É por
isso, que tendo compreendido, oponho meu arbítrio a essa desagregação das
coisas e não dou ouvidos aos que me falam de inclinações naturais. Sei muito
bem que as inclinações naturais aumentam as águas dos lagos das geleiras e
nivelam as asperezas das montanhas, e alteram o movimento do rio, quando se
joga ao mar, em um milhar de turbilhões contraditórios. Pois sei muito bem que
as inclinações naturais fazem com que o poder se distribua e os homens se
igualem. Mas eu governo e escolho. Sabendo que o cedro também triunfa contra a ação
do tempo que o deveria reduzir a poeira, e, de ano em ano, edifica, contra a
própria força que o puxa para baixo, o orgulho do templo de folhagem. Sou a vida
e organizo. Edifico as geleiras contra os interesses dos mares. Pouco me
importo se porventura as rãs coaxam contra a injustiça. Eu rearmo o homem, para
que ele seja.
É por isso que não dou importância
ao tagarela imbecil que vem censurar a palmeira por ela não ser cedro e o cedro
por ele não ser palmeira e, misturando os livros tende ao caos. Sei
perfeitamente que o tagarela no fundo tem razão na sua ciência absurda, porque
além da vida, cedro e palmeira se unificariam e se espalhariam em pó. Mas a vida
se opõe à desordem e aos declives naturais. É do pó que ela arranca o cedro.
A verdade das minhas ordens, é que
o homem delas há de nascer. E os costumes, e as leis e a linguagem do meu
império, não vou buscar neles seu próprio significado. Sei perfeitamente que,
ao assentar pedras, é silêncio que criamos. O qual não se lia nas pedras. Sei
muito bem que, à força de cargas e suor é o amor que se reanima. Sei muito bem
que está longe de conhecer coisa alguma aquele que esquartejou o cadáver e
pesou os ossos e as vísceras. Porque ossos e vísceras separados não servem para
nada, como para nada servem separados a tinta ou o papel do livro. Só o que conta
é a sabedoria que o livro traz, embora ela não esteja na essência da tinta ou
do papel.
E rejeito a discussão, porque nada
aqui se pode demonstrar. Linguagem do meu povo, hei de te salvar de apodrecer.
Lembro-me do incrédulo que visitou meu pai:
“Tu ordenas que em tua casa se
reze com terços de treze contas. De que importam as treze contas, dizia ele,
não será a mesma a salvação se mudares o número? ”
E fez valer sutis razões para os
homens rezarem com terços de doze contas. Eu, o filho, sensível à habilidade do
discurso, olhava para meu pai, duvidando do brilho da resposta, tão brilhantes
me pareciam os argumentos invocados:
“Me diga, recomeçava o outro, quanto
pesa a mais o terço de treze contas? ”
— O terço de treze contas,
respondeu meu pai, pesa o peso de todas as cabeças que em seu nome mandei
cortar até hoje...”
Deus iluminou o incrédulo e ele
se converteu.
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