segunda-feira, 17 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 13

                                       A amante do rei François e outras histórias

            Saint-Exupéry descobriu uma grande parte de seus ancestrais paternos graças às pesquisas efetuadas pelo avô; por outro lado, o contato com a família materna tornou-se mais pessoal e foi notavelmente embelezado pelo talento de contadora de histórias de Marie, cujo nome de solteira era Boyer de Fonscolombe. A característica militar predominante no lado paterno foi compensada pela veia artística presente na ascendência materna.

            Oriunda da nobreza do século XVIII, a família deixou em Aix- en-Provence uma herança cultural secular. Contam-se entre seus descendentes numerosos pintores, músicos, escritores, colecionadores de arte e cientistas. Desde sua infância, Marie foi incentivada a pintar e a escrever, e seus filhos cresceram num universo do qual conservaram particularmente a lembrança da mãe contando histórias, enquanto pintava seus retratos.

            Aliás, os vínculos de Saint-Exupéry com Le Mans, onde ele estudou com os jesuítas, nunca tiveram o encanto criado pela atmosfera mais calorosa e ensolarada da terra natal da mãe. Ao ficar viúva, Marie refugiou-se com os filhos no castelo familiar de Aix. Quarenta anos mais tarde, a Provença seria a última imagem que Antoine levaria da França, antes de seu avião desaparecer no Mediterrâneo.

            O castelo provençal de La Môle, perto de Saint-Tropez, onde Marie crescera, fora adquirido em 1770. Seu avô, Emmanuel de Fonscolombe, barão de La Môle, casou-se com a filha de um armador marselhês e tornou-se prefeito do povoado, embora passasse parte de seu tempo compondo música. As opiniões monárquicas da família de Fonscolombe eram ainda mais impressionantes que as dos Saint- Exupéry. O tio de Marie, barão Fernand, casado com a herdeira de um Ijanco de Marselha, fora ajudante do conde de Paris, pretendente ao trono da França. O castelo do tio Fernand, em Aix, foi uma das numerosas mansões aristocráticas onde Antoine passou parte de suas férias.

            O sobrenome de solteira da mãe de Marie era Romanet de Lestrange, família feudal com múltiplas ramificações. Entre seus ancestrais figurava uma amante de François I, no século XVI, e um superior da ordem dos trapistas, durante o Primeiro Império, que teria persuadido Napoleão a adotar uma atitude compreensiva com relação às ordens religiosas. Marie possuía apenas um reduzido dote e a condessa de Tricaud precisou ter muita astúcia e perseverança para encontrar-lhe um partido conveniente. Ela se dedicou exaustivamente à busca de um marido possível, especialmente em seu próprio meio.

            Entre seus ancestrais, um marquês, Joseph de Lestrange, fora nomeado barão por Napoleão, em 1814. O marquês casou-se com uma nobre, Adélaïde Green de Saint-Marsault. Em 1790, a prima de Adélaïde, Victoire Green de Saint-Marsault, desposou um fidalgo provinciano, Georges de Saint-Exupéry, conde de Saint-Amans. Esse vínculo tênue lhe foi suficiente para iniciar as negociações de aliança com a família de Saint-Exupéry. O candidato, Jean de Saint-Exupéry, foi enviado a Lyon como agente de seguros para representar a companhia Du Soleil. Marie, que na época tinha apenas 18 anos, foi sondada nos jantares semanais das quartas-feiras e nos saraus musicais oferecidos por tia Gabrielle em seu apartamento lionês da Place Bellecour.

            Um século após o casamento, ainda considera-se que Marie teve sorte ao casar-se com um tão “belo nome”, apesar da posição social de sua própria família e da falta de fortuna de Jean de Saint-Exupéry. No entanto, todos os talentos de casamenteira da tia De Tricaud não foram suficientes para encontrar marido para a irmã de Marie, Madeleine de Fonscolombe, que morreu solteira. Madeleine viria a fazer parte da roda feminina de Saint-Maurice. Uma fotografia sua de perfil, observando o sobrinho, é particularmente interessante, pelos traços herdados dos Fonscolombe. O nariz arrebitado de Antoine, que o tornaria vítima de tanta chacota desde a infância até a idade adulta, provinha de sua família materna.

