quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Cidadela! Te construí, portanto, como um navio

Porque sou o chefe. E escrevo as leis e estabeleço as festas e ordeno os sacrifícios e, dos seus carneiros, suas cabras, suas moradas, suas montanhas, extraio essa civilização semelhante ao palácio de meu pai, onde todos os passos têm um sentido.

Porque sem mim, que teriam eles feito do montão de pedras, a levá-las da direita para a esquerda, a não ser outro montão de pedras menos bem organizado ainda? Eu governo e escolho. E sou o único a governar. E eles podem rezar no silêncio e na sombra que devem às minhas pedras. Minhas pedras ordenadas segundo a imagem de minha alma.


Eu sou o chefe. Sou o senhor. Sou o responsável. E solicito a ajuda deles. Já compreendi que chefe não é aquele que salva os outros, mas sim aquele que lhes pede que o salvem. Porque é graças a mim, à imagem que carrego, que se funde a unidade que extraí, sozinho, dos meus carneiros, das minhas cabras, das minhas moradas, das minhas montanhas, e os vejo apaixonados por elas, como por uma jovem divindade que abrisse os braços macios ao sol e que não tivessem a princípio reconhecido. Eis que amam a casa que inventei segundo o meu desejo. E, através dela, amam a mim, o arquiteto. Como quem ama uma estátua não ama a argila, nem o tijolo, nem o bronze, mas sim a ação do escultor. E vinculo às suas casas os homens do meu povo, para que cada um deles saiba reconhecer a sua. E só a reconhecerão depois de a terem alimentado com o seu sangue. E adornado com os seus sacrifícios. Ela exigirá deles até o sangue, até seu corpo, porque será seu próprio significado. E não poderão deixar de reconhecê-la, essa estrutura divina em forma de imagem. E sentirão por ela o amor. E suas noites hão de ser calorosas. E os pais, quando seus filhos abrirem os olhos e os ouvidos, irão se ocupar primeiramente de a fazer descobrir, para que ela não venha a se afogar na confusão das coisas.


E, por ter construído a minha morada bastante ampla para dar um sentido até às estrelas, se eles se aventurarem à noite no seu limiar e levantarem a cabeça, darão graças a Deus por guiar tão bem esses navios. E, se a construí bastante duradoura para conter a vida na sua duração, eles então irão de festa em festa e de vestíbulo em vestíbulo, sabendo para onde vão, e descobrindo, através da diversidade da vida, o rosto de Deus.


Cidadela! Te construí, portanto, como um navio. Eu te preguei, te aparelhei, e depois te soltei no tempo que não é mais do que um vento favorável.
Navio dos homens, sem o qual eles perderiam a eternidade.


Conheço bem, as ameaças que pesam sobre o meu navio. Sempre atormentado pelo mar escuro do exterior. E pelas outras imagens possíveis. Porque sempre é possível derrubar o templo, e levar as pedras para um outro templo. E o outro não é nem mais verdadeiro, nem mais falso, nem mais justo, nem mais injusto. E ninguém perceberá o fracasso, porque a qualidade do silêncio não está inscrita no monte de pedras.


É por isso que quero que eles escorem solidamente as vigas mestras do navio. Para os salvar de geração em geração, pois nunca conseguirei embelezar um templo se o recomeço a cada instante.


Trecho de hoje do livro "Cidadela" de Antoine de Saint-Exupéry. Junte-se a mais de 65 apoiadores que já levantaram mais de 4.000 Reais, e contribua hoje para o financiamento da edição em papel. Mesmo que seja um valor simbólico.
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terça-feira, 29 de novembro de 2016

Por isso é meu desejo que eles armem solidamente as vigas-mestras do navio

Por isso é meu desejo que eles armem solidamente as vigas-mestras do navio. Construção de homens. Pois em volta do navio, o que há é a natureza insensível, caótica ainda e poderosa. Corre o risco de abusar do repouso aquele que esquece o poder do mar.

Eles julgam absoluta em si própria a morada que lhes foi dada. A evidência se torna mais clara quando é demonstrada. Quando se vive no navio, deixa-se de ver o mar. Ou, quando se avista o mar, este é apenas um ornamento do navio. Tal é o poder do espírito. O mar lhe parece feito para aguentar o navio.

Mas ele se engana. Um escultor, através da pedra, lhe mostrou um rosto. Mas outro teria mostrado outro rosto. E já pudeste ver isso nas constelações: Aquela lá é um cisne. Mas outro poderia te ter mostrado uma mulher deitada. Chega tarde demais. Não fugiremos jamais do cisne. O cisne inventado se apoderou de nós.

