sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A presença de meu pai

E a morte de meu pai. De meu pai realizado e transformado em pedra. Dizem que os cabelos do assassino embranqueceram ao ver que o seu punhal, em vez de esvaziar aquele corpo mortal, o enchia de tamanha majestade. O homicida, escondido na câmara real, face a face, não com sua vítima, mas com o granito gigantesco de um sarcófago, aprisionado na armadilha de um silêncio cuja causa era ele próprio, foi encontrado de madrugada reduzido à angústia pela imobilidade do morto.
                Assim meu pai, que um regicida instalou de imediato na eternidade, mal deteve o alento, suspendeu a respiração dos outros durante três dias. E o resultado foi que as línguas não se desataram, nem os ombros deixaram de ficar abatidos a não ser quando o descemos à terra. Mas ele foi tão importante, ele que não governou, mas criou e fundou sua marca, que nós achamos, quando o descemos à vala, ao longo de cordas que rangiam, não sepultar um cadáver, mas sim armazenar provisões. Pesava, suspenso no ar, como se fosse a primeira pedra de um templo. E nem se pode dizer que o tenhamos enterrado. Nós não o enterramos, O que fizemos foi cravá-lo na terra, tornado finalmente aquilo que é: uma fundação.

                Foi ele que me ensinou a morte e me obrigou, quando eu era jovem, a olhar para ela cara a cara, porque ele nunca abaixava os olhos. Meu pai tinha o sangue das águias.


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