quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

“O homem, dizia meu pai, é em primeiro lugar aquele que cria.

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“O homem, dizia meu pai, é em primeiro lugar aquele que cria. E só são seus irmãos os homens que colaboram. E só vivem realmente aqueles que não encontraram a paz nas provisões armazenadas”. 
Um dia, levantaram-lhe uma objeção:
“O que é que chamas criar? Porque, se se trata de uma invenção importante, poucos serão capazes de fazê-lo. Então falas só para alguns... E os outros? ”
Meu pai respondeu:
“Criar é talvez falhar um determinado passo na dança. E dar de lado este golpe de cinzel na pedra. Pouco importa o destino do gesto. Esse esforço parece estéril a ti, cego, que tens o nariz encostado nele, mas experimenta dar um passo atrás. Observe mais de longe o movimento deste bairro da cidade. Só vês subir de lá uma grande devoção e a poeira dourada do trabalho. E não reparas mais nos gestos falhos. Porque este povo debruçado sobre a obra, bem ou mal, edifica os palácios ou as cisternas ou os grandes jardins suspensos. As obras nascem como que inevitavelmente, do encantamento dos dedos. E te garanto, elas nascem tanto daqueles que falham nos gestos como daqueles que os acertam, porque não podes dividir o homem, se salvas só os grandes escultores, ficarás privado de grandes escultores. Ninguém iria escolher um ofício que desse tão poucas possibilidades de viver. O grande escultor nasce do terreno de maus escultores. Servem-lhe de degrau e são eles que o elevam. E a bela dança nasce da devoção com que se dança. E a dedicação à dança exige que todos dancem — mesmo aqueles que dançam mal — senão deixa de haver dedicação e passa a haver apenas academia petrificada e espetáculo sem significado.
“Não condenes os seus erros como o historiador que julga uma era já concluída. Quem poderá censurar o cedro por não passar ainda de semente ou de caule ou de raminho que brota inclinado? Deixa estar. De erro em erro se erguerá a floresta de cedros que, nos dias de ventania, distribuirá o incenso das suas aves.
E meu pai dizia, para concluir:
“Eu já te disse. Erro de um, êxito de outro, não te importes com essas divisões. Nada é fértil sem a grande colaboração de um através do outro. E o gesto que erra serve ao gesto que acerta. E o gesto que acerta mostra o objetivo que buscavam juntos a quem errou. Aquele que encontra o deus o encontra para todos. Porque o meu império é semelhante a um templo e eu instiguei os homens. Convidei os homens a o construir. Então é o seu templo. E o nascimento do templo extrai deles seu mais elevado significado. E eles inventam os dourados. E aquele que os procurava sem os conseguir também os inventa. Porque foi especialmente desta dedicação que os novos dourados nasceram”.

Dizia ele de outra vez:
“Não queiras inventar um império onde tudo seja perfeito. Porque o bom gosto é virtude de guardião de museu. E se fores desprezar o mau gosto, não terás nem pintura, nem dança, nem palácio, nem jardim. Irás torcer o nariz por repugnância ao trabalho sujo na terra. Tu serás privado dele devido a esse teu vazio desejo de perfeição. Inventa um império onde tudo seja simplesmente caloroso”.

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