segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Mas eu sentia também a bondade de meu pai.

Mas eu sentia também a bondade de meu pai. "Todo aquele, dizia ele, que tiver desempenhado um papel importante, todo aquele que tenha sido honrado não pode ser aviltado. Quem reinou não pode ser privado do seu reino, não podes transformar em mendigo aquele que dava aos mendigos, porque o que destróis, neste caso, é algo como a armação e a forma do teu navio. É por isso que decido os castigos na medida dos culpados. Aqueles que resolvi fazer nobres, os executo, mas não os reduzo à condição de escravos, se porventura erraram. Encontrei um dia uma princesa que era lavadeira de roupa. E as companheiras riam dela: “O que é feito da tua realeza, lavadeira? Podias mandar cortar cabeças e agora podemos impunemente te desonrar com as nossas ofensas... Isso é justiça! A justiça, segundo elas, era compensação.

E a lavadeira calava-se. Talvez humilhada por si própria, mas sobretudo por algo maior do que ela própria. E a princesa se debruçava, tesa e branca, sobre a lavanderia. E as companheiras impunemente a cutucavam. Nada nela convidava à zombaria, porque tinha um rosto bonito, gestos reservados e silenciosa, e compreendi que as companheiras ridicularizavam não a mulher, mas sim o seu declínio. Porque aquele que invejavas, se cai debaixo das tuas garras, o devoras. Mandei, pois, que a trouxessem à minha presença:
“Só sei de ti que antes reinavas. A partir de hoje, terás direito de vida e morte sobre as tuas companheiras de lavanderia. Te reintegro ao teu reino. Podes ir”.

“E quando voltou a ocupar seu lugar acima da plebe vulgar, desdenhou justamente de se lembrar das ofensas. E as próprias mulheres da lavanderia, sem poder mais alimentar seus movimentos interiores com o declínio dela, passaram a alimentá-los com a sua nobreza e a veneraram. Organizaram grandes festas para celebrarem o seu regresso à realeza e se prosternavam à sua passagem, se sentindo engrandecidas por outrora lhe terem encostado a mão”.

“É por isso, dizia meu pai, que não irei submeter os príncipes às ofensas da plebe nem à grosseria dos carcereiros. Mas mandarei lhes cortar a cabeça, num grande circo de clarins de ouro”.
“Aquele que rebaixa um outro, dizia meu pai, é porque é baixo”. “Nunca um chefe, dizia meu pai, será julgado pelos subalternos”.

Trecho de hoje do livro "Cidadela" de Antoine de Saint-Exupéry. Junte-se a 80 apoiadores que já levantaram mais de 5.000 Reais, e contribua hoje para o financiamento da edição em papel. Consulte as condições dos prêmios no site abaixo.
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