            Obscuras forças políticas também estiveram presentes nos primeiros anos de Saint-Exupéry. Vista do interior, a identidade de opinião de todos os aristocratas não era tão evidente quanto poderia se supor. O clã monárquico legitimista de Fernand de Saint-Exupéry nutria algumas suspeitas em relação à casta dos Fonscolombe, vinculados ao pretendente orleanista.

            Segundo André de Fonscolombe, atualmente diplomata aposentado, que era o primo preferido de Antoine, suspeitava-se que sua família tivesse sido conspurcada pelas perigosas idéias socialistas pregadas por um dos seus ancestrais do século XVIII, um compositor chamado Emmanuel de Fonscolombe. Na época, os aristocratas esclarecidos tinham sofrido a influência do conde Claude de Saint-Simon, precursor das campanhas em favor da igualdade e divisão da propriedade. Emmanuel era amigo do compositor Félicien David, discípulo de Saint-Simon. Quando as famílias Saint-Exupéry e Fonscolombe uniram-se em 1896, as idéias de Saint-Simon ainda eram consideradas uma traição por muitos monarquistas.

            Para a linhagem militar dos Saint-Exupéry, o compositor Emmanuel de Fonscolombe era considerado um personagem um pouco extravagante. Foi mestre de capela em Aix-en-Provence e membro da academia Santa Cecília, em Roma. Compôs missas e motetes e redigiu um estudo sobre o músico veneziano Carissimi.

            O pai de Marie, Charles de Fonscolombe, também era compositor, e quis que suas duas filhas estudassem piano — lições que elas continuaram em Saint-Maurice. Todos os filhos de Marie aprenderam a tocar algum instrumento, enquanto ela acrescentava a seus múltiplos talentos o de compor música sacra sobre textos em provençal.

            André de Fonscolombe ia freqüentemente a Saint-Maurice, onde recorda ter ouvido, sob a direção de diversos maestros, trechos de Hahn, Fauré, Schumann, Schubert e Massenet. Antoine aprendeu a tocar violino, e seu principal talento consistia num repertório de canções folclóricas que deliciaria seus colegas de escola e mais tarde seus amigos, após ter-se tornado piloto. Nem sempre manifestava grande respeito pelo interesse da mãe pela música contemporânea, particularmente pela de Debussy. Repetia de bom grado uma brincadeira musical, que consistia em fazer rolar laranjas sobre o teclado do piano, desafiando seus âmigos a dizerem que o resultado equivalia a uma partitura de Debussy.

            A abertura de espírito de Marie de Saint-Exupéry em matéria de cultura moderna manifestava-se também na pintura, como pode ser comprovado pelos seus talentos na técnica do pastel. Um dos seus ancestrais, Jean-Baptiste de Fonscolombe, fora membro da Academia de Belas Artes de Marselha e da Academia Italiana Del Di- segno. Sua inspiração pessoal era mais contemporânea e seus últimos retratos se parecem com as obras de Marie Laurencin.

            Levando em consideração a ameaçadora influência filosófica de Saint-Simon, é pouco provável que Fernand de Saint-Exupéry tenha acolhido de bom grado a tendência da nora ao individualismo e à tolerância, bem como sua vontade de situar a cultura praticamente no nível da religião. No entanto, no âmbito familiar, Marie exerceu apenas uma autoridade limitada sobre a educação dos filhos. A lei afirmava que as mulheres eram incapazes de exercer uma decisão independente, devendo conseqüentemente ficar subordinadas aos homens. Não eram consideradas as necessidades afetivas.

            Antoine e seu irmão François viveram sob a tutela de facto de um conselho de família dirigido pelo avô paterno, Fernand. No plano espiritual, Antoine devia acatar as opiniões de seu tio e padrinho, Roger, ao qual a honra obrigava, na ausência de um pai, a incentivar uma forte vocação religiosa. Quando Antoine fez 9 anos, decidiu-se que deveria preparar-se para seu futuro papel de chefe de família e de militar. De um momento para o outro, foi arrancado da indulgência feminina do universo de Saint-Maurice e jogado na atmosfera austera e viril de um colégio de jesuítas, em Le Mans, onde seu pai e tio tinham estado internos.

Casamento de Marie e Jean de Saint-Exupéry. Em primeiro plano, tia Gabrielle

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