quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

É preciso olhar muito tempo para a árvore, para ela nascer também em nós


https://www.catarse.me/cidadela


Meu exército estava tão cansado, como se meus homens tivessem transportado um fardo pesadíssimo. Os comandantes vieram falar comigo:
“Quando é que voltaremos para casa? O deleite das mulheres dos oásis conquistados não vale o deleite das nossas mulheres.
Um deles me dizia:
“Senhor, não paro de sonhar com aquela que é feita do meu tempo, das minhas disputas. Gostaria de voltar, de ir embora quando quiser. Senhor, é uma verdade que já não sei lançar raízes mais fundas. Deixa-me crescer no silêncio de minha aldeia. Sinto necessidade de meditar sobre minha vida”.
E compreendi que eles tinham necessidade de silêncio. Pois só no silêncio a verdade de cada um vinga e lança raízes. Porque o tempo é contado como na amamentação. E o próprio amor maternal é, em primeiro lugar, feito de amamentação. Quem é que vê a criança crescer de um momento para o outro? Ninguém. São aqueles que vêm de fora que dizem: “Como cresceu! Mas nem a mãe nem o pai o viram crescer. Ele foi se fazendo, com o tempo. Ele era a cada momento, o que devia ser.
Assim os meus homens tinham necessidade de tempo, nem que fosse para compreender uma árvore. Para se sentar todos os dias no portal da entrada, diante da mesma árvore e dos mesmos ramos. E eis que pouco a pouco a árvore se vai revelando.
Havia um poeta, que certa noite em que estávamos reunidos em volta do fogo no deserto, falava pura e simplesmente da sua árvore. E os meus homens o escutavam, muitos deles só conheciam o capim que os camelos pastam e palmeiras anãs e arbustos de espinhos”. Vocês não sabem o que é uma árvore. Eu vi uma que tinha brotado por acaso num edifício abandonado, simples abrigo sem janelas, e dali partira à procura de luz. Como o homem deve estar mergulhado no ar, como a carpa deve estar mergulhada na água, a árvore deve estar mergulhada na claridade. Pois instalada na terra graças às raízes, instalada nos astros graças aos ramos, ela é o caminho da troca entre as estrelas e nós. Essa árvore, nascida cega, havia então desenvolvido em plena noite a sua poderosa musculatura, e tateara de uma parede a outra e titubeado, e o drama lhe ficou impresso nos galhos retorcidos. Depois de esburacar uma fresta na direção do sol, irrompeu reta como o tronco de uma coluna, e eu assistia, num recuo próprio de historiador, aos movimentos da sua vitória.
“Em magnífico contraste com os nós confinados pelo esforço de seu tronco no seu ataúde, expandia-se na calma abarcando o espaço como uma mesa farta de folhagem onde o sol era servido, amamentado pelo próprio céu, sustentado soberbamente pelos deuses.
“E a observava todos os dias despertar de alto a baixo. Era carregada de pássaros. E desde a aurora começava a viver e a cantar, e depois do sol nascer, abandonava suas provisões ao céu, como um velho pastor complacente, minha árvore casa, minha árvore castelo, ficava depois vazia até a noitinha...”
Era assim que ele contava e nós sabíamos que é preciso olhar muito tempo para a árvore, para ela nascer também em nós. E cada um dos meus homens sentia inveja daquele que levava na alma essa massa de folhagem e de pássaros.

https://www.catarse.me/cidadela





Nenhum comentário:

Postar um comentário