segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Em sua sólida estupidez meus generais se reuniram

https://www.catarse.me/cidadela

Em sua sólida estupidez meus generais se reuniram: “É preciso apurar, se diziam, por que nossos homens se dividem e se odeiam”. Mandavam chamá-los. E ouviam uns e outros, procurando conciliar as teses e estabelecer justiça e dar a cada um o que lhe era devido e tirar a outro o que detinha indevidamente. E se o motivo do ódio era a inveja, os generais procuravam determinar quem tinha razão e quem não tinha. E logo não entendiam mais nada, tanto os problemas se imbricavam uns aos outros, tanto o mesmo ato mostrava rostos diversos, nobre sob um ponto de vista, baixo sob outro, cruel e generoso ao mesmo tempo.
E suas reuniões entravam pela noite dentro. E, como não dormiam, sua estupidez ia aumentando. Então, vieram a mim: “Só há uma solução para essa balbúrdia. É o dilúvio dos hebreus! ”
Mas eu me lembrava de meu pai: “Quando o mofo dá no trigo, procura-o fora do trigo, muda-o de celeiro. Quando os homens se odeiam, não ouça a explicação imbecil das razões que eles têm para se odiar. Porque existem muitas outras, além das que eles citaram, e que nem imaginam. E têm outras tantas para se amarem. E outras tantas para viverem na indiferença. E eu que nunca me interesso pelas palavras, sabendo que elas carregam apenas signos difíceis de interpretar, como as pedras do edifício não mostram nem a sombra nem o silêncio, como os materiais da árvore não explicam a árvore, porque iria me interessar pelos materiais de seu ódio? Eles o edificam como um templo com as mesmas pedras que serviriam para edificar o amor”.
Então eu simplesmente assistia a esse ódio que eles vestiam com seus maus pretextos, e não pensava em curá-los através do exercício de uma justiça hipócrita. Ela serviria apenas para os endurecer nas suas razões, aprofundando os defeitos e as qualidades. Um rancor naquele que eu tivesse achado errado e orgulho de quem eu tivesse dado razão. E aí eu teria cavado o abismo.

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