sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Ao morrer, levava, sem o saber, as mãos cheias de estrelas...

Foi assim que ao passear no meio de meu povo no delta da tarde, quando tudo se desfaz, os observei com as vestes amarrotadas, na soleira das tendas humildes, repousando de sua atividade de abelhas, e me interessava menos por eles do que pela perfeição do favo de mel em que todos tinham colaborado ao longo do dia. E eu meditava diante de um deles, que era cego e tinha além disso perdido uma perna. Tão velho, tão moribundo, gemia como um móvel velho cada vez que se mexia e que respondia lentamente porque era de idade avançada e começava a perder a clareza das palavras, mas que se tornava cada vez mais luminoso e claro e compreensivo no objeto mesmo da sua troca. Porque com as mãos trêmulas continuava ainda o seu trabalho, que se ia tornando elixir cada vez mais sutil. E ele, evadindo-se tão maravilhosamente do seu velho corpo encarquilhado, se tornava cada vez mais feliz, cada vez mais inacessível. Cada vez mais imorredouro. Ao morrer, levava, sem o saber, as mãos cheias de estrelas...

E assim eles trabalharam toda a vida para um enriquecimento sem utilidade, todos trocados pelo incorruptível bordado... Dedicaram apenas uma parte do seu trabalho à utilidade prática, e todo o resto à cinzelagem, à inútil qualidade do metal, à perfeição do desenho, à suavidade da curva, que não servem para nada senão para receber a parte trocada, que dura mais do que o corpo.
Costumo à noitinha andar com passos lentos no meio do meu povo, o abraçando com o silêncio do meu amor. Preocupado com aqueles consumidos por uma luz inútil, com o poeta cheio de amor pelos poemas, mas que nunca escreveu o seu, com a mulher apaixonada pelo amor, mas incapaz de se realizar, por não saber escolher, cheios de angústia, sabendo que os irei curar dessa angústia se lhes permitir esse bem que exige sacrifício e escolha e esquecimento do universo. Porque determinada flor é antes de tudo uma renúncia a todas as outras flores. E, no entanto, só com essa condição ela é bela. É o que acontece com o objeto da troca. E o insensato que vem censurar a essa velhinha o seu bordado, sob o pretexto de que ela poderia ter tecido outra coisa, demonstra então que prefere o nada à criação. Vou andando, e ouço se erguer a prece sobre os cheiros do acampamento, onde tudo amadurece e se forma em silêncio, lentamente, sem quase ser notado. O fruto, o bordado ou a flor, antes de realizados, começam por se banhar de tempo.

Trecho de hoje do livro "Cidadela" de Antoine de Saint-Exupéry. Junte-se a 77 apoiadores que já levantaram mais de 5.000 Reais, e contribua hoje para o financiamento da edição em papel. Consulte as condições dos prêmios no site abaixo.
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