sábado, 8 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 4

CINCO CRIANÇAS EM UM PARQUE

O quarto no andar superior que Antoine dividia com seu jovem irmão François em Saint-Maurice-de-Rémens, do lado leste, dá para o imenso parque do castelo e, da janela, distinguem-se ao longe as encostas arborizadas das montanhas de Bugey. O cenário possui uma magia natural: no outono as florestas ficam levemente mascaradas por uma neblina que se movimenta e, no verão, por brumas de calor. O inverno é rude e a neve às vezes densa. Na pureza cristalina do início da primavera, as rochas calcárias que dominam o leito do Albarine, pequeno rio turbulento, parecem estar ao alcance da mão.
Para o jovem Antoine, as colinas sombrias anunciavam uma re­gião longínqua, repleta de mistérios e de segredos evocadores ou aterrorizantes. De sua janela percebia, além dos vinhedos e dos pastos que começavam nos limites do parque do castelo da família, as en­costas escarpadas onde o homem, há 2.000 anos, lutava contra a natureza ou as invasões inimigas. Quase na frente do castelo de Saint- Maurice, Antoine podia contemplar a imponente torre Saint-Denis, erguida como sentinela na entrada do vale estreito, vigiando o antigo caminho romano que ia de Lyon a Genebra. Menos visível porém mais impressionante, elevava-se a imensa fortaleza de Allymes, cuja silhueta clara sobressaía entre a floresta circundante. Dessas praças fortes, os senhores medievais outrora controlavam o acesso aos cursos do Ain, o rio mais pitoresco da região. Nos arredores, eles impunham a lei e a ordem, um cerimonial e códigos religiosos destinados ao esquecimento, enquanto as muralhas resistiram ao desgaste do tempo.
As imagens desse mundo cavalheiresco, que devia sua força tanto à sabedoria quanto às armas, acompanhariam Saint-Exupéry ao longo de toda a vida — chegando a inspirar seu último livro, Cidadela, publicado após sua morte. Nesse relato de aventuras bíblicas, em que os ideais muçulmano e cristão coabitam num palácio místico, nos confins do deserto, ele medita sobre os ensinamentos da longa viagem que, muito além dos limites de seu jardim de Saint-Maurice, o levou a descobrir a confusão do vasto mundo.
Em Piloto de Guerra, Saint-Exupéry evocará o parque do castelo nos seguintes termos: “Eu pertenço à minha infância. Pertenço à minha infância como a um país.” Ele passou pela primeira vez pelo vasto portão de ferro e pela alameda com quatro fileiras de tílias no dia de seu batizado, na capela da família, com 6 semanas de vida. Nascera em 29 de junho de 1900 no apartamento lionês de seus pais, no número 8 da rue Alphonse-Fochier. Essa rua, perto da Place Bellecour, no centro de Lyon, mais tarde se chamará rue du Peyrat. Levando em consideração as profundas convicções reli­giosas da família, o arcebispo de Lyon autorizou um batismo provisório no dia seguinte ao do nascimento, a fim de dar tempo para que os parentes próximos fossem convidados a uma cerimônia solene, em honra ao herdeiro do título de conde de Saint-Exupéry, cuja origem remontava ao século XIII. Os parentes paternos tinham de viajar um dia inteiro desde Le Mans, enquanto a família da mãe chegava da Provença de trem. Era preciso tempo para preparar a recepção oferecida nos jardins, onde os trezentos aldeões estariam quase todos presentes, na qualidade de convidados ou domésticos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário