quarta-feira, 22 de março de 2017

e. e. cummings, o poeta genial que nunca usou letras maiúsculas


nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto


teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa


ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;


nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira


(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas



Tradução de Augusto de Campos


Edward Estlin Cummings, usualmente abreviado como e. e. cummings, em minúsculas, como o poeta assinava e publicava,(CambridgeMassachusetts14 de outubro de 1894 — North ConwayNova Hampshire3 de setembro de 1962) foi poetapintorensaísta e dramaturgo norte-americano. Tendo sido, principalmente, poeta, é considerado por Augusto de Campos um dos principais inovadores da linguagem da poesia e da literatura no século XX.
A poesia de vanguarda, a rejeição e a reabilitação
Cummings é conhecido do grande público pelo estilo não usual utilizado na maior parte de seus poemas, que incluem o uso não ortodoxo tanto das letras maiúsculas e minúsculas quanto da pontuação, com as quais, inesperadamente, de forma aparentemente errônea, para o leitor desavisado a ponto de não compreender a essência da própria linguagem verbal tal como captada pelo poeta, é capaz de interromper uma frase, ou mesmo palavras individualmente; explora fonemas individuais para chegar ao "microritmo". Desta forma, alguém poderia criticar o poeta como um "poeta para poetas", ou seja, um poeta que exige a leitura de um especialista. Após alguns esforços, porém, seus poemas mais inusuais são de leitura bastante simples e fluente. Muitos de seus poemas possuem, também, uma distribuição tipográfica não-linear. Através desta distribuição não-usual, aliada aos recursos anteriormente citados, é possível perceber de que forma a linguagem verbal se forma a partir do nosso inconsciente, resultando, porém, em um texto altamente objetivo, ao mesmo tempo que expressivo.
O primeiro livro de cummings é publicado em 1923, quando o Surrealismo começa a delinear-se como a vanguarda predominante. Preocupados basicamente em desenvolver uma revolução do conteúdo, os surrealistas se afastam da revolução estrutural das primeiras décadas do século XX. Cummings, no entanto, segue em outra direção, aprofundando o legado destas últimas de forma mais "construtivista", tal como o fizeram o cubismo e Kurt Schwitters.
Ainda assim, nos anos seguintes cummings teve muita dificuldade em atingir publicação de seus poemas, sofrendo os seus poemas mais inovadores muita rejeição nos EUA, mesmo de críticos que o admiravam em parte, como T.S. Eliot. A partir da década de 1950 começa, de forma gradual, a reabilitação do poeta, tendo, possivelmente, sido influenciada pela movimento da poesia concreta, que obteve grande repercussão mundial e o citava como um dos seus precursores.
Apesar da afinidade de cummings com as antigas vanguardas "positivas" do início do século XX e de sua tipografia não usual, parte de seu trabalho é mais tradicional, em verso livre ou poesia em prosa, apresentando, inclusive, poemas em formato de soneto. Seus poemas com frequência tem como pano de fundo o amor e a natureza. Muitos exploram como tema, de forma irônica, o relacionamento do indivíduo com as massas e com o mundo, a crítica aos sistemas político e econômico ocidentais, o conservadorismo (principalmente político) e ao progresso meramente tecnológico.
Durante sua vida ele publicou mais de 900 poemas, dois romances, diversos ensaios e também inúmeros desenhos, sketches e pinturas. É lembrado como uma das vozes mais importantes da literatura do século XX.

Entre outros elogios, Ezra Pound disse que não houve na história nenhum tradutor melhor de Catulo para o inglês, o que necessitaria, naturalmente, grande habilidade poética.

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