Esse
fascínio nacional pela aviação teve extraordinário impulso a partir de 1909,
após o vôo de Blériot sobre o canal da Mancha. Em 1912, adquirira importância
capital na vida de Ambérieu. O Journal de l’Air produzia um folhetim diário
intitulado “Os homens do Ar”, no qual se mesclavam romance e perigo. No mesmo
ano, o teatro do Grand-Guignol, em Lyon, respondia ao crescente entusiasmo
montando uma peça, Le Grand Oiseau (O Grande Pássaro), cheia de heroísmo e
traição melodramática, na qual um acidente aéreo era simulado no palco.
O avião em que Blériot atravessou o Canal da Mancha em 1909 |
Essa ocasião ficou marcada na memória de Annette Flamand, nascida em
Saint-Maurice no mesmo ano que Antoine. Seus pais possuíam um café e uma
empresa de transportes, ambos localizados numa casa onde ela ainda morava
oitenta anos mais tarde, e as imagens mais significativas não foram para ela a
imensa multidão nem as acrobacias aéreas. Em função da festa, ela ostentava uma
roupa primaveril: um vestido cinza e um chapéu que combinava com ele, enfeitado
com fitas pretas. No primeiro dia, sábado 27 de abril, ao meio-dia, os vôos
foram interrompidos por um violento temporal e um forte vento do norte, que
destruíram seu chapéu novo.
Os comerciantes locais financiaram um desfile aberto por uma réplica em tamanho
natural de um avião de madeira puxado por um cavalo. Atrás do “piloto”, quatro
rapazinhos com uniforme de aviador escoltavam a garota mais bonita da
localidade. As ruas estavam decoradas com bandeiras, enquanto a banda de música
do 23a regimento tocava marchas para os espectadores, entre os quais figuravam
alguns senadores e deputados, e até mesmo um antigo ministro do Exército.
Várias pessoas receberam seu batismo do ar, inclusive corteses aldeães que
cercavam os pilotos com entusiasmo frenético.
Anúncio do Aéro Club de France, 1912 |
Chegou a época sonhada por ícaro
O homem conquistou o império dos pássaros.
No âmbito nacional, a aviação era considerada a forma de desafiar o Império
Britânico, sentimento que aparece na segunda estrofe, que começava assim:
O inglês, que quer ser o dono do
mundo
Não se cansa de construir navios?
Essa visão
profética do poderio aeronáutico ameaçando o domínio marítimo britânico já se
traduzia em fatos reais. Os franceses foram os primeiros a acreditar na
aviação. Em 1912, cerca de 1.000 licenças de vôo foram emitidas pelo Aeroclube
da França, cerca de três vezes mais do que na Grã-Bretanha ou na Alemanha. Nos
Estados Unidos havia apenas 200 pilotos licenciados.
O festival de Ambérieu foi um adeus não-premeditado à idéia do vôo amador. Os
tempos heróicos estavam sendo suplantados pelo profissionalismo, enquanto o
alegre ideal dos êmulos de Ícaro era ultrapassado pelo desenvolvimento de
máquinas de combate utilizadas nas guerras européias. O avião que levou
Saint-Exupéry em sua primeira viagem acima do solo era um protótipo militar. Os
dois homens que o construíram e pilotavam seriam vítimas prematuras da corrida
para a destruição da Alemanha.
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