E
durante toda a noite vigiava os meus homens, sob o crepitar da areia que se
levantava e corria pelas dunas, para as desfazer e as formar um pouco mais
adiante. Nessa noite sem idade, em que a lua aparecia e desaparecia na fumaça
avermelhada que os ventos levavam consigo. E escutava as sentinelas se chamarem
ainda umas às outras, nos três cantos do acampamento triangular — mas suas
vozes eram apenas longos gritos sem crença, mais tristes ainda pela solidão que
os envolvia.
E eu dizia a Deus: “Não há nada
para os acolher...Sua velha linguagem se desgastou. Os prisioneiros de meu pai
eram infiéis, mas cercados por um império forte. Meu pai lhes enviou um cantor
ao qual respondia um império. Por isso em apenas uma noite o poder de seu verbo
os converteu. Mas esse poder não era dele, e sim do império.
“Mas não tenho cantores, e nem
verdades, e nem possuo um manto para me fazer pastor. Será que terão que se
matar uns aos outros e começar a corromper a noite com essas facadas que vão
diretas ao ventre e são inúteis como a lepra? Em nome do que os hei de juntar?
”
E aqui e ali apareciam falsos
profetas, que conseguiam juntar alguns adeptos. E os fiéis, embora raros, se encontravam
animados e prontos a morrer por suas crenças. Mas as crenças deles não valiam
nada para os outros. E as crenças se opunham todas umas às outras. E assim se
construíam igrejinhas, que se odiavam umas às outras, por ter o costume de
dividir tudo em erro e em verdade. E o que não é verdade é erro e o que não é
erro é verdade. Mas eu, que sei muito bem que o erro não é o contrário da
verdade, mas sim um arranjo diferente, outro templo construído com as mesmas
pedras, nem mais verdadeiro nem mais falso, mas sim outro, ao descobri-los
dispostos a morrer por verdades ilusórias, isso me cortava a alma. E implorava
a Deus: "Não poderias me ensinar uma verdade que domine todas as verdades
individuais deles e as acolha todas no seu seio? Se, destas ervas que se
devoram umas às outras, eu fizer uma árvore que uma alma única anime, então
este ramo aproveitará a prosperidade do outro ramo e toda a árvore será apenas
colaboração maravilhosa e expansão ao sol.
“Não terei eu uma alma bastante
grande para os conter? ”
Os virtuosos eram
ridicularizados e os mercadores triunfavam. Vendiam. Alugavam as virgens.
Saqueavam as provisões de cevada que eu tinha reservado para períodos de fome.
Assassinavam. Mas eu não era ingênuo ao ponto de atribuir o fim do império a
este fracasso da virtude, sabia perfeitamente que o fracasso da virtude era
devido ao fim do império.
“Senhor, rogava eu, me conceda
essa imagem pela qual eles se trocarão no fundo da alma. E todos, através de
cada um, crescerão em poder. E a virtude será signo do que eles são”.
https://www.catarse.me/cidadela
Nenhum comentário:
Postar um comentário