Mas se, por engano, o consideramos absoluto, descuidamos de protegê-lo. Sei bem por onde me ameaça o insensato. E o malabarista. Aquele que modela rostos com a destreza dos seus dedos. Os que assistem à exibição perdem o sentido do que é sua propriedade. Por isso o mando prender e esquartejar. Mas claro que não é por causa de meus juristas me dizerem que ele está errado. Ele não está errado. Mas também não está certo, e além disso lhe recuso o direito de se achar mais inteligente, mais justo do que os meus juristas. Porque propõe também como absolutas suas novas figuras efêmeras e brilhantes, nascidas de suas mãos, mas às quais faltam o peso, o tempo, a cadeia antiga das religiões. Sua estrutura ainda não se formou. A minha, já. E é por isso que condeno o malabarista e salvo assim o meu povo de apodrecer.

Porque aquele que deixa de prestar atenção e ignora que mora num navio já está antecipadamente como desmantelado e em breve há de ver o mar rebentar e a vaga lavar seus jogos imbecis.

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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Destruir a casa para a conhecer

Morada dos homens, quem seria capaz de te fundar sobre o raciocínio? Quem seria capaz, segundo a lógica, de te erguer? Tu existes e não existes. Tu és e não és. És feita de materiais diversos, mas é preciso te inventar para te descobrir. Como aquele que destruiu sua casa com a pretensão de a conhecer, não possui nada além de um monte de pedras, de tijolos e de telhas, não encontra nem a sombra nem o silêncio nem a intimidade que elas serviam e não sabe que utilidade esperar desse monte de pedras, de tijolos e de telhas, pois lhes falta a invenção que as domina, a alma e o coração do arquiteto. Pois falta à pedra a alma e o coração do homem.

 Mas como só há raciocínios do tijolo, da pedra e da telha, e não da alma e do coração que os dominam e os transformam através do seu poder em silêncio, como a alma e a coração fogem às regras da lógica e às leis dos números, já que é assim, então apareço com meu arbítrio. Eu, o arquiteto. Eu, que possuo uma alma e um coração. Eu, o único que tenho o poder de mudar a pedra em silêncio. Venho e petrifico essa massa que não passa de matéria, segundo a imagem criadora que me vem só de Deus e desconhece os caminhos da lógica. Construo a minha civilização, arrebatado só pelo gosto que ela me dará, como outros constroem os seus poemas e alteram a frase e transfiguram a palavra, sem serem obrigados a justificar nem a frase nem a mudança, arrebatados só pelo gosto que terão, e que conhecem com a alma.

 Porque sou o chefe. E escrevo as leis e estabeleço as festas e ordeno os sacrifícios e, dos seus carneiros, suas cabras, suas moradas, suas montanhas, extraio essa civilização semelhante ao palácio de meu pai, onde todos os passos têm um sentido.

 Porque sem mim, que teriam eles feito do montão de pedras, a levá-las da direita para a esquerda, a não ser outro montão de pedras menos bem organizado ainda? Eu governo e escolho. E sou o único a governar. E eles podem rezar no silêncio e na sombra que devem às minhas pedras. Minhas pedras ordenadas segundo a imagem de minha alma.

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domingo, 27 de novembro de 2016

A verdade das minhas ordens, é que o homem delas há de nascer.

É por isso, que tendo compreendido, oponho meu arbítrio a essa desagregação das coisas e não dou ouvidos aos que me falam de inclinações naturais. Sei muito bem que as inclinações naturais aumentam as águas dos lagos das geleiras e nivelam as asperezas das montanhas, e alteram o movimento do rio, quando se joga ao mar, em um milhar de turbilhões contraditórios. Pois sei muito bem que as inclinações naturais fazem com que o poder se distribua e os homens se igualem. Mas eu governo e escolho. Sabendo que o cedro também triunfa contra a ação do tempo que o deveria reduzir a poeira, e, de ano em ano, edifica, contra a própria força que o puxa para baixo, o orgulho do templo de folhagem. Sou a vida e organizo. Edifico as geleiras contra os interesses dos mares. Pouco me importo se porventura as rãs coaxam contra a injustiça. Eu rearmo o homem, para que ele seja.
                É por isso que não dou importância ao tagarela imbecil que vem censurar a palmeira por ela não ser cedro e o cedro por ele não ser palmeira e, misturando os livros tende ao caos. Sei perfeitamente que o tagarela no fundo tem razão na sua ciência absurda, porque além da vida, cedro e palmeira se unificariam e se espalhariam em pó. Mas a vida se opõe à desordem e aos declives naturais. É do pó que ela arranca o cedro.
                A verdade das minhas ordens, é que o homem delas há de nascer. E os costumes, e as leis e a linguagem do meu império, não vou buscar neles seu próprio significado. Sei perfeitamente que, ao assentar pedras, é silêncio que criamos. O qual não se lia nas pedras. Sei muito bem que, à força de cargas e suor é o amor que se reanima. Sei muito bem que está longe de conhecer coisa alguma aquele que esquartejou o cadáver e pesou os ossos e as vísceras. Porque ossos e vísceras separados não servem para nada, como para nada servem separados a tinta ou o papel do livro. Só o que conta é a sabedoria que o livro traz, embora ela não esteja na essência da tinta ou do papel.
                E rejeito a discussão, porque nada aqui se pode demonstrar. Linguagem do meu povo, hei de te salvar de apodrecer. Lembro-me do incrédulo que visitou meu pai:
                “Tu ordenas que em tua casa se reze com terços de treze contas. De que importam as treze contas, dizia ele, não será a mesma a salvação se mudares o número? ”
                E fez valer sutis razões para os homens rezarem com terços de doze contas. Eu, o filho, sensível à habilidade do discurso, olhava para meu pai, duvidando do brilho da resposta, tão brilhantes me pareciam os argumentos invocados:
                “Me diga, recomeçava o outro, quanto pesa a mais o terço de treze contas? ”
                — O terço de treze contas, respondeu meu pai, pesa o peso de todas as cabeças que em seu nome mandei cortar até hoje...”

