quinta-feira, 20 de julho de 2017

TERRA DOS HOMENS - 15

 II

            Desde minha primeira viagem, conheci o gosto do deserto. Havíamos caído, Riguelle, Guillaumet e eu, perto do fortim de Nouatchott. Esse pequeno posto militar da Mauritânia era, naquele tempo, tão isolado da vida como uma ilhota perdida no mar. Ali vivia encerrado um velho sargento com seus 15 senegaleses. Recebeu-nos como a enviados do Céu:

            — Ah, para mim, falar com vocês é um acontecimento! Ah, é um acontecimento!...

             Era um acontecimento: ele chorava.

            — Nestes seis meses, vocês são os primeiros. É de seis em seis meses que me reabastecem de viveres. Às vezes vem o tenente, às vezes vem o capitão.

            Nós ainda estávamos atordoados. A duas horas de Dacar, onde íamos almoçar, um desarranjo do motor mudara nosso destino. E ali estávamos fazendo o papel de assombrações para o velho sargento que chorava.

            — Ah, bebam! Eu tenho um grande prazer em oferecer um pouco de vinho. Imaginem: quando o capitão passou, não havia mais vinho para o capitão.

            Já contei isso num livro, mas não é romance. Ele nos disse:

            — Na última vez, eu nem ao menos pude bater os copos com ele... Fiquei tão envergonhado que pedi que me substituíssem...

            Bater os copos!... Fazer tinir num brinde vigoroso os copos com alguém que desce do dromedário, ensopado de suor! Durante seis meses, ele havia vivido para aquele minuto. Desde um mês antes, já se limpavam as armas, já se arrumava o posto inteiro, do celeiro ao paioL Alguns dias antes, sentindo a aproximação do dia abençoado, ele já vigiava infatigavelmente do alto do terraço o horizonte para descobrir aquele ponto de poeira de onde sairia a coluna volante de Atar...

            Mas o vinho falta: não se pode celebrar a festa. Não se podem bater os copos. E ele sente-se como que desonrado...

            — Tenho pressa de que ele volte. Estou esperando...

            — Onde é que ele está, sargento?

            E o sargento, mostrando as areias:

            — Não se sabe, ele anda por toda parte, o capitão!

            Foi realmente assim, aquela noite passada no terraço do fortim a conversar sobre as estrelas. Não havia outra coisa a ver senão as estrelas. Lá estavam elas, todas, como se estivéssemos em um avião — mas fixas.

            No avião, quando a noite é muito bela, a gente se deixa ir, quase não dirige — e o avião pouco a pouco se inclina para a esquerda. A gente pensa que ele ainda está horizontal, quando descobre, sob a asa direita, uma aldeia. Mas no deserto não há aldeias. Outras vezes a gente descobre uma fiotilha de pesca. Mas ao largo do Saara não há flotilhas de pesca no mar. E então? Então, a gente sorri do erro. Docemente, corrige a posição do aparelho. E a aldeia volta a seu lugar. Repomos na panóplia a constelação que tínhamos deixado cair. Aldeia? Sim, uma aldeia de estrelas. Mas do alto do fortim vê-se apenas o deserto como um grande mar gelado, com as ondas de areia imóveis. As constelações bem-pregadas em seus lugares. E o sargento nos fala delas:

            — Olhe, eu conheço bem as direções. Apontando a proa para aquela estrela, vai-se direto a Túnis.

            — Você é de Túnis?

            — Eu, não. Minha prima.

            Faz-se um longo silêncio. Mas o sargento não ousa nos esconder nada:

            — Um dia hei de ir a Túnis.

            Certamente, irá por um outro caminho, não marchando em linha reta sob aquela estrela. A menos que um dia qualquer, numa expedição, o sargento, com sede, encontre um poço esgotado. Então cairá em delírio, e a estrela, Túnis e a prima se confundirão. Então começará a marcha inspirada que os profanos julgam dolorosa.

            — Uma vez pedi licença ao capitão para ir a Túnis ver minha prima. Ele respondeu...

             — Que foi que ele respondeu?

            — Respondeu: "Ora, o mundo está cheio de primas.” E, como era mais perto, me mandou para Dacar.

            — Bonita, sua prima?

            — A de Túnis? Se é... É loura...

            — Não, a de Dacar...

            Sargento, tivemos vontade de abraçá-lo quando nos veio sua resposta um pouco despeitada e melancólica:

            — Era preta...

            Que era o Saara para você, sargento? Um deus perpetuamente em marcha para o seu fortim. E também a doçura de uma prima loura atrás de cinco mil quilômetros de areia.


            Que era o deserto para nós? Era aquilo que nascia em nós. O que sentíamos em nós mesmos. Nós também, naquela noite, estávamos enamorados de uma prima e de um capitão...


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