Em
julho de 1917, aos 14 anos, morreu François de Saint-Exupéry, logo após o 17-
aniversário de Antoine. Este chegará aos 20 anos antes de expressar em seus
escritos a angústia causada pela morte do irmão. Teve pouco tempo para se
preparar para esse drama e durante a vida inteira ele o considerará uma
terrível injustiça.
Marie
de Saint-Exupéry, geralmente uma vez por semana, ia a Friburgo para visitar os
dois irmãos, apesar dos 200 quilômetros de trajeto em ferrovia, ainda mais
difíceis de ser percorridos devido à guerra. Na primavera de 1917, François se resfriou
durante uma viagem escolar a Divonne-les-Bains, durante a qual perdeu seu
casaco sem ter a coragem de mencionar o fato aos acompanhantes. Sua mãe levou-o
a Saint-Maurice, onde foi diagnosticado um reumatismo cardíaco que, no entanto,
não causou grande inquietação. Em suas cartas à mãe, Antoine menciona a doença
apenas fortuitamente, o que parece provar que ele tinha certeza de que o irmão
ficaria bom antes das férias de verão.
François de Saint-Exupéry, irmão de Antoine |
Com
voz calma, François anunciou que ia morrer e tranqüilizou o irmão dizendo que
não estava sofrendo. Durante os poucos minutos que lhe restavam, fez seu
testamento, legando a Antoine uma máquina a vapor, uma bicicleta e uma carabina,
e lhe pediu que anotasse suas palavras. Depois pediu que Antoine fosse em busca
da mãe, para lhe dizer que ele seria mais feliz no lugar aonde ia porque
“algumas coisas que vi e adivinhei eram muito feias. Eu não as teria podido
suportar”.
Vendo
o irmão morrer, Antoine aprendeu mais uma vez a aceitar o destino, lição que
relembraria em Cidadela, em que o chefe berbere sabe por experiência própria,
desde a mais tenra idade, olhar de frente a morte. Sob o fogo da DCA, em 1940,
Saint-Exupéry lembrou-se das últimas palavras do irmão. François dissera que
não podia impedir a morte. “É o meu corpo”, murmurara ele. Lembrando essas
palavras em Piloto de Guerra., Antoine compreendeu de repente que, apesar de
toda a atenção que dera a seu corpo durante anos, não se preocupava com seu ser
físico. Naquela época, como o irmão, já tinha visto ou adivinhado coisas
horrendas demais para serem suportadas.
A
serenidade de François diante da morte foi uma das causas do fatalismo ao longo
da carreira de piloto de Antoine, quando o vínculo entre a vida e a morte foi
substituído por um sentimento semelhante àquele experimentado quando se
reencontra um amigo leal. Antes do último vôo, dissera a amigos que não só
estava pronto para morrer, mas que até mesmo o desejava.
No
entanto, esse fatalismo não o ajudava de forma alguma a atenuar a angústia
sentida pela morte de amigos e parentes, como suas cartas demonstravam. A perda
de François, esse menino que tinha algo de santo, talvez tenha sido o maior
choque experimentado por Saint-Exupéry. Tirou uma fotografia do irmão após a
morte e fez várias cópias da mesma, conservando sempre um exemplar consigo.
Durante o resto da vida, Antoine esforçou-se para reencontrar a íntima relação
fraterna que perdera com esse doce e paciente companheiro.
A
maior parte da melhora física e psicológica resultante dos dois anos de estadia
em Friburgo foi aniquilada pela morte de François, e aqueles que o rodeