sexta-feira, 21 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 17

Esse fascínio nacional pela aviação teve extraordinário impulso a partir de 1909, após o vôo de Blériot sobre o canal da Mancha. Em 1912, adquirira importância capital na vida de Ambérieu. O Journal de l’Air produzia um folhetim diário intitulado “Os homens do Ar”, no qual se mesclavam romance e perigo. No mesmo ano, o teatro do Grand-Guignol, em Lyon, respondia ao crescente entusiasmo montando uma peça, Le Grand Oiseau (O Grande Pássaro), cheia de heroísmo e traição melodramática, na qual um acidente aéreo era simulado no palco.
           
O avião em que Blériot atravessou o Canal da Mancha em 1909
Na Páscoa foi organizado um festival de três dias para inaugurar a escola de pilotos da aviação civil e militar de Ambérieu. Antoine geralmente ia passar as férias da Páscoa em Saint-Maurice, e é provável que tenha sido um dos 10.000 espectadores que assistiram às demonstrações de Mouthier; René Vidart, que tinha vencido recentemente a corrida Paris-Roma; Jules Védrines, detentor do recorde mundial de velocidade; Marius Lacrouze, comandante da escola de aviação Deperdussin; e de outros pilotos menos conhecidos.
            Essa ocasião ficou marcada na memória de Annette Flamand, nascida em Saint-Maurice no mesmo ano que Antoine. Seus pais possuíam um café e uma empresa de transportes, ambos localizados numa casa onde ela ainda morava oitenta anos mais tarde, e as imagens mais significativas não foram para ela a imensa multidão nem as acrobacias aéreas. Em função da festa, ela ostentava uma roupa primaveril: um vestido cinza e um chapéu que combinava com ele, enfeitado com fitas pretas. No primeiro dia, sábado 27 de abril, ao meio-dia, os vôos foram interrompidos por um violento temporal e um forte vento do norte, que destruíram seu chapéu novo.
           
O resto do festival foi freqüentemente interrompido pela chuva, porém uma bruma tenaz não impediu os pilotos de decolarem. Incapaz de regressar ao campo de aviação, um aviador foi obrigado a aterrissar a 20 quilômetros dali.
            Os comerciantes locais financiaram um desfile aberto por uma réplica em tamanho natural de um avião de madeira puxado por um cavalo. Atrás do “piloto”, quatro rapazinhos com uniforme de aviador escoltavam a garota mais bonita da localidade. As ruas estavam decoradas com bandeiras, enquanto a banda de música do 23a regimento tocava marchas para os espectadores, entre os quais figuravam alguns senadores e deputados, e até mesmo um antigo ministro do Exército. Várias pessoas receberam seu batismo do ar, inclusive corteses aldeães que cercavam os pilotos com entusiasmo frenético.
           
Anúncio do Aéro Club de France, 1912
A renda obtida com a venda dos programas, a 50 centavos cada um, serviu para financiar a aviação militar, gesto patriótico acompanhado pela marcha intitulada À Nous les Airs, escrita pelo chefe da banda do regimento. A letra tornou-se uma balada popular, cantada por diversos aspirantes a piloto da idade de Antoine. Os dois primeiros versos continham muito mais do que um inocente sonho de vôo:

Chegou a época sonhada por ícaro
O homem conquistou o império dos pássaros.

      No âmbito nacional, a aviação era considerada a forma de desafiar o Império Britânico, sentimento que aparece na segunda estrofe, que começava assim:

            O inglês, que quer ser o dono do mundo
            Não se cansa de construir navios?

 Essa visão profética do poderio aeronáutico ameaçando o domínio marítimo britânico já se traduzia em fatos reais. Os franceses foram os primeiros a acreditar na aviação. Em 1912, cerca de 1.000 licenças de vôo foram emitidas pelo Aeroclube da França, cerca de três vezes mais do que na Grã-Bretanha ou na Alemanha. Nos Estados Unidos havia apenas 200 pilotos licenciados.
            O festival de Ambérieu foi um adeus não-premeditado à idéia do vôo amador. Os tempos heróicos estavam sendo suplantados pelo profissionalismo, enquanto o alegre ideal dos êmulos de Ícaro era ultrapassado pelo desenvolvimento de máquinas de combate utilizadas nas guerras européias. O avião que levou Saint-Exupéry em sua primeira viagem acima do solo era um protótipo militar. Os dois homens que o construíram e pilotavam seriam vítimas prematuras da corrida para a destruição da Alemanha.

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