Entre as centenas de fotografias da família de Antoine, as
que evocam mais nostalgia são as tiradas sobre a relva de Saint-Maurice. Marie,
grande, elegante e coquete, está rodeada pelos cinco filhos. Cada um deles
revela um caráter singular. A mais velha, Marie-Madeleine, evitava a
companhia dos adultos refugiando-se num canto do sótão que ela chamava de seu
quarto chinês; lá ela lia, jogava paciência ou catalogava sua coleção de postais
de flores e animais. Simone, que vinha depois dela, era a contadora de
histórias da família, e esse talento produziria um sentimento de frustração em
sua vida, porque, apesar da fama do irmão, nunca conseguiu publicar suas obras.
Assim como sua irmã mais velha, foi educada em casa, tanto no apartamento
lionês de Madame de Tricaud, quanto em Saint-Maurice. Seu caráter era jovial,
autoritário e excêntrico, e de bom grado tornava-se cúmplice de Antoine em suas
expedições pelos arredores de Saint-Maurice, encantada por escapar da
professora alemã, paciente sofredora, que aparece em suas memórias apenas com o
nome de Fräulein.
O segundo filho, François, tinha um temperamento meigo, muito parecido com o da irmã Marie-Madeleine, e vivia à sombra de Antoine, aceitando sua autoridade exigente e dominadora até chegarem ao confronto físico para solucionar algum mal-entendido. Finalmente, havia Gabrielle, uma bela menina, sucessivamente vítima ou heroína de suas brincadeiras românticas. Gabrielle foi a única deles que teve filhos. Ela recriou para eles a atmosfera indulgente de Saint-Maurice em seu castelo de Agay, na costa mediterrânea, que se transformou no refúgio preferido de Antoine na idade adulta. Os filhos de Gabrielle foram os últimos a aproveitar o talento de Marie para assegurar prazeres inocentes. Esperavam com tal impaciência as visitas da avó que brigavam para carregar sua mala, até que ela teve a idéia de trazer malas vazias, para poder contentar a todos.
Mas o retrato mais notável de todas as fotos da família é
o de Antoine. Desde a mais tenra idade é possível reconhecer seu olhar
audacioso numa fisionomia que já mostra uma forte personalidade, e sua
abundante cabeleira dourada lhe valia o apelido de “Rei Sol”. Quarenta anos
mais tarde, reencontraremos uma representação romântica de sua coroa de cabelos
loiros nos ingênuos desenhos do Pequeno Príncipe, numa época em que ele podia
refletir sobre a ironia do destino que o despojava progressivamente de tanta beleza,
como uma punição por se tornar adulto.
O grupo familiar ficava ainda mais unido quando a mãe lhe
contava histórias inspiradas na Bíblia ou em qualquer outra obra edificante, à
sombra das tílias. Na maior parte do tempo, eles agrupavam-se em alianças
flutuantes, segundo seus temperamentos e interesses do momento. Todos os traços
de caráter que tornavam Antoine um companheiro tão sedutor quanto invasor já
podiam ser discernidos desde a infância. Considerava natural ser o principal
centro de interesse, como se lhe parecesse lógico ser o preferido. Não dava
descanso à mãe, seguindo-a por todos os lugares com a poltro- ninha na qual se
instalava para vê-la pintar ou bordar, exigindo incessantemente que ela lhe
contasse os mesmos relatos bíblicos. Anos mais tarde, seus amigos tinham de se
resignar a aceitar seus telefonemas a qualquer hora do dia ou da noite quando
ele cismasse em lhes pedir conselho sobre seus escritos ou contar-lhes alguma
aventura. Adotara esse hábito ainda muito jovem, quando acordava seus irmãos e
irmãs de madrugada e os obrigava a acompanhá-lo até o quarto da mãe para ler um
conto ou um poema que tinha acabado de escrever. Era impossível resistir às
suas exigências: a teimosia era outra característica de Antoine, que o
acompanharia durante toda a vida. Uma gentileza natural compensava seu lado
autoritário. Sua mãe escreveu que, quando criança, desviava-se de seu caminho
para evitar pisar em lagartas e subia nos pinheiros do parque para tentar
domesticar pombas-rolas.
Os filhos de Marie de Saint-Exupéry. Da esquerda para a direita, Marie-Madeleine, Gabrielle, François, Antoine e Simone |
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