Todas as noites pensava no meu
exército, aprisionado na amplidão como um navio, e, no entanto, permanente,
sabendo bem que o dia o mostraria intacto e todo eriçado como os galos para a
alegria do despertar. Enquanto arriavam os cavalos, ouvia-se esse vozerio que
ressoava na manhã, fresco como címbalos. Os homens, embriagados pelo licor do
dia nascente, enchem os pulmões de novo e saboreiam o áspero prazer da
planície.
Eu os levava até o oásis a
conquistar. Quem não compreendesse os homens, teria procurado no próprio oásis
a religião do oásis. Mas os homens do oásis não conhecem sua morada. É na alma de
um destacamento desgastado pela areia que ela deve ser descoberta. Eu ensinava
esse amor.
Eu lhes dizia: “Vocês
encontrarão mais à frente erva perfumada, o cântico das fontes e mulheres de
longos véus coloridos, que fugirão espavoridas como uma manada de corças ágeis,
mas doces de agarrar, já que são feitas para a captura...”
Eu lhes dizia: “Estão
convencidas de que vos odeiam e, para vos repelir, recorrerão a unhas e dentes.
Mas para domá-las bastará afundar a mão nos caracóis azuis dos seus cabelos! ”
Eu lhes dizia: “Bastará exercer
vossa força sobre sua doçura para ficarem quietas. Ainda fecharão os olhos para
vos ignorar, mas vosso silêncio exercerá pressão sobre elas como a sombra de
uma águia. Até que acabarão por abrir os olhos para vocês e eles se encherão de
lágrimas”.
“Tereis trazido para elas sua
imensidão, como poderão vos esquecer? ”
“E concluía, para embriagá-los
deste paraíso:
"Haveis de conhecer
palmeiras e aves de todas as cores... O oásis se entregará a vós, que levais na
alma a religião do oásis, pois os que expulsastes deixaram de ser dignos. As
próprias mulheres deles, ao lavarem a roupa no riacho que canta sobre pedrinhas
pequenas e brancas, julgam executar um triste dever universal quando celebram
uma festa. Mas vocês, que terão se endurecido na areia e secado ao sol e
salgado com a crosta ardente das salinas, haverão de as desposar e, de mãos nos
quadris, as vendo lavar os lençóis na água azul, poderão então saborear a sua
vitória.
"Vocês sobrevivem hoje na
areia tal como o cedro, graças aos inimigos que os rodeiam e os endurecem, e depois
de ter conquistado o oásis, sobreviverão no oásis se ele se não for para vocês
o abrigo onde alguém se encerra e esquece, mas sim uma vitória permanente sobre
o deserto.
"Venceram os inimigos
porque eles se fecharam no seu egoísmo, satisfeitos com as suas provisões. Só
viam na coroa de areia que os rodeava um ornamento para o oásis e riam dos importunos
que procuravam convencê-los a revezarem ao menos as sentinelas que adormeciam
nos limites dessa pátria de fontes.
“Estagnavam na ilusão da
felicidade que tiravam dos bens possuídos. Ora, a felicidade é apenas o calor
dos atos e o contentamento da criação. Aqueles que deixam de trocar alguma
parte de si próprios e recebem de outro o alimento, nem que seja o mais bem
escolhido e o mais delicado, aqueles que ouvem sutilmente os poemas alheios sem
escrever os poemas próprios, se aproveitam do oásis sem o revigorarem, consomem
cânticos que lhes fornecem, se amarram sem ajuda às manjedouras no estábulo e,
reduzidos ao papel de gado, estão prontos para a escravidão”.
E lhes disse: “Depois do oásis
conquistado, nada de essencial há de mudar para vocês. É apenas uma outra forma
de acampamento no deserto. Porque meu império se encontra ameaçado de todos os
lados. Sua matéria-prima não passa de um conjunto familiar de cabras, carneiros,
moradas e montanhas, mas se nele desata o nó que os liga uns aos outros, apenas
ficarão os materiais espalhados, sujeitos ao saque”.
Trecho de hoje do livro
"Cidadela" de Antoine de Saint-Exupéry. Junte-se a 80 apoiadores que
já levantaram mais de 5.000 Reais, e contribua hoje para o financiamento da
edição em papel. Consulte as condições dos prêmios no site abaixo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário