sexta-feira, 14 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 10

            Entre as centenas de fotografias da família de Antoine, as que evocam mais nostalgia são as tiradas sobre a relva de Saint-Maurice. Marie, grande, elegante e coquete, está rodeada pelos cinco filhos. Cada um deles revela um caráter singular. A mais velha, Marie-Madeleine, evitava a companhia dos adultos refugiando-se num canto do sótão que ela chamava de seu quarto chinês; lá ela lia, jogava paciência ou catalogava sua coleção de postais de flores e animais. Simone, que vinha depois dela, era a contadora de histórias da família, e esse talento produziria um sentimento de frustração em sua vida, porque, apesar da fama do irmão, nunca conseguiu publicar suas obras. Assim como sua irmã mais velha, foi educada em casa, tanto no apartamento lionês de Madame de Tricaud, quanto em Saint-Maurice. Seu caráter era jovial, autoritário e excêntrico, e de bom grado tornava-se cúmplice de Antoine em suas expedições pelos arredores de Saint-Maurice, encantada por escapar da professora alemã, paciente sofredora, que aparece em suas memórias apenas com o nome de Fräulein.
            
          O segundo filho, François, tinha um temperamento meigo, muito parecido com o da irmã Marie-Madeleine, e vivia à sombra de Antoine, aceitando sua autoridade exigente e dominadora até chegarem ao confronto físico para solucionar algum mal-entendido. Finalmente, havia Gabrielle, uma bela menina, sucessivamente vítima ou heroína de suas brincadeiras românticas. Gabrielle foi a única deles que teve filhos. Ela recriou para eles a atmosfera indulgente de Saint-Maurice em seu castelo de Agay, na costa mediterrânea, que se transformou no refúgio preferido de Antoine na idade adulta. Os filhos de Gabrielle foram os últimos a aproveitar o talento de Marie para assegurar prazeres inocentes. Esperavam com tal impaciência as visitas da avó que brigavam para carregar sua mala, até que ela teve a idéia de trazer malas vazias, para poder contentar a todos.

            Mas o retrato mais notável de todas as fotos da família é o de Antoine. Desde a mais tenra idade é possível reconhecer seu olhar audacioso numa fisionomia que já mostra uma forte personalidade, e sua abundante cabeleira dourada lhe valia o apelido de “Rei Sol”. Quarenta anos mais tarde, reencontraremos uma representação romântica de sua coroa de cabelos loiros nos ingênuos desenhos do Pequeno Príncipe, numa época em que ele podia refletir sobre a ironia do destino que o despojava progressivamente de tanta beleza, como uma punição por se tornar adulto.

            O grupo familiar ficava ainda mais unido quando a mãe lhe contava histórias inspiradas na Bíblia ou em qualquer outra obra edificante, à sombra das tílias. Na maior parte do tempo, eles agrupavam-se em alianças flutuantes, segundo seus temperamentos e interesses do momento. Todos os traços de caráter que tornavam Antoine um companheiro tão sedutor quanto invasor já podiam ser discernidos desde a infância. Considerava natural ser o principal centro de interesse, como se lhe parecesse lógico ser o preferido. Não dava descanso à mãe, seguindo-a por todos os lugares com a poltro- ninha na qual se instalava para vê-la pintar ou bordar, exigindo incessantemente que ela lhe contasse os mesmos relatos bíblicos. Anos mais tarde, seus amigos tinham de se resignar a aceitar seus telefonemas a qualquer hora do dia ou da noite quando ele cismasse em lhes pedir conselho sobre seus escritos ou contar-lhes alguma aventura. Adotara esse hábito ainda muito jovem, quando acordava seus irmãos e irmãs de madrugada e os obrigava a acompanhá-lo até o quarto da mãe para ler um conto ou um poema que tinha acabado de escrever. Era impossível resistir às suas exigências: a teimosia era outra característica de Antoine, que o acompanharia durante toda a vida. Uma gentileza natural compensava seu lado autoritário. Sua mãe escreveu que, quando criança, desviava-se de seu caminho para evitar pisar em lagartas e subia nos pinheiros do parque para tentar domesticar pombas-rolas.

Os filhos de Marie de Saint-Exupéry.
Da esquerda para a direita, Marie-Madeleine, Gabrielle, François, Antoine e Simone

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