                Deus iluminou o incrédulo e ele se converteu.

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sábado, 26 de novembro de 2016

O palácio de meu pai, onde todos os passos tinham um sentido.

 É por isso que odeio a ironia, que não faz parte do homem, mas sim do insensível. Porque o insensível lhes diz: “Os costumes são uns num lugar e outros noutro. Por que não haveis de mudar de costumes? ” Da mesma maneira que lhes teria dito: “O que vos força a instalar as colheitas no celeiro e os rebanhos nos estábulos? ”. Mas é ele que se engana com as palavras, porque ignora o que as palavras não podem apreender. Ignora que os homens vivem numa casa.

                E suas vítimas, que já não são capazes de reconhecê-la, começam a desmantelá-la. Os homens dilapidam assim o seu bem mais precioso: o sentido das coisas. E se julgam gloriosos, se nos dias de festa não cedem aos costumes, traem as tradições, festejam o inimigo. É verdade, experimentam alguns movimentos interiores nos rituais de seus sacrilégios. Enquanto houver sacrilégio. Enquanto se insurgirem contra algo que ainda exerce pressão sobre eles. E vivem da respiração do inimigo ainda ativa. A sombra das leis os limita ainda o bastante para se sentirem contra as leis. Mas a própria sombra em breve se apaga. E então não sentem mais nada, porque esqueceram o gosto da vitória. E eles bocejam. Transformaram o palácio em praça pública, mas uma vez utilizado o prazer de nele pisar com uma arrogância de fanfarrão, não sabem mais o que fazem lá, no meio dessa feira. E eis que sonham vagamente em reconstruir uma casa de mil portas, de tapeçarias que machucam os ombros, de antecâmaras lentas. E sonham com o quarto secreto que torna toda a morada secreta. E sem o saberem, depois de o terem esquecido, choram o palácio de meu pai, onde todos os passos tinham um sentido.

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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

E os ritos são no tempo o que o lar é no espaço.

E os ritos são no tempo o que o lar é no espaço. Porque é bom que o tempo que desliza não dê a impressão de que nos gasta e nos perde, como a um punhado de areia, antes se nos afigure que nos realiza. Porque é bom que o tempo seja uma construção. Então, vou de festa em festa, e de aniversário a aniversário, de vindima a vindima, como passeava, criança, da sala do Conselho até à sala de repouso, na densidade do palácio de meu pai, em que todos os passos tinham um sentido.
Impus minha lei, que é como a forma das paredes e o arranjo de minha casa. O insensato veio me dizer: “Liberta-nos de tuas regras e então poderemos crescer”. Mas eu sabia que logo iriam perder o conhecimento de um rosto, e ao não o amar, perderiam o conhecimento de si próprios, e decidi, mesmo sem o desejarem, os engrandecer com o meu amor. Porque eles me propunham, para passear mais à vontade, que derrubasse as paredes do palácio de meu pai onde todos os passos tinham um sentido.

Era uma moradia ampla com a ala reservada às mulheres e o jardim secreto onde cantava o jato de água. (E ordeno então que em todas as casas exista um centro, para que se possa aproximar e afastar de algum ponto. Para que se possa sair e entrar. Caso contrário, não se está mais em lugar algum. E não é ser livre não estar em algum lugar.) Havia também os celeiros e os estábulos. Às vezes acontecia que os celeiros ficavam vazios e os estábulos desocupados. E meu pai se opunha a que se servissem deles para outros fins”. O celeiro, dizia ele, é antes de tudo um celeiro, e não moras mais numa casa se não sabes onde te encontras. Pouco importa, dizia ele ainda, um uso mais ou menos lucrativo. O homem não é cabeça de gado para engorda, e o amor, para ele, conta mais do que o usufruto. Não consegues amar uma casa que não tenha rosto, e onde os passos não tenham sentido.

