quarta-feira, 5 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 1

Por volta do meio-dia daquele último dia de julho de 1944, a Riviera, em pleno verão, desfrutava de um céu sem nuvens que se estendia sobre um mar azul até as margens da Córsega. O sul da França aguardava o fim de uma paz enganadora; as tropas aliadas estavam prestes a atravessar o Mediterrâneo para libertar a Provença da ocupação alemã. Aquele tempo magnífico era uma espécie de bênção antes do início da batalha, um último presente para todos, exceto para um aviador solitário que regressava à Córsega após uma missão de reconhecimento ao longo do vale do Ródano. Os boletins meteorológicos afirmavam que, ao chegar à costa, o piloto podia contar com uma cobertura de nuvens capaz de evitar sua localização pelos pilotos de caça alemães. Mas, ao contrário do que tinha sido anunciado pelas previsões, o céu prestava-se perfeitamente bem para uma emboscada aérea.


O aviador solitário era Antoine de Saint-Exupéry. Em mais de vinte anos de voo, sofrera diversos acidentes cujas consequências poderiam dar inesperada vantagem a algum eventual atacante. A sua corpulência, apertada por uma roupa volumosa, fazia-o sentir-se in­cômodo no espaço exíguo de uma cabine de pilotagem. Não con­seguia se virar para vigiar o aparecimento do inimigo sem que este movimento não lhe provocasse dores nos antigos ferimentos. Pela mesma razão, não lhe era possível utilizar para-quedas. O avião não dispunha de nenhuma arma e, em caso de perigo, a única opção de Saint-Exupéry seria aproveitar ao máximo as capacidades excep­cionais de velocidade e altitude de seu Lightning P-38 ou soçobrar com ele.

Alguns minutos após o meio-dia, a silhueta característica do Lightning, com seus duplos estabilizadores, surgiu a oeste de Nice. O aparelho estava voando muito baixo, depois virou em direção ao mar e desapareceu na baía dos Anjos, entre Nice e Mônaco. Atrás dele, um caça alemão subiu após uma descida em picada e regressou à base.
Os últimos momentos de Saint-Exupéry foram reconstituídos através de testemunhos visuais que sugerem que ele se desviou um pouco da rota de seu plano de voo e se encontrava abaixo da alti­tude segura de 6.000 metros, antes de seu avião submergir-se no mar. Esses detalhes permitem supor que ele teria podido escapar do ataque se não tivesse cedido, como se imagina, à irresistível nostal­gia, tema dos seus principais livros.

Sua missão de reconhecimento fotográfico do vale do Ródano começara em Bastia, no norte da Córsega, às 8h45 daquela segunda- -feira 31 de julho. Ela o conduzira ao leste de Lyon, a apenas 60 quilômetros do castelo da família, em Saint-Maurice-de-Rémens, onde vivera o período mais feliz de sua juventude. Tantas vezes percorrera essa região antes da guerra, de carro, trem ou avião, que cada palmo do terreno até a costa mediterrânea lhe era familiar. Após um voo de observação semelhante, efetuado em 29 de junho, chamaram a atenção de Saint-Exupéry ter se desviado da rota depois de sobrevoar o lago de Annecy, uma região que lhe recordava a infância.

Um pouco antes de sua queda no mar, três dos seus locais pre­diletos podem tê-lo levado a afastar-se um ou dois minutos de seu itinerário de regresso em direção a oeste, quando ele atingiu a Pro- vença, sua região preferida. Sua mãe morava em Cabris, no interior de Grasse. Ele a visitara pela última vez em dezembro de 1940, antes de um exílio nos Estados Unidos que duraria dois anos. Mais para oeste, encontrava-se o castelo de La Môle, perto de Saint-Tropez, ao qual seu pai fora transportado na tarde de sua morte, quando Antoine tinha 3 anos de idade. Entre esses dois locais situava-se a igreja de Agay, na qual se casara em 1931 com uma sul-americana, Consuelo Suncin.

Com relação à duração do voo, o desvio não era significativo. Além do mais, graças a uma pequena mudança de direção para leste, Saint-Exupéry também poderia ver a vila na qual passara alguns dos momentos mais idílicos de sua vida com Consuelo. Isso tinha acontecido na época em que escrevera Voo Noturno, seu relato dos tempos heroicos da aviação pioneira na Argentina. Em 31 de julho de 1944, o terraço da vila, recoberto por uma parreira, teria sido o melhor local de observação dos últimos momentos da vida de Saint-Exupéry.

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