sábado, 22 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 18

A conspiração de Berlim

Não se conhece com precisão a data do batismo do ar de Antoine, embora uma testemunha visual, Alfred Thénoz, tenha reduzido a probabilidade à segunda quinzena de julho de 1912. Algumas precisões suplementares permitiriam saber se Antoine obtivera a permissão da mãe ou se, como afirma outra testemunha, Georges Thibaut, lhe mentira e fora castigado. Embora essa primeira incursão aérea tenha ocorrido em Ambérieu, os riscos eram extremamente elevados, e sem dúvida a permissão deve ter sido concedida com dificuldade. A cada semana, os jornais anunciavam os acidentes de aviação ocorridos no mundo inteiro; além do mais, um acontecimento muito mais próximo consternara toda a região alguns dias antes do primeiro vôo de Antoine.
Os fanáticos pela aviação presentes ao festival de Ambérieu estavam assistindo a uma demonstração aérea em Bourg-en-Bresse, localidade próxima, num 14 de julho. Gaston Olivares, na época detentor dos recordes de velocidade e altitude, era a maior atração. Suas acrobacias, a apenas 70 metros do solo, faziam a multidão sentir calafrios, e o tempo tormentoso deveria ter incitado à prudência. No dia seguinte, o tempo ainda estava instável. Em plena manobra, o avião de Olivares entrou numa turbulência e esmagou-se no solo, matando instantaneamente o piloto. A demonstração foi interrompida. Durante vários dias, o acontecimento foi manchete nos jornais locais, marcando o declínio dos ralis aéreos populares da região. A tendência acelerou-se no ano seguinte, quando o mais jovem piloto profissional francês, Eugène Mercier, que tinha apenas seis anos mais que Antoine, morreu num acidente durante uma demonstração em Ambérieu.
Um piloto de cerca de 30 anos, Gabriel Wroblewski, que usava o pseudônimo de Salvez para ocultar a origem polonesa, levou Antoine em seu primeiro vôo. Durante sessenta anos esse crédito foi injustamente atribuído a Jules Védrines, até o mecânico Alfred Thénoz restabelecer a verdade. Como prova de seu testemunho, apresentou um cartão-postal representando os irmãos Salvez em seu avião e autografado por Saint-Exupéry no final dos anos 30. O escritor acrescentara uma frase ao mesmo, recordando a Thénoz que os dois tinham realizado seu primeiro vôo nesse mesmo aparelho. Segundo Thénoz, Saint-Exupéry sobrevoara duas vezes o aeródromo de Ambérieu.
Georges Thibaut tinha apenas 8 anos. Fora um dos quatro passageiros com roupa cor-de-rosa do avião de madeira que abriu o desfile de inauguração da Páscoa. Como muitos de seus colegas, passava a maior parte das tardes de quinta-feira e dos domingos no campo de aviação, freqüentemente transmitindo recados dos aviadores às suas duas irmãs mais velhas. Thibaut, que mais tarde viraria fotógrafo, foi convidado a voar pela primeira vez por Gabriel Salvez, cujo avião, concebido por Pierre, seu irmão engenheiro, era dos poucos que possuía dois assentos.
Os Salvez pertenciam a uma espécie de pioneiros fanáticos pela
 aeronáutica, que, se tivessem vivido, teriam ocupado importante lugar ao lado dos grandes fabricantes de aviões da Primeira Guerra Mundial, como Fokker e Sopwith. O pai deles, médico de origem polonesa, emigrara para o Chile, deixando-os com a mãe, proprietária de uma fábrica de produtos para pintura, em Lyon. Seus projetos de aviadores custaram-lhe boa parte da fortuna. Entre 1909 e 1914, ano de seu desaparecimento, construíram quatro monoplanos, porém seu primeiro avião espatifou-se em 1910.
Em 1911, quando Gabriel Salvez obteve a licença de vôo a bordo do seu segundo avião a 25 metros acima da pista de Ambérieu, as inovações técnicas dos dois irmãos colocavam-nos na vanguarda da maioria de seus concorrentes. Antoine voou pela primeira vez no terceiro modelo dos irmãos, construído em um hangar de Ambérieu, sob a direção de Pierre Salvez, engenheiro genial, embora aparentemente não possuísse o brilho de seu irmão mais moço, mais esbelto e elegante. O aparelho, equipado com um motor Gnome de 70 cavalos, com uma estrutura totalmente metálica e uma envergadura de 14 metros, ultrapassava de forma considerável a maioria dos modelos daquele ano. Um aparelho idêntico, movido por um motor Laviator de 130 cavalos, foi construído pouco tempo depois para ser submetido à consideração das autoridades do Ministério da Guerra em março de 1914. Na véspera da demonstração, os dois irmãos morreram a bordo do avião, equipado para transportar uma metralhadora, que caiu numa pedreira na beira do campo de aviação de Ambérieu.
Antoine estava no colégio de Le Mans quando os falecimentos foram anunciados nos jornais nacionais e locais. Sua mãe escreveu uma carta de condolência à sra. Wroblewski, informando-lhe que mandara rezar missas pelos dois irmãos que “tinham sido muito bons com o meu filhinho, que ficou totalmente transtornado pela terrível notícia”. Outra carta, assinada por Antoine de Saint-Exupéry, também foi enviada, porém a letra não corresponde às amostras dos seus trabalhos daquele ano, sendo provável que tenha sido redigida pela própria mãe, disfarçando a letra.
Quando Antoine retornou a Saint-Maurice para as férias de Páscoa de 1914, a morte dos irmãos Wroblewski-Salvez tornara-se objeto de sinistras e misteriosas especulações. O irmão deles, Édouard — que secretamente se tornou piloto de prova durante a Primeira Guerra Mundial porque a mãe, enlouquecida de dor, proibira-lhe voar — fez uma investigação e concluiu que o avião fora sabotado, pois os peritos descobriram uma fissura suspeita no suporte de uma asa.
Ele recorda que, uma semana antes do acidente, a porta do hangar fora arrombada. Alguns dias depois da catástrofe, um desconhecido apareceu na localidade, fazendo croquis dos destroços. Meses mais tarde, a sra. Wroblewski aceitou um hóspede alemão em seu apartamento lionês, no qual conservava as plantas dos aviões concebidos pelos filhos. Antes da declaração de guerra, o homem partiu sem aviso prévio, tendo sido posteriormente identificado como espião por um comissário de polícia lionês. Os engenheiros militares que estudaram o protótipo Salvez ficaram chocados com sua semelhança com o Fokker de concepção holandesa, que daria ao exército aéreo alemão uma considerável vantagem no início da guerra. Em 1914, em uma carta ao Progrès de Lyon, Édouard Wroblewski afirmava que o Fokker era uma cópia do protótipo construído pelos seus irmãos.
Um fragmento sem data de um poema de Antoine é a única lembrança direta de seu primeiro voo, porém seu sonho de surpreender as populações locais foi realizado pelos irmãos Salvez. Seu epitáfio foi redigido prematuramente por um repórter anônimo do Progrès de Lyon que, alguns dias antes do acidente, vira-os voar juntos durante uma hora, até a torre medieval de Saint-Denis, antes de regressar ao centro da cidade: “... descrevendo longamente vôos magníficos e de rara audácia; suas curvas em volta do campanário são realmente maravilhosas. O público concentrado nas ruas segue com emoção as curvas imponentes e inclinadas do majestoso pássaro, e aclama o piloto que domina totalmente seu aparelho.”
O jornalista teria podido acrescentar: “Vivam os irmãos Salvez!”

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