A conspiração de Berlim
Os
fanáticos pela aviação presentes ao festival de Ambérieu estavam assistindo a
uma demonstração aérea em Bourg-en-Bresse, localidade próxima, num 14 de julho.
Gaston Olivares, na época detentor dos recordes de velocidade e altitude, era a
maior atração. Suas acrobacias, a apenas 70 metros do solo, faziam a multidão
sentir calafrios, e o tempo tormentoso deveria ter incitado à prudência. No dia
seguinte, o tempo ainda estava instável. Em plena manobra, o avião de Olivares
entrou numa turbulência e esmagou-se no solo, matando instantaneamente o
piloto. A demonstração foi interrompida. Durante vários dias, o acontecimento
foi manchete nos jornais locais, marcando o declínio dos ralis aéreos populares
da região. A tendência acelerou-se no ano seguinte, quando o mais jovem piloto
profissional francês, Eugène Mercier, que tinha apenas seis anos mais que
Antoine, morreu num acidente durante uma demonstração em Ambérieu.
Um
piloto de cerca de 30 anos, Gabriel Wroblewski, que usava o pseudônimo de
Salvez para ocultar a origem polonesa, levou Antoine em seu primeiro vôo.
Durante sessenta anos esse crédito foi injustamente atribuído a Jules Védrines,
até o mecânico Alfred Thénoz restabelecer a verdade. Como prova de seu
testemunho, apresentou um cartão-postal representando os irmãos Salvez em seu
avião e autografado por Saint-Exupéry no final dos anos 30. O escritor acrescentara
uma frase ao mesmo, recordando a Thénoz que os dois tinham realizado seu
primeiro vôo nesse mesmo aparelho. Segundo Thénoz, Saint-Exupéry sobrevoara
duas vezes o aeródromo de Ambérieu.
Georges
Thibaut tinha apenas 8 anos. Fora um dos quatro passageiros com roupa cor-de-rosa
do avião de madeira que abriu o desfile de inauguração da Páscoa. Como muitos
de seus colegas, passava a maior parte das tardes de quinta-feira e dos
domingos no campo de aviação, freqüentemente transmitindo recados dos aviadores
às suas duas irmãs mais velhas. Thibaut, que mais tarde viraria fotógrafo, foi
convidado a voar pela primeira vez por Gabriel Salvez, cujo avião, concebido
por Pierre, seu irmão engenheiro, era dos poucos que possuía dois assentos.
Os
Salvez pertenciam a uma espécie de pioneiros fanáticos pela
aeronáutica, que, se tivessem vivido, teriam
ocupado importante lugar ao lado dos grandes fabricantes de aviões da Primeira
Guerra Mundial, como Fokker e Sopwith. O pai deles, médico de origem polonesa,
emigrara para o Chile, deixando-os com a mãe, proprietária de uma fábrica de
produtos para pintura, em Lyon. Seus projetos de aviadores custaram-lhe boa
parte da fortuna. Entre 1909 e 1914, ano de seu desaparecimento, construíram
quatro monoplanos, porém seu primeiro avião espatifou-se em 1910.
Em
1911, quando Gabriel Salvez obteve a licença de vôo a bordo do seu segundo
avião a 25 metros acima da pista de Ambérieu, as inovações técnicas dos dois
irmãos colocavam-nos na vanguarda da maioria de seus concorrentes. Antoine voou
pela primeira vez no terceiro modelo dos irmãos, construído em um hangar de
Ambérieu, sob a direção de Pierre Salvez, engenheiro genial, embora aparentemente
não possuísse o brilho de seu irmão mais moço, mais esbelto e elegante. O
aparelho, equipado com um motor Gnome de 70 cavalos, com uma estrutura
totalmente metálica e uma envergadura de 14 metros, ultrapassava de forma
considerável a maioria dos modelos daquele ano. Um aparelho idêntico, movido
por um motor Laviator de 130 cavalos, foi construído pouco tempo depois para ser
submetido à consideração das autoridades do Ministério da Guerra em março de
1914. Na véspera da demonstração, os dois irmãos morreram a bordo do avião,
equipado para transportar uma metralhadora, que caiu numa pedreira na beira do
campo de aviação de Ambérieu.
Antoine
estava no colégio de Le Mans quando os falecimentos foram anunciados nos
jornais nacionais e locais. Sua mãe escreveu uma carta de condolência à sra.
Wroblewski, informando-lhe que mandara rezar missas pelos dois irmãos que
“tinham sido muito bons com o meu filhinho, que ficou totalmente transtornado
pela terrível notícia”. Outra carta, assinada por Antoine de Saint-Exupéry, também
foi enviada, porém a letra não corresponde às amostras dos seus trabalhos
daquele ano, sendo provável que tenha sido redigida pela própria mãe,
disfarçando a letra.
Quando
Antoine retornou a Saint-Maurice para as férias de Páscoa de 1914, a morte dos
irmãos Wroblewski-Salvez tornara-se objeto de sinistras e misteriosas
especulações. O irmão deles, Édouard — que secretamente se tornou piloto de
prova durante a Primeira Guerra Mundial porque a mãe, enlouquecida de dor,
proibira-lhe voar — fez uma investigação e concluiu que o avião fora sabotado,
pois os peritos descobriram uma fissura suspeita no suporte de uma asa.
Ele
recorda que, uma semana antes do acidente, a porta do hangar fora arrombada.
Alguns dias depois da catástrofe, um desconhecido apareceu na localidade,
fazendo croquis dos destroços. Meses mais tarde, a sra. Wroblewski aceitou um
hóspede alemão em seu apartamento lionês, no qual conservava as plantas dos
aviões concebidos pelos filhos. Antes da declaração de guerra, o homem partiu
sem aviso prévio, tendo sido posteriormente identificado como espião por um
comissário de polícia lionês. Os engenheiros militares que estudaram o
protótipo Salvez ficaram chocados com sua semelhança com o Fokker de concepção
holandesa, que daria ao exército aéreo alemão uma considerável vantagem no
início da guerra. Em 1914, em uma carta ao Progrès de Lyon, Édouard Wroblewski
afirmava que o Fokker era uma cópia do protótipo construído pelos seus irmãos.
Um
fragmento sem data de um poema de Antoine é a única lembrança direta de seu
primeiro voo, porém seu sonho de surpreender as populações locais foi realizado
pelos irmãos Salvez. Seu epitáfio foi redigido prematuramente por um repórter
anônimo do Progrès de Lyon que, alguns dias antes do acidente, vira-os voar
juntos durante uma hora, até a torre medieval de Saint-Denis, antes de
regressar ao centro da cidade: “... descrevendo longamente vôos magníficos e de
rara audácia; suas curvas em volta do campanário são realmente maravilhosas. O
público concentrado nas ruas segue com emoção as curvas imponentes e inclinadas
do majestoso pássaro, e aclama o piloto que domina totalmente seu aparelho.”
O
jornalista teria podido acrescentar: “Vivam os irmãos Salvez!”
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