E a
morte de meu pai. De meu pai realizado e transformado em pedra. Dizem que os
cabelos do assassino embranqueceram ao ver que o seu punhal, em vez de esvaziar
aquele corpo mortal, o enchia de tamanha majestade. O homicida, escondido na
câmara real, face a face, não com sua vítima, mas com o granito gigantesco de
um sarcófago, aprisionado na armadilha de um silêncio cuja causa era ele
próprio, foi encontrado de madrugada reduzido à angústia pela imobilidade do
morto.
Assim meu pai, que um regicida
instalou de imediato na eternidade, mal deteve o alento, suspendeu a respiração
dos outros durante três dias. E o resultado foi que as línguas não se
desataram, nem os ombros deixaram de ficar abatidos a não ser quando o descemos
à terra. Mas ele foi tão importante, ele que não governou, mas criou e fundou
sua marca, que nós achamos, quando o descemos à vala, ao longo de cordas que
rangiam, não sepultar um cadáver, mas sim armazenar provisões. Pesava, suspenso
no ar, como se fosse a primeira pedra de um templo. E nem se pode dizer que o
tenhamos enterrado. Nós não o enterramos, O que fizemos foi cravá-lo na terra,
tornado finalmente aquilo que é: uma fundação.
Foi ele que me ensinou a morte e
me obrigou, quando eu era jovem, a olhar para ela cara a cara, porque ele nunca
abaixava os olhos. Meu pai tinha o sangue das águias.
Trecho de hoje do livro "Cidadela" de Antoine de Saint-Exupéry. Você pode colaborar para o financiamento da edição em papel, mesmo que seja com um valor simbólico.
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