 17


             XVI

                    Então, a sétima parada foi a Terra...

            A Terra não é somente mais um planeta ordinário! Lá podemos contar 111 reis (não esquecendo, claro, dos reis africanos), 7 mil geógrafos, 900 mil homens de negócios, 7 milhões e 500 mil embriagados e 311 milhões de pessoas vaidosas - ou seja, muita gente. O número de pessoas grandes morando por lá chega a casa dos 2 bilhões [nota do tradutor: lembrem-se de que este livro foi escrito na primeira metade do século 20]...

            Para lhes dar uma ideia do tamanho da Terra, devo dizer que antes da invenção da eletricidade era necessário manter, ao longo de todos os seis continentes, um verdadeiro exército de 462.511 acendedores de lamparinas para os postes de luz nas ruas.

            Visto de alguma distância, isto dava um grande espetáculo. Os movimentos desse exército seguiam um ritmo específico, como um balé de ópera:

            Primeiro era a vez dos cuidadores da Austrália e da Nova Zelândia acenderem os seus postes, e então podiam ir dormir. A seguir, os acendedores da China e da Sibéria entravam em cena para dar os seus passos na dança, e então eles também retomavam aos bastidores.

            Depois chegava a vez dos acendedores de lamparinas da Rússia e da índia; então aqueles da África e da Europa; logo após aqueles da América do Sul; quase ao mesmo tempo, os da América do Norte.

             E, dessa forma, eles nunca erravam a sua hora de entrar no palco. Era de fato um espetáculo magnífico!

            Já quanto ao sujeito cuidando do único poste de luz do Polo Norte, assim como o seu colega, responsável pela única lamparina do Polo Sul, somente os dois viviam uma vida livre do cuidado diário com suas lamparinas: eles só precisavam trabalhar duas vezes ao ano.





             XVII

            Quando queremos fazer graça, às vezes acabamos nos desviando um pouco da verdade. Eu não tenho sido completamente honesto sobre o que lhes disse acerca dos acendedores de lamparinas, e compreendo que corro o risco de dar uma falsa ideia de nosso planeta aqueles que não o conhecem.

            Na verdade, os homens ocupam um espaço bem pequeno sobre a Terra. Acaso as duas bilhões de pessoas que habitam a sua superfície estivessem todas de pé e próximas umas das outras, como por vezes fazem quando vão a algum grande evento, elas caberiam facilmente numa única praça pública com trinta quilômetros de comprimento por trinta de largura. De fato, poderíamos espremer toda a humanidade numa ilhazinha do Pacífico, se fosse o caso.

            As pessoas grandes, obviamente, jamais acreditarão em você se lhes contar isso. Elas imaginam ocupar um espaço bem extenso de terra. Elas se julgam tão importantes quanto os baobás. No caso de duvidarem de você, portanto, aconselhe-as a fazer os seus próprios cálculos. Elas adoram fazer cálculos, então ficarão bem contentes com isso.

            Mas não percam o seu tempo com esse trabalhinho extra. E totalmente desnecessário, já que, como bem sei, vocês confiam em mim.

            Quando o pequeno príncipe chegou a Terra, ficou um tanto surpreso por não encontrar pessoa alguma nas redondezas. Ele já estava começando a temer ter vindo ao planeta errado, quando algo meio dourado, com um pouco da cor da lua, serpenteou pela areia.

            "Boa noite”, disse, cordialmente, o pequeno príncipe.

            "Boa noite”, respondeu a serpente.

            “Que planeta é este em que desci?”

            "Aqui é a Terra; e estamos na África."

            "Ah! Então não existem pessoas na Terra?”

            “Estamos no meio do deserto, não há pessoas por aqui. Mas a Terra é bastante larga”, explicou a serpente.

            O viajante pequenino se sentou sobre uma pedra, e elevou o olhar em direção ao céu:

            “Por vezes imagino se as estrelas não são acesas no céu para que cada um de nós um dia possa encontrar a sua própria estrela novamente... Veja ali o meu planetinha. Está logo acima da gente, mas quão, quão distante!”

            "É muito bonito... Mas, o que lhe trouxe até tão longe de lá?”

            "Eu venho tendo alguns problemas com uma flor”, explicou o pequeno príncipe.

            "Ah!", disse a serpente.

            E então, ambos ficaram em silêncio...



             “Onde estão as outras pessoas?”, o pequeno príncipe finalmente retomou a conversa. "Estamos meio sós aqui no deserto...”

            “Também há solidão entre as pessoas”, disse a serpente.

            O pequeno príncipe a encarou por um longo tempo...