Havia a sala reservada apenas para as grandes embaixadas, e que eram abertas ao sol apenas nos dias em que subia no ar a poeira de areia levantada pelos cavaleiros, e, no horizonte, os estandartes que o vento agitava como no mar. Mas ficava deserta quando se tratava de pequenos príncipes sem importância. Havia a sala onde se fazia justiça e a sala para onde levavam os mortos. Havia o quarto vazio, que nunca ninguém soube para que servia — e que talvez não servisse para nada, apenas para ensinar o sentido do segredo e que nunca se consegue penetrar todas as coisas. 

E os escravos, que percorriam os corredores carregados com o peso dos fardos, levavam de um lugar a outro, tapeçarias que lhes machucavam os ombros. Subiam degraus, empurravam portas, voltavam a descer novos degraus e, conforme estavam mais perto ou mais longe do jato de água central, se tornavam mais ou menos silenciosos, até se mostrarem inquietos como sombras no limiar dos aposentos das mulheres cujo conhecimento por erro lhes teria custado a vida. E as próprias mulheres: calmas, arrogantes ou furtivas, segundo o lugar que ocupavam na casa.

E ouço a voz do insensato: “Quanto espaço dilapidado, quantas riquezas inexploradas, quantas comodidades perdidas por negligência! É preciso demolir essas paredes inúteis e nivelar essas curtas escadarias, que dificultam a marcha. Então o homem será livre”. E respondo: “Então, os homens se tornarão gado de praça pública, e, com medo de se entediar, inventarão jogos estúpidos, que ainda serão regidos por regras, mas por regras sem grandeza. Porque o palácio pode inspirar poemas. Mas que poema escrever sobre a ninharia dos dados que eles lançam? É possível que ainda por muito tempo vivam da sombra dos muros, cujos poemas vão lhes trazer saudade, e depois a própria sombra se apagará e deixarão de compreendê-los”. 

E dali em diante o que os iria alegrar?
É assim com o homem perdido numa semana sem dias, ou num ano sem festas, que não exibe rosto algum. É assim com o homem sem hierarquia, que tem inveja do vizinho, se em algo este lhe passa à frente, sempre empenhado em reduzi-lo à sua medida. Que alegria tirarão eles, depois, do pântano que hão de constituir?

Mas recrio os campos de força. Construo barragens nas montanhas para conter as águas. Me oponho assim, injusto, às inclinações naturais. Restabeleço as hierarquias lá onde os homens se aglomerariam como as águas, depois de misturadas no pântano. Eu reteso os arcos. Com a injustiça de hoje, crio a justiça de amanhã. Restabeleço as direções lá onde cada um se instala onde quer e ainda chama felicidade a essa estagnação. Desprezo as águas estagnadas da sua justiça e liberto aquele que uma bela injustiça instituiu. E é assim que enobreço meu império.

Pois já conheço seus argumentos. Eles admiravam o homem que meu pai construiu”. Como ousar mudar, se disseram, um resultado tão perfeito? E, em nome daquele que tais barreiras havia fundado, quebraram essas barreiras. Enquanto permaneceram nas almas, ainda tiveram algum efeito. Depois, pouco a pouco, foram esquecidas. E aquele que queriam salvar foi morto.


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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O Sentido das Coisas

Pois descobri uma grande verdade. É que os homens moram, e o sentido das coisas muda para eles conforme o sentido das casas. E o caminho, o campo de cevada e a linha da colina são diferentes para o homem conforme constituam ou não uma propriedade. De um momento para outro, essa matéria disforme se junta e pesa sobre a alma. E não moram no mesmo universo aquele que habita e aquele que não habita no reino de Deus. E se iludem os infiéis, que riem de nós e que julgam perseguir riquezas tangíveis, quando não as há. Porque se cobiçam este rebanho, é já por orgulho. E nem as alegrias do orgulho são tangíveis.

