sábado, 19 de novembro de 2016

O Festim do Sol

Foi no decorrer do ano maldito, do ano a que chamamos “O Festim do Sol”, porque o sol, nesse ano, dilatou o deserto. Radiante sobre as areias entre as ossadas, os espinheiros secos, as peles transparentes dos lagartos mortos e o capim ralo dos camelos transformado em crinas. Aquele que faz crescer os caules das flores havia devorado suas criaturas e reinava sobre os seus cadáveres dispersos, como criança sobre os brinquedos que destruiu.
Absorveu até as reservas subterrâneas e bebeu a água dos raros poços. Absorveu até o dourado das areias, que se tornaram tão vazias, tão brancas, que batizamos a região com o nome de Espelho. Porque um espelho não contém absolutamente nada e as imagens que o recheiam não têm nem peso nem duração. Porque um espelho às vezes, como um lago de sal, queima os olhos.
Os condutores de camelos, quando se perdem, se caem nessa armadilha que nunca restituiu sua presa, a princípio não a reconhecem, porque nada a distingue, e vão arrastando para lá, como uma sombra ao sol, o fantasma da sua presença. Colados a esse rastro de luz pensam que estão em marcha, já engolidos pela eternidade pensam que estão vivos. Puxam sua caravana até onde esforço algum prevalece contra a inércia da planície. Marchando para um poço que não existe, gozam o frescor do crepúsculo, que agora já não passa de inútil adiamento. Talvez se queixem, pobres ingênuos, da lentidão das noites, quando pouco falta para que as noites passem sobre eles como piscar de olhos. E, se ofendendo uns aos outros com suas vozes guturais, por pequenas injustiças, mal sabem que para eles, já justiça se fez.
Pensas que ali uma caravana se apressa? Espera passar vinte séculos e vem ver de novo!


Trecho de hoje do livro "Cidadela" de Antoine de Saint-Exupéry. Você pode colaborar para o financiamento da edição em papel, mesmo que seja com um valor simbólico.
Basta clicar no link abaixo.
https://www.catarse.me/cidadela




Nenhum comentário:

Postar um comentário