nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
Tradução de Augusto de Campos
Edward Estlin Cummings, usualmente abreviado como e. e. cummings,
em minúsculas, como o poeta assinava e publicava,(Cambridge, Massachusetts, 14 de outubro de 1894 — North Conway, Nova
Hampshire, 3 de setembro de 1962) foi poeta, pintor, ensaísta e dramaturgo norte-americano.
Tendo sido, principalmente, poeta, é considerado por Augusto de
Campos um dos principais inovadores da linguagem da poesia e da
literatura no século XX.
A poesia de vanguarda, a rejeição e a reabilitação
Cummings é conhecido do grande público pelo estilo não
usual utilizado na maior parte de seus poemas, que incluem o uso não ortodoxo
tanto das letras maiúsculas e minúsculas quanto da pontuação, com as quais,
inesperadamente, de forma aparentemente errônea, para o leitor desavisado a
ponto de não compreender a essência da própria linguagem verbal tal como
captada pelo poeta, é capaz de interromper uma frase, ou mesmo palavras
individualmente; explora fonemas individuais para chegar ao
"microritmo". Desta forma, alguém poderia criticar o poeta como um
"poeta para poetas", ou seja, um poeta que exige a leitura de um
especialista. Após alguns esforços, porém, seus poemas mais inusuais são de
leitura bastante simples e fluente. Muitos de seus poemas possuem, também, uma
distribuição tipográfica não-linear. Através desta distribuição não-usual,
aliada aos recursos anteriormente citados, é possível perceber de que forma a
linguagem verbal se forma a partir do nosso inconsciente, resultando, porém, em
um texto altamente objetivo, ao mesmo tempo que expressivo.
O primeiro livro de cummings é publicado em 1923, quando
o Surrealismo começa
a delinear-se como a vanguarda predominante. Preocupados basicamente em
desenvolver uma revolução do conteúdo, os surrealistas se afastam da revolução
estrutural das primeiras décadas do século XX. Cummings, no entanto, segue em
outra direção, aprofundando o legado destas últimas de forma mais
"construtivista", tal como o fizeram o cubismo e Kurt
Schwitters.
Ainda assim, nos anos seguintes cummings teve muita
dificuldade em atingir publicação de seus poemas, sofrendo os seus poemas mais
inovadores muita rejeição nos EUA, mesmo de críticos que o admiravam em parte,
como T.S. Eliot.
A partir da década de 1950 começa, de forma gradual, a reabilitação do poeta,
tendo, possivelmente, sido influenciada pela movimento da poesia
concreta, que obteve grande repercussão mundial e o citava como um
dos seus precursores.
Apesar da afinidade de cummings com as antigas vanguardas "positivas"
do início do século XX e de sua tipografia não usual, parte de seu trabalho é
mais tradicional, em verso livre ou poesia em prosa, apresentando, inclusive,
poemas em formato de soneto. Seus poemas com frequência tem como pano de fundo o amor e a natureza.
Muitos exploram como tema, de forma irônica, o relacionamento do indivíduo com
as massas e com o mundo, a crítica aos sistemas político e econômico
ocidentais, o conservadorismo (principalmente político) e ao progresso
meramente tecnológico.
Durante sua vida ele publicou mais de 900 poemas, dois
romances, diversos ensaios e também inúmeros desenhos, sketches e pinturas. É
lembrado como uma das vozes mais importantes da literatura do século XX.
Entre outros elogios, Ezra Pound disse que não houve na
história nenhum tradutor melhor de Catulo para
o inglês, o que necessitaria, naturalmente, grande habilidade poética.
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