terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A dança é fugaz como um incêndio

E assim dizia meu pai: “Obriga-os a construir juntos uma torre e os transformarás em irmãos. Mas se queres que se odeiem, joga-lhes um punhado de trigo”. E me dizia mais: “Primeiro me tragam o fruto do seu trabalho. Que façam desaguar nos meus celeiros o rio das suas colheitas. Que se construam em mim nos seus celeiros. Quero que sirvam a minha glória quando açoitam o trigo e a casca dourada estoura em volta. Porque então o trabalho que era função para o alimento, se transforma em cântico. Tenho menos pena daqueles cujas costas se curvam sob os pesados sacos quando os trazem para o moinho. Ou que os que trazem de lá, brancos de farinha. O peso do saco os engrandece como uma oração. E ficam a rir alegremente, quando trazem o feixe de centeio, como se fosse um candelabro de grãos, com suas pontas e o seu brilho. Pois uma civilização repousa sobre o que exige dos homens, não sobre o que lhes fornece. É verdade que eles voltam esgotados e depois se alimentam desse trigo. Mas não está voltada para o homem a face importante das coisas. O que os alimenta na alma não é o que recebem do trigo. É o que lhe dão. “Insisto, mais uma vez, que se deve desprezar essas tribos que recitam os poemas de outro e comem o trigo de outro ou mandam vir arquitetos assalariados para lhes edificarem as cidades. Só merecem um nome, sedentários. E não vejo ao redor deles, semelhante a uma auréola, o pó do trigo que se malha. “É justo que eu receba ao mesmo tempo em que dou, para poder continuar a dar. Abençoo essa troca entre o dar e o receber, que permite prosseguir na marcha e dar mais adiante ainda. E, se a devolução permite que o corpo se recomponha, é somente a dádiva que alimenta a alma. “Eu vi dançarinas preparar suas danças. E a dança, uma vez criada e dançada, ninguém consegue transformar em fruto de trabalho para converter em provisões. A dança é fugaz como um incêndio. E, no entanto, considero civilizado o povo que compõe suas danças, embora não haja para as danças nem colheita nem celeiros. Ao passo que chamo de bruto o povo que alinha nas prateleiras os objetos nascidos do trabalho de outro, mesmo que seja capaz de se inebriar com a perfeição deles.


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