sábado, 29 de julho de 2017

PILOTO DE GUERRA - 16

XV

            — Para o sul. Capitão. Melhor liquidar nossa altitude em zona francesa!

            Olhando essas estradas escuras, que já consigo observar, entendo a paz. Na paz, tudo é bem encerrado em si mesmo. À noite, os camponeses voltam à vila. Nos sótãos, guardam os grãos. E organizam a roupa passada nos armários. Nas horas de paz, sabe-se encontrar cada objeto. Sabe-se encontrar cada amigo. Sabemos onde iremos dormir à noite. Ah! A paz morre quando os planos se deterioram, quando não se tem mais lugar no mundo, quando não se sabe mais encontrar quem se ama, quando o marido que foi ao mar não retomou.

            A paz é leitura de um rosto que se mostra através das coisas, quando estas receberam seu sentido e seu lugar. Quando fazem parte de algo maior do que elas, como os minerais aleatórios na terra que se amalgamaram na árvore.

            Mas aí está a guerra.




            Sobrevoo então estradas enegrecidas pelo interminável xarope que nunca acaba de escorrer. Dizem que estão evacuando as populações. Já não é mais verdade. Elas é que evacuam por si mesmas. Há um contágio demente nesse êxodo. Pois, aonde vão esses errantes? Eles se põem em marcha para o sul, como se lá houvesse alojamentos e alimentos, como se lá houvesse ternuras para acolhê-los. Mas não há, no sul, senão cidades abarrotadas a ponto de estourar, onde se dorme em galpões e cujas provisões se esgotam. Onde os mais generosos se tomam pouco a pouco agressivos por causa do absurdo dessa invasão que, pouco a pouco, com a lentidão de um rio de lama, os engole. Uma única província não basta para alojar nem nutrir a França!

            Aonde eles vão? Não sabem! Andam em direção a escalas fantasmas, pois mal essa caravana aborda um oásis, não há mais oásis. Cada oásis desmorona, por sua vez, e por sua vez dispersa-se na caravana. E se a caravana aborda uma verdadeira vila que finge ainda viver, esgota, já na primeira noite, toda a sua substância. A caravana a limpa como vermes limpam um osso.

            O inimigo avança mais rápido do que o êxodo. Blindados, em alguns pontos, atravessam um rio que, então, empasta-se e reflui. Há divisões alemãs que patinam nesse lamaçal, e vemos o surpreendente paradoxo que em alguns pontos os mesmos, que matavam alhures, dão de beber.

            Nós nos acantonamos, durante a retirada, numa dezena de vilas contíguas. Nós submergimos na turba lenta que lentamente atravessava essas vilas:

            — Aonde vocês vão?

            — A gente não sabe.

            Eles nunca sabiam de nada. Ninguém sabia de nada. Mais nenhum refúgio estava disponível Mais nenhuma estrada era praticável. Eles evacuavam ainda assim. No norte haviam dado um grande pontapé no formigueiro e as formigas estavam indo embora. Laboriosamente. Sem pânico. Sem esperança. Sem desespero. Como por dever.

            — Quem lhes deu ordem de evacuar?

            Era sempre o prefeito, o professor primário ou o adjunto do prefeito. A palavra de ordem, numa manhã, perto das três horas, havia de repente sacudido a vila:

            — Evacuem.


            Eles esperavam por isso. Há quinze dias, viam passar refugiados, renunciavam a crer na eternidade de suas casas. O homem, entretanto, há muito tempo, havia deixado de ser nômade. Ele construía vilas, que duravam séculos. Encerava móveis que serviam aos bisnetos. A casa familiar o recebia em seu nascimento e o transportava até sua morte, pois, como um bom navio, de uma margem à outra, ela fazia, por sua vez, passar seus filhos. Mas chega de morar! Iam embora sem nem mesmo saber por quê!


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