quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Foi assim que eu próprio procedi.

Foi assim que eu próprio procedi. Noites suntuosas das minhas expedições de guerra, jamais conseguirei te celebrar à altura. Havendo construído, sobre a virgindade da areia, meu acampamento triangular, subia até o topo de uma elevação para esperar cair a noite, e, medindo com os olhos a mancha negra, pouco maior do que uma praça de aldeia onde havia reunido meus guerreiros, minhas montarias, e minhas armas, começava a meditar sobre sua fragilidade. Haverá coisa mais miserável do que este punhado de homens meio nus, meio cobertos pelos véus azuis, ameaçados pela geada noturna que acabava de fazer prisioneiras as estrelas, ameaçados pela sede e obrigados a poupar os odres até ao poço do nono dia, ameaçados pelo vento de areia que, quando se levanta, mostra o poder de uma revolta, ameaçados enfim pelos golpes que amolecem como fruto o corpo do homem? E o homem só serve para descartar. Existe algo mais frágil do que esses embrulhos de fazenda azul, cuja pouca consistência a devem ao aço das armas, expostos a uma planície hostil? Mas que me importava semelhante fragilidade? Eu os ligava entre si e os salvava de se dispersarem e de morrerem. Bastava organizar para a noite minha figura triangular para distingui-la do deserto. Meu acampamento se fechava como um punho. Já vi o cedro fincar-se no cascalho e salvar da morte o leque das ramagens, pois não existe descanso para o cedro que combate dia e noite nos limites de seus galhos e se alimenta com os próprios fermentos da sua destruição num universo inimigo. O cedro se funda a cada instante. A cada instante eu fundava a minha morada, para ela durar. E, deste agrupamento que um simples sopro teria dispersado, extraía esse fundamento angular irredutível como uma torre e permanente como a roda de proa de um navio. E para que meu acampamento não fosse adormecer e se desvanecer no esquecimento, eu o flanqueava de sentinelas que recebiam os sussurros do deserto. Assim como o cedro absorve o cascalho para mudá-lo em cedro o meu acampamento se alimentava das ameaças vindas de fora. Bendita seja a troca noturna, os mensageiros silenciosos que ninguém ouviu chegar e que aparecem perto das fogueiras agachados, contando sobre aqueles que avançam ao norte ou a passagem das tribos que no Sul vão ao encalço dos camelos roubados, ou o boato de assassinato ao longe e principalmente os projetos daqueles que ficam em silêncio debaixo dos véus e planejam a noite que vem vindo. Tu os ouviste, os mensageiros que vêm contar o seu silêncio! Benditos aqueles que aparecem de repente junto aos nossos fogos, com palavras tão soturnas que os fogos logo são escondidos na areia e os homens mergulham de barriga sobre seus fuzis, ornamentando em volta do acampamento com uma coroa de pólvora.
É que a noite, mal se cerra, torna-se fonte de prodígios.

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