sábado, 15 de julho de 2017

VOO NOTURNO - 14

 CAPITULO XIII

            — O correio de assunção segue sem problemas. Em cerca de duas horas vamos tê-lo aqui. Prevemos, no entanto, um atraso importante do correio da Patagônia, que parece estar em dificuldades.

            — Sim, senhor Rivière.

            E provável que não o esperemos para ordenar que o avião da Europa decole: assim que o correio de Assunção chegar, peça-nos instruções. Esteja pronto.

            Rivière relia agora os telegramas de proteção das escalas do Norte. Eles abriam para o correio da Europa uma rota de luar: “Céu limpo, lua cheia, vento nulo”. As montanhas do Brasil, bem recortadas sob a luminosidade do céu, mergulhavam nos redemoinhos prateados do mar, sua vasta cabeleira de florestas negras, sobre as quais choviam, incessantemente, sem colori-las, os raios da lua. E, no mar, negras como os destroços, as ilhas. E essa lua, incansável durante todo o caminho, uma fonte de luz.

            Se Rivière desse a ordem para partir, a tripulação do correio da Europa entraria em um mundo estável, que brilhava suavemente durante toda a noite. Um mundo no qual nada ameaçava o equilíbrio das massas de sombra e de luz. No qual não se infiltrava nem mesmo a carícia desses ventos puros que, quando aumentam, podem estragar um céu inteiro em algumas horas.

            Mas Rivière hesitava, diante daquela irradiação de luz, da mesma forma que um prospector de ouro diante de um campo aurífero proibido. Os acontecimentos no Sul desmentiam Rivière, único defensor dos voos noturnos. Seus adversários aproveitariam um desastre na Patagônia para obter uma posição moral tão forte que, talvez, tornasse a fé de Rivière impotente; porque sua fé ainda não estava abalada: uma fissura na sua obra havia permitido o drama, mas este apenas mostrava a fissura, não provava nada mais. “Talvez sejam necessários postos de observação a Oeste... Veremos.” Pensava ainda: “Tenho as mesmas razões sólidas para insistir, e uma causa a menos de acidente possível: a que se revelou”. As derrotas fortalecem os fortes. Infelizmente, jogamos contra os homens um jogo no qual o verdadeiro sentido das coisas conta pouco. Ganhamos ou perdemos segundo as aparências, os pontos que marcamos não são levados em consideração. E ficamos presos por causa de uma aparência de fracasso.

            Rivière chamou:

            — Bahia Blanca não nos comunicou nada por T.S.F.?

            — Não.

            — Chame a escala por telefone para mim.

            Cinco minutos mais tarde, checava:

            — Por que não nos transmitem nada?

            — Não ouvimos o correio.

            — Calou-se?

            — Não sabemos. Muitas tempestades. Mesmo se ele transmitisse, não o escutaríamos.

            — Trelew é capaz de ouvi-los?

             — Nós não ouvimos Trelew.

            — Telefonem.

            — Tentamos: a linha está cortada.

            — Como está o tempo aí?

            — Ameaçador. Relâmpagos a Oeste e ao Sul. Muito pesado.

            — E o vento?

            — Fraco por enquanto, mas durará apenas dez minutos. Os relâmpagos se aproximam rapidamente.

            Um silêncio.

            — Bahia Blanca, vocês estão ouvindo? Chamem-nos dentro de dez minutos.

            E Rivière folheou os telegramas das escalas Sul. Todos assinalavam o mesmo silêncio do avião. Algumas escalas não respondiam a Buenos Aires e, sobre o mapa, aumentava a mancha das províncias mudas, cujas cidadezinhas já sofriam os efeitos do ciclone, com todas as portas fechadas e com cada casa de suas ruas sem luz, tão afastadas do mundo e perdidas na noite como um navio. Somente o amanhecer poderia libertá-las.

            Entretanto, Rivière, inclinado sobre o mapa, ainda con­servava a esperança de descobrir um refúgio de céu límpido, pois havia telegrafado à polícia de mais de trinta cidades da província perguntando o estado do céu, e as respostas começavam a chegar. Em uma área de dez mil quilômetros, os postos de rádio tinham ordem de advertir Buenos Aires em trinta segundos, caso algum deles captasse um chamado de avião. Buenos Aires lhes comunicaria a posição do refúgio para que fosse transmitida a Fabien.

            Os secretários, convocados para uma hora da manhã, tinham voltado aos seus escritórios. Ali, misteriosamente, tomavam conhecimento de que, talvez, os voos noturnos fossem suspensos e que o próprio correio da Europa decolaria somente ao amanhecer. Falavam em voz baixa de Fabien, do ciclone e, sobretudo, de Rivière. Imaginavam-no ali, bem perto deles, esmagado aos poucos por esse desmentido natural.

            Mas todas as vozes desapareceram. Rivière surgiu na porta do escritório, vestindo seu casaco, com um chapéu sobre os olhos, como um eterno viajante. Encaminhou-se com tranquilidade em direção ao chefe do escritório:

            — É uma hora e dez. Os papéis do correio da Europa estão em ordem?

            — Eu... eu pensei...

            — O senhor não tem de pensar, mas sim executar.

            Deu meia-volta, lentamente, em direção a uma janela aberta, com as mãos cruzadas atrás das costas.

            Um secretário aproximou-se:

            — Senhor diretor, temos poucas respostas. Informaram-nos que no interior muitas linhas telegráficas já estão destruídas...

            — Está bem.

            Rivière, imóvel, observava a noite.

            Assim, cada mensagem ameaçava o correio. Cada cidade, quando podia responder, antes da destruição das linhas, falava da chegada do ciclone, como de uma invasão. “Vem do interior, da Cordilheira, varre todo o caminho em direção ao mar...”

            Rivière julgava as estrelas muito brilhantes, o ar muito úmido. Que noite estranha. Estragava-se bruscamente aos pedaços, como a polpa de um fruto luminoso. As estrelas, com grande vigor, dominavam ainda Buenos Aires, mas aquilo era apenas um oásis e duraria um instante. Um porto que, aliás, estava fora do raio de ação da tripulação. Noite ameaçadora, que um vento ruim tocava e fazia apodrecer. Noite difícil de vencer.

            Em alguma parte, um avião estava em perigo nas suas profundezas. Nas margens, havia uma vã agitação.

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