É assim com aqueles que, ao dividir o meu território, ficam convencidos de que o descobriram. Dizem eles: “Ora, o que há lá são carneiros, cabras, cevada, moradias e montanhas — e nada mais; ” São pobres, não possuem mais nada. E têm frio. E vim a descobrir que eles se parecem com aquele que esquarteja um cadáver. A vida, diz ele, é o que se pode ver em plena luz do dia; não passa de uma mistura de ossos, de sangue, de músculos e de vísceras”. Quando na verdade a vida era essa luz dos olhos que se deixou de perceber nas suas cinzas. Pois meu território é coisa absolutamente diferente destes carneiros, destes campos, destas moradias, e destas montanhas, mas o que os domina e o que os liga. É a pátria do meu amor. E ficam felizes se o sabem, porque moram na minha casa.
E os ritos são no tempo o que o lar é no espaço. Porque é bom que o tempo que desliza não dê a impressão de que nos gasta e nos perde, como a um punhado de areia, antes se nos afigure que nos realiza. Porque é bom que o tempo seja uma construção. Então, vou de festa em festa, e de aniversário a aniversário, de vindima a vindima, como passeava, criança, da sala do Conselho até à sala de repouso, na densidade do palácio de meu pai, em que todos os passos tinham um sentido.
Impus minha lei, que é como a forma das paredes e o arranjo de minha casa. O insensato veio me dizer: “Liberta-nos de tuas regras e então poderemos crescer”. Mas eu sabia que logo iriam perder o conhecimento de um rosto, e ao não o amar, perderiam o conhecimento de si próprios, e decidi, mesmo sem o desejarem, os engrandecer com o meu amor. Porque eles me propunham, para passear mais à vontade, que derrubasse as paredes do palácio de meu pai onde todos os passos tinham um sentido.



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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O sentido da Paz

Então meditei muito tempo sobre o sentido da paz. Ela só vem dos filhos nascidos, das colheitas feitas, da casa até que enfim arrumada. Ela vem da eternidade, em que ingressam as coisas perfeitas. Paz dos celeiros cheios, das ovelhas que dormem, dos lençóis dobrados, a paz da perfeição, paz do que se torna oferenda a Deus, uma vez bem feito.

Porque vi que o homem é muito semelhante à cidadela. Ele derruba as muralhas para assegurar a liberdade, mas nessa altura não passa de fortaleza desmantelada e aberta às estrelas. Começa então a angústia que vem de não ser. Que ele encontre a sua verdade no aroma do ramo de videira que arde ou da ovelha que tem para tosquiar. A verdade é cavada como um poço. O olhar, quando se dispersa, perde a visão de Deus. Sabe muito mais de Deus aquele sábio, que se concentrou e apenas conhece o peso das lãs, do que a esposa adúltera, aberta às promessas da noite.

Cidadela, te construirei na alma do homem.

Pois há um tempo para escolher entre as sementes, mas há também um tempo para se alegrar com a chegada da colheita, depois de ter escolhido a semente. Há um tempo para a criação, mas há também um tempo para a criatura. Há um tempo para a faísca rubra, que rompe os diques nos céus, mas há também um tempo para as cisternas em que as águas derramadas se vão reunir. Há um tempo para a conquista, mas lá vem o tempo da estabilidade dos impérios: eu, que sou servidor de Deus, tenho o gosto da eternidade.

Odeio o que muda. Estrangulo aquele que se levanta na calada da noite e lança aos quatro ventos as suas profecias, como a árvore que, tocada pela semente dos céus, estala e rebenta e abrasa com ela toda a floresta. Me apavoro quando Deus se agita. Ele, o imutável, que permaneça na eternidade! Porque há um tempo para a gênese, mas há um tempo, um tempo bem-aventurado, para o costume!

É preciso pacificar, cultivar e polir. Sou aquele que tapa as fendas do solo e esconde aos homens os traços do vulcão. Sou a grama sobre o abismo. Sou o celeiro que doura os frutos. Sou a barcaça que recebeu de Deus uma geração em penhor, e a passa de uma margem para a outra. Deus, por sua vez, a receberá de minhas mãos tal como me confiou, mais madura talvez, mais sábia, mais hábil no cinzelar dos jarros de prata, mas não mudada. Encerrei o meu povo dentro do meu amor.

É por isso que protejo aquele que, passadas sete gerações, volta a trabalhar na quilha do barco ou na curvatura do escudo, disposto a encaminhá-las para a perfeição. Protejo aquele que herda do avô cantor o poema anônimo e, ao dizê-lo por sua vez, e ao enganar-se por sua vez, lhe ajunta o seu sumo, o seu desgaste, a sua marca. Amo a mulher grávida ou a que dá de mamar, amo o rebanho que se perpetua, amo as estações que se sucedem. Porque sou, antes de mais nada, aquele que habita. Cidadela, minha morada, prometo salvar-te dos projetos da areia, e irei te adornar de clarins em volta, para tocarem na guerra contra os bárbaros!


