A lição mais importante que
Saint-Exupéry aprendeu entre os 12 e os 14 anos, quando estudou em Le Mans foi sem dúvida o conforto da camaradagem nos
momentos de adversidade. Ao mesmo tempo, teve de aceitar seu quinhão de
importunações, especialmente sob a forma de apelidos. Em casa, era chamado de
Tonio. Em Le Mans, foi ridicularizado com dois apelidos que o contrariaram a
vida inteira. O primeiro, Tatane, deve-se aos pés grandes, que seriam fonte
perpétua de chacota, chegando a ser a recordação mais notável de uma mocinha de
16 anos com a qual Saint-Exupéry dançou na véspera de sua morte, em 1944. Logo
depois, Tatane seria substituído pelo apelido ainda mais irritante de Pique la
Lune, atraindo a atenção para seu nariz arrebitado e seu ar distraído.
No âmbito acadêmico, seu interesse por matemática e geografia, matérias
em que sempre teve dificuldade, só foi despertado quando pôde aplicá- las como
aviador ou inventor. Ao entrar na vida adulta, o desgosto que sentia pela
matemática em Le Mans foi substituído pela paixão pela geometria.
O único campo no qual se destacou constantemente foi a expressão escrita, que
lhe servia como avaliação pessoal e refúgio em períodos de angústia. As
melhores notas obtidas por Antoine foram em narração, a atual dissertação, em um período que coincidiu com sua indisciplina e impertinência.
Auguste Launay além de latim, ensinava grego e religião, matérias contra
as quais Antoine se insurgirá violentamente com 14 anos. Mas a prova de seu
fascínio pelo francês aparece em duas redações que o abade utilizou em classe
como modelos de narração até sua partida de Le Mans, no início da Segunda
Guerra Mundial. A mais conhecida é “A Odisséia do Chapéu”, que relata o
declínio de uma cartola, que termina como o chapéu do cacique de uma longínqua
tribo africana. A redação rendeu a Antoine uma excepcional recompensa quando da
entrega dos prêmios de fim de ano.
Durante as férias de verão anteriores à redação de “A Odisséia...”,
Antoine confiara a Simone que simpatizava com o movimento monarquista
anti-semita. Contara-lhe também que fundaria uma sociedade secreta monarquista
da qual seria o presidente, e que esta editaria um folheto de propaganda. No
trimestre seguinte, seus colegas de classe produziram um jornal intitulado Écho
du Troisième, no qual o humor ofuscava um pouco a ambição política. Ao circular
de mão em mão, provocou tal hilaridade que atraiu a atenção de um dos padres, o
qual o confiscou e rasgou. Assim, é impossível saber se o Écho du Troisième propagava
as idéias da Action Française.
O trecho anti-semita de sua redação infantil é menos interessante como
testemunho de um julgamento pouco prudente e mais uma prova notável de como,
mais tarde, Antoine se afastaria da influência perniciosa recebida em Le Mans.
Ninguém pode acusar Saint-Exupéry de ter sido anti-semita quando adulto. Sua
tolerância ia bem além de uma relação fácil com os judeus, e em Cidadela
escreveu uma parábola bastante enérgica em defesa das minorias
perseguidas, numa época em
que Vichy já instaurara a caça aos judeus.
De seu período em Le Mans conservaria algumas lições, como o valor da amizade e
a capacidade de sofrer sem se queixar. Outras, tais como a imagem cristã de
Deus e as dos dogmas católicos, mo- dificaram-se progressivamente ou foram
rejeitadas em contato com as realidades da vida. A intolerância religiosa,
social ou racial transmitida pelos padres no colégio desapareceu quando ele se
convenceu de que a humanidade tendia a uma causa comum, que transcendia as
divisões e as verdades supostamente absolutas.
Ao mesmo tempo em que anunciava a criação de sua sociedade secreta em 1912,
Antoine confiou ao irmão e às irmãs, após regressar a Saint-Maurice-de-Rémens,
que algum dia poderia vir a ser padre. Porém, nenhuma dessas duas confidências
lhe valeu o sensacional sucesso provocado pelo seu novo companheiro, um rato
branco. Segundo Paul Gaultier, seu colega, esse rato era o único remanescente
de um casal que lhe fora presenteado pela tia Anais de Saint-Exupéry. Como os
ratos supostamente tinham pertencido à duquesa de Vendôme, talvez tivessem
fortificado as opiniões monarquistas de Antoine, que escrevia nos cadernos de
autógrafos dos colegas: “Pelo meu Deus, meu Rei e minha Dama”.
O rato ficara numa gaiola perto dos coelhos domesticados das crianças, mas de
manhã a gaiola estava aberta, e o rato desaparecera. É provável que tia
Gabrielle tenha ordenado aos empregados que se livrassem do rato, mas essa
suspeita nunca pôde ser comprovada.
Alguns dias mais tarde, o desaparecimento do rato foi relegado a segundo plano
pelo acontecimento mais importante da vida de Antoine após a morte do pai. Foi
aí, em seu primeiro vôo sobre um campo de aviação próximo ao castelo, que
nasceu sua paixão pela aviação, primeira etapa de um percurso que terminará com
sua morte violenta e solitária.
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