            “Você é um animal engraçado”, disse ele. "É fina como um dedo...”

            “Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei.”

            O pequeno príncipe sorriu.

            “Você não é assim tão poderosa. Sequer tem pés, não pode nem viajar...”

            “Eu posso lhe carregar mais longe do que qualquer navio.”

            E, tendo dito isso, se enrolou toda no tornozelo do pequeno príncipe, como um bracelete dourado:

            “Quem quer que eu toque, mando de volta para a terra de onde veio”, disse a serpente. "Mas você, você é puro e verdadeiro. E, ademais, você veio de uma estrela...”

            O pequeno príncipe não respondeu.

            “Você me dá certa pena. É tão frágil para esta Terra feita de granito... Um dia, posso lhe ajudar. Se por acaso tiver muita saudade do seu planetinha, eu poderia..."

            "Oh! Mas eu a compreendo muito bem", disse o pequeno príncipe. "Mas por que você sempre fala através de enigmas?"

            “Eu resolvo todos eles", disse a serpente.

            E então, ambos ficaram em silêncio...





             XVIII

            O pequeno príncipe atravessou o deserto e encontrou apenas uma única flor. Era uma flor com três pétalas, a toa em meio a vastidão de areia...



             "Bom dia", disse o pequeno príncipe.

            "Bom dia", disse a flor.

            “Onde estão as pessoas?", perguntou com educação.

            Aquela flor tinha visto um dia a passagem de uma caravana:

            "Pessoas? Bem, eu acredito que existam umas seis ou sete delas... Eu as vi, mas isso foi há muitos anos atrás. No entanto, nunca se sabe onde poderemos encontrá-las. Afinal, o vento as sopra para longe, pois elas não têm raízes - isto toma a sua vida um tanto complicada.”

            “Adeus", disse o pequeno príncipe.

            "Adeus", disse a flor.





             XIX

            Depois daquele encontro, o pequeno príncipe decidiu escalar uma grande montanha. As únicas montanhas que havia conhecido até então eram os seus três vulcões, que mal batiam na altura dos seus joelhos. O vulcão inativo era tão pequenino que ele por vezes o usava de banquinho.

            "De uma montanha tão alta como essa", pensava consigo mesmo, "eu certamente poderei ver todo o planeta e todas as pessoas de uma só vez...”



             Mas não conseguiu ver quase nada, exceto alguns picos rochosos que mais pareciam agulhas afiadas.

            "Bom dia", disse, na esperança de haver alguém pelas redondezas.

            "Bom dia... Bom dia... Bom dia...” respondeu o eco.

            "Quem é você?"

            "Quem é você... Quem é você... Quem é você?", respondeu o eco.

            “Seja meu amigo, eu estou só...”

            "Eu estou só... Eu estou só... Eu estou só...", respondeu o eco.

            "Que planeta estranho!", pensou. "É todo seco, pontiagudo, áspero e ameaçador. E aqui as pessoas não têm imaginação, apenas repetem o que quer que digamos a elas... Em meu planetinha eu tinha uma flor; ela era sempre a primeira a falar...”





             XX

            Mas ocorreu que, após caminhar um longo tempo através de areia, pedras e neve, o pequeno príncipe finalmente acabou chegando a uma estrada. E, como sabemos, todas as estradas levam até onde as pessoas moram.

            "Bom dia", ele disse.

            Estava em frente a um jardim cheio de rosas:

            “Bom dia”, disseram as rosas.

            O viajante pequenino as contemplou intrigado - todas elas se pareciam com a sua flor.



             "Quem são vocês?”, ele exigiu explicações.

            "Nós somos as rosas”, disseram elas.

            E então ele foi inundado de tristeza. Afinal, a sua flor havia lhe dito que ela era a única da sua espécie em todo o universo... Mas lá estavam cinco mil delas, iguaizinhas, num único jardim!

            “Ela ficaria um tanto chateada”, disse para si mesmo, "se visse tal jardim... Sem dúvida iria tossir terrivelmente, e fingir que está morrendo, para evitar o ridículo. E eu seria obrigado a fingir cuidar dela, para que retomasse a vida - pois se eu não fingisse, era bem capaz de que ela se deixasse levar pela morte...”

            E assim, ele prosseguiu com suas reflexões: "Eu pensei que era rico, com uma flor que era única em todo o mundo; e tudo o que tinha era uma rosa comum. Uma rosa comum, e três vulcões que mal chegavam à altura dos meus joelhos - e um deles talvez inativo para sempre... Isso não faz de mim um príncipe tão grandioso...”

            Então, ele se deitou na relva e chorou.


           


            

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