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terça-feira, 22 de novembro de 2016

Sobre o casamento

É também por isso que encerro a mulher no casamento e mando lapidar a esposa adúltera. E na verdade compreendo muito bem a sua sede e a importância da presença que reivindica. Consigo entender, ela apoiada no parapeito do terraço, quando a noite permite milagres, cercada por todos os lados pelo mar alto do horizonte, e entregue, como a um carrasco solitário, ao suplício de ser terna.
Eu a sinto toda palpitante, lançada ali como uma truta sobre a areia, e que espera, como a plenitude da vaga marinha, o manto azul do cavaleiro. Todo o seu apelo o deixa cair na noite. Há de surgir alguém disposto a satisfazê-la. Mas em vão ela passará de manto em manto, porque não existe homem que a satisfaça. A praia, para se refrescar, chama pelas vagas do mar e as vagas se sucedem eternamente. Gastam-se umas atrás das outras. Não adianta ratificar a mudança de esposos: Quem ama acima de tudo a proximidade do amor, jamais conhecerá o encontro...
Só estou disposto a salvar aquela que aceita se arrumar em volta do pátio interior, tal como o cedro se edifica em volta de sua semente, e encontra em seus próprios limites seu desenvolvimento. Estou disposto a salvar aquela que, em vez de amar a primavera, ama a ordem desta ou daquela flor em que a primavera se encerrou. Que não ama o amor, mas sim este ou aquele rosto particular que contraiu o amor.
É por isso que essa esposa dispersa na tarde a expurgo ou a congrego. Disponho à sua volta, como outras tantas fronteiras, o fogareiro, a cafeteira e a bandeja de cobre, para que pouco a pouco, através deste conjunto, ela venha a descobrir um rosto conhecido, familiar, um sorriso que só pode ser daqui. E isto significará para ela a aparição lenta de Deus. A criança então gritará para mamar, a lã a tecer constituirá uma tentação para os dedos, e a brasa exigirá a sua parte de sopro. Então ela será capturada e pronta para servir. Porque sou aquele que constrói a urna em volta do perfume, para que ele permaneça. Sou o tempo que amadurece o fruto. Sou aquele que constrange a mulher a assumir feições e a existir, para que mais tarde eu possa remeter em seu nome a Deus, não este leve suspiro disperso no vento, mas uma certa devoção, determinada ternura, tal sofrimento particular...


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sábado, 19 de novembro de 2016

O Festim do Sol

Foi no decorrer do ano maldito, do ano a que chamamos “O Festim do Sol”, porque o sol, nesse ano, dilatou o deserto. Radiante sobre as areias entre as ossadas, os espinheiros secos, as peles transparentes dos lagartos mortos e o capim ralo dos camelos transformado em crinas. Aquele que faz crescer os caules das flores havia devorado suas criaturas e reinava sobre os seus cadáveres dispersos, como criança sobre os brinquedos que destruiu.
Absorveu até as reservas subterrâneas e bebeu a água dos raros poços. Absorveu até o dourado das areias, que se tornaram tão vazias, tão brancas, que batizamos a região com o nome de Espelho. Porque um espelho não contém absolutamente nada e as imagens que o recheiam não têm nem peso nem duração. Porque um espelho às vezes, como um lago de sal, queima os olhos.
Os condutores de camelos, quando se perdem, se caem nessa armadilha que nunca restituiu sua presa, a princípio não a reconhecem, porque nada a distingue, e vão arrastando para lá, como uma sombra ao sol, o fantasma da sua presença. Colados a esse rastro de luz pensam que estão em marcha, já engolidos pela eternidade pensam que estão vivos. Puxam sua caravana até onde esforço algum prevalece contra a inércia da planície. Marchando para um poço que não existe, gozam o frescor do crepúsculo, que agora já não passa de inútil adiamento. Talvez se queixem, pobres ingênuos, da lentidão das noites, quando pouco falta para que as noites passem sobre eles como piscar de olhos. E, se ofendendo uns aos outros com suas vozes guturais, por pequenas injustiças, mal sabem que para eles, já justiça se fez.
Pensas que ali uma caravana se apressa? Espera passar vinte séculos e vem ver de novo!


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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Chegamos a 10% da meta em apenas 4 dias! Obrigado e Parabéns!

