Depois de conquistar novos territórios,
como os governadores ainda estavam pouco seguros, tinha lá colocado generais
para os apoiarem. Ora os viajantes que circulavam dessas novas províncias para
a capital, vinham prevenir meu pai:
“Em tal província, contavam, o
general insultou o governador. Já não se falam”.
Um outro que vinha de outra
província:
“Senhor, o governador agora
odeia o general”.
De outro lugar, aparecia um
terceiro:
“Senhor, imploram a tua
arbitragem para resolver um grave conflito. O governador e o general recorreram
aos tribunais”.
E meu pai, a princípio, ainda
ouvia os motivos das discórdias. E esses motivos eram sempre evidentes. Quem
havia sofrido afrontas decidira vingá-las. Era tudo traições vergonhosas e conflitos
inconciliáveis. E raptos e ofensas. E sempre, como é lógico, devia haver um que
tinha razão e outro que não tinha. Mas essas histórias cansavam meu pai.
“Tenho mais que fazer, me disse,
do que estudar suas estúpidas querelas. Nascem de um extremo a outro do território,
diferentes umas das outras e apesar disso semelhantes. Como é que consegui
fazer o milagre de escolher governadores e generais que não se toleram uns aos
outros?
“Quando os animais que pões num
estábulo morrem uns após os outros, não te debruces sobre eles à procura da
causa do mal. Debruça-te sobre o estábulo e queima-o”.
Mandou, portanto, chamar um
mensageiro:
“Defini mal suas prerrogativas.
Ignoram qual dos dois tem precedência sobre o outro nos banquetes. Se vigiam
com mau humor. Avançam os dois frente a frente até o momento de se sentar. E o
mais grosseiro ou menos estúpido é que vence e ocupa o lugar. O outro passa então
a odiá-lo. Jura ser menos cretino na próxima vez e apressar o passo para se
sentar primeiro E, depois, claro, se roubam as mulheres, pilham os rebanhos ou
se insultam... Não passam de banalidades sem interesse, mas acreditam nelas e
isso os faz sofrer. Mas não estou disposto a ouvir o estardalhaço que fazem.
“Queres que se amem? Não lhes
jogue o grão do poder para que o partilhem. Que cada um sirva o outro. E que o
outro sirva o império. A essa altura irão se amar por se ajudar um ao outro e
por edificarem em conjunto".
Castigou-os, pois, cruelmente
pela inútil algazarra das suas discórdias: “O império, lhes dizia ele, não tem
nada a ver com os seus escândalos. Um general, é claro, deve obedecer ao governador.
Castigarei, portanto este último por não ter sabido comandar. E o outro por não
ter sabido obedecer. E vos recomendo o silêncio".
E de um extremo a outro do território
os homens foram se reconciliando. Os camelos roubados foram restituídos. As
esposas adúlteras foram devolvidas ou repudiadas. As ofensas foram reparadas. E
aquele que obedecia se sentia lisonjeado pelos elogios daquele que mandava. E se
abriam nele fontes de alegria. E o que comandava ficava contente por mostrar
seu poder ao enaltecer o subalterno. E o empurrava para a frente nos dias de
banquete, para que se ele sentasse primeiro.
“Não é que eles fossem
estúpidos, dizia meu pai. É que as palavras da linguagem não carregam nada que
seja digno de interesse. Aprenda a ouvir não o vento das palavras nem os
raciocínios que lhes permitem se enganar. Aprenda a olhar mais longe. Porque o
ódio deles não era assim tão absurdo. Se cada pedra não se encontra no seu
lugar, não há templo. E se cada pedra estiver em seu lugar e servir ao templo,
então só conta o silêncio que delas nasce, e a oração que lá se forma. E quem
entende quando se fala só de pedras?"
Por isso não me interessava com
os problemas dos meus generais que vinham me pedir que buscasse nos atos dos
homens as causas de suas discórdias a fim de que eu as pusesse em ordem com
minha justiça. Mas no silêncio do meu amor eu atravessava o acampamento e os
via se odiarem. E depois me retirava para compartilhar com Deus minha oração.
“Senhor, eles estão divididos
por já não construírem o império. O erro está em pensar que eles deixam de
construir porque estão divididos. Mostra-me a torre que farei construir e que
lhes permitirá se trocar por ela em suas aspirações diversas. Que irá convocar
a todos e abençoar cada um ao atraí-lo para sua grandeza.
Meu manto é curto e sei que sou
um mau pastor que não sabe abrigá-los debaixo da asa. E se odeiam porque tem
frio. Porque o ódio não passa de insatisfação. Todo ódio tem um sentido
profundo, que aliás o domina. As diversas ervas se odeiam e se devoram umas às
outras, mas não a árvore única, onde cada ramo cresce com a prosperidade dos
outros. Me empresta uma tira do teu manto para que eu possa abrigar os meus
guerreiros e meus operários e meus sábios e os maridos e as mulheres e até as
crianças que choram...”