Queridos amigos, parabéns e obrigado! Em apenas 4 dias nossa campanha chegou a 10% da meta
Acho que com esse apoio enorme, vamos conseguir publicar o livro mais cedo, e fazer uma Noite de Autógrafos legal, será na Livraria Cultura da Avenida Paulista, já tenho o apoio dos donos da livraria. Além disso, também vamos fazer Noite de Autógrafos nas livrarias em Rio e São Paulo da Autografia, que vai publicar o livro e distribui-lo em livrarias.
Sempre que tiver novidades informo vocês.
Fiquem à vontade de divulgar, compartilhar, e principalmente curtir e degustar trechos do livro que publico diáriamente, sempre com uma imagem de bom gosto - modéstia à parte - sobre o assunto do texto. Como todo o livro se passa no Saara, as imagens são de cenas e personagens árabes. Nunca uso fotos, sempre pinturas, acho que fica mais legal. Fiquem à vontade para deixar comentários na página do projeto no Catarse.
O link no Facebook para a degustação diária do livro é
E o link do blog, com o mesmo material, para quem não usa Facebook, é
E finalmente o link do projeto, para quem quiser contribuir, é
Mais uma vez obrigado, e um bom Fim de Semana a todos
Abração do



terça-feira, 15 de novembro de 2016

Obrigado pelo apoio ao projeto "Cidadela"

Parabéns e obrigado, passamos a marca de mil reais no “crowdfunding” para publicar o livro “Cidadela” do autor do “Pequeno Príncipe”
Em dois dias de campanha, já temos 1.400 reais, e 17 apoiadores, vocês são incríveis!
Obrigado, e parabéns.
Tenho certeza de que irão gostar de Cidadela tanto quanto todos nós gostamos do Pequeno Príncipe. Para mim foi uma aventura maravilhosa fazer essa tradução.
Espero que para todos vocês a leitura dele seja também uma incrível aventura.
Embora eu já tenha feito mais de 3 (três) revisões, bastante detalhadas, comparando com o original, a Editora Autografia, que é a que vai editar a obra, irá fazer uma revisão final, que deve demorar de 60 a 80 dias. Isso é bom, mostra o cuidado com que eles fazem as coisas. E nos dá a certeza de que nem pequenos erros irão passar. Mais do que isso, uma revisão profissional assim sempre sugere pequenas mudanças, para melhorar a compreensão, evitar deslizes de estilo, etc. Portanto embora não esteja disponível para presentear nesse Natal, estará no próximo.
Enquanto isso, já estou pronto a me inscrever no Prêmio Jabuti 2016, cujas inscrições se abrem em 1 de janeiro de 2017. Li e reli as regras, e acho que tenho chance. Por exemplo, um dos critérios mais importantes na categoria "Tradução" é que o estilo do autor original seja fielmente reproduzido. E essa foi uma de minhas obsessões nesse trabalho, às vezes ficando horas em busca de como reproduzir de forma fiel o estilo sem perder a fluência do texto, nem sua poesia.
Se deseja conhecer melhor o proejto de publicação da Obra Prima de Saint-Exupéry, basta clicar no link abaixo


Um bom feriado e mais uma vez Obrigado e Parabéns!



domingo, 13 de novembro de 2016

Conheça o projeto de publicação do livro

Participe do projeto para publicar “Cidadela”, a Obra Prima de Antoine de Saint-Exupéry, autor do Pequeno Príncipe.
Basta clicar no link abaixo.
Essa é a primeira tradução feita no Brasil da versão integral, publicada em 1959 pela Gallimard.

A HISTÓRIA DO LIVRO
A 31 de julho de 1944, precisamente às 8:30 da manhã, Antoine de Saint-Exupéry decolou da base aérea aliada de Borgo, na Córsega, pilotando um bombardeiro P-38 Lightning de dois motores. Estava com 44 anos, bem além da idade limite permitida para um piloto de guerra. Mas Saint-Exupéry insistia em participar da libertação de sua pátria do domínio nazista.
Era uma missão de reconhecimento, e ele deveria estar de volta às 12:30. O tempo passou, e o escritor/piloto não voltou. Como só tinha combustível para seis horas de voo, foi considerado abatido por volta de 19 horas. Seu corpo nunca foi encontrado.
O autor do Pequeno Príncipe e de vários outros romances autobiográficos estava trabalhando nessa que seria sua última obra desde 1936. Em 1944, quando faleceu, ainda não havia concluído a revisão detalhada da obra. Todas as noites, em seu pequeno quarto na base aérea, ditava para um gravador alguns trechos, que na manhã seguinte uma secretária iria passar para o papel.
A OBRA
A alguns amigos, Saint-Exupéry dizia que essa era sua Obra Póstuma, a outros dizia que estava “escrevendo um poema”. Em 1943 contava com 913 páginas datilografadas. Durante seus voos, sempre levava um “cahier” - um caderno de notas, onde escrevia suas ideias, suas histórias e sobre filosofia.
Após sua morte, a editora Gallimard reuniu um pequeno grupo de seus mais íntimos, para compilar, reunir e editar os rascunhos. Apenas em 1959 esse trabalho ficou concluído, e foi lançada uma versão integral da obra, com 450 páginas. Mais tarde, a própria Gallimard lançou uma versão mais resumida, com muitos cortes, e apenas 250 páginas.
A tradução da versão original de 1959 está sendo lançada pela primeira vez no Brasil, em um trabalho cuidadoso e que respeita o estilo e a alma poética do autor. Em todo o mundo, só existe uma outra tradução, feita para o alemão, dessa versão completa.
APOIE O PROJETO
Todos os dias irei postar nessa página um trecho do livro, para você degustar.
Se você gostar, além de fazer uma contribuição para o lançamento em livrarias de todo o Brasil, avise seus amigos, seus colegas, curta e compartilhe no Facebook, no Twitter, no Instagram, no e-mail.
COMO FUNCIONA?
O financiamento coletivo, ou crowdfunding, é uma espécie de “vaquinha virtual”, onde as pessoas interessadas podem ajudar financeiramente o projeto em troca de recompensas. Tudo com a satisfação de apoiar um projeto de seu interesse e se tornar um mecenas da cultura. Se a meta estipulada for atingida, o projeto recebe o dinheiro arrecadado para viabilizar a ideia. Caso contrário, aqueles que contribuíram recebem, na íntegra, o valor de volta. Não há risco de qualquer um dos lados sair perdendo.

Saint-Exupéry e o Brasil

A ligação de Saint-Exupéry com o Brasil é pouco conhecida, porém foi intensa e deixou marcas nos dois lados dessa relação.
Ele foi responsável pela rota na América do Sul da companhia Aéropostale, que transportava correio por via aérea.
Durante os dois anos em que viveu e trabalhou na América do Sul, Sain-Exupéry participou da implantação de nada mais do que onze escalas ao longo da costa, para que os aviões e os pilotos pudessem ser reabastecidos e recuperados.
A rota saía de Toulouse, para Dakar, e em seguida cruzava o Atlântico até Natal. Os pilotos se alternavam na cansativa e longa viagem, e depois de Natal desciam em Recife, Maceió, Salvador, Caravelas, Vitória, Rio de Janeiro, Santos, Florianópolis, Porto Alegre, e Pelotas no Brasil, para em seguida voar para Montevidéu, no Uruguai, e Mendoza na Argentina até o destino final de Buenos Aires.
Seu amigo Marcel Reine se encanta tanto com o Brasil, o Rio de Janeiro, que compra uma fazenda no distrito de Itaipava, no município de Petrópolis. A fazenda é batizada de “La Grande Vallée”, em uma homenagem à terra natal. É lá que Saint-Ex passa diversos dias relaxando na temperatura amena da Serra da Mantiqueira, junto com colegas e amigos. Atualmente o local é preservado e lá existem diversas placas lembrando a passagem do escritor famoso.
Mas é em Florianópolis que o destino fez acontecer uma relação mais estreita entre Saint-Ex e os brasileiros. Durante um vôo com destino a Florianópolis, o piloto Delaunay percebe que o motor está em chamas, e faz uma pouso forçado em uma praia próxima da cidade. Seus dois passageiros escapam ilesos, mas o piloto sofre sérias queimaduras com o incêndio a bordo. Imediatamente é internado em um hospital de Florianópolis, onde fica em recuperação por vários meses. É justamente durante esse período que seus colegas e amigos, entre eles Saint-Exupéry, alongam suas estadias, para visitar o amigo hospitalizado. A companhia possuia próximo da praia uma pista de pouso, e uma casa de pernoite para os pilotos, bem como um sistema de telegrafia que usava o código Morse.
Saint-Exupéry faz amizade com os pescadores que guardam os barcos nas proximidades, e que logo se encantam com a simpatia daquele grandalhào desengonçado e simpático, mas não conseguem pronunciar seu nome direito – entào em lugar de “Saint-Exupéry” o chamam de “Zéperri”. E a praia onde ocorriam esses encontros passa a se chamar de praia de Zéperri. A ilha em frente a essa praia é conhecida hoje como “Campéche”. Uma derivação brasileira do nome francês pelo qual era conhecida – “Champs de Pêche”, ou “Campo de Pesca”.
E assim por um acidente aeronáutico que poderia ter sido fatal, toda a equipe da Aeropostale ficou conhecendo melhor a capital de Santa Catarina, e lá deixando lembranças, locais batizados em francês, e histórias que são relatadas em um documentário fascinante, com direção geral de Branca Regina Rosa e roteiro de Delmar Gularte, a partir do argumento da pesquisadora Mônica Cristina Corrêa (PhD em Língua e Literatura Francesa pela USP). Vale a pena assistir para conhecer mais sobre o escritor e sua vida. A última citação do documentário, é justamente do livro póstumo do escritor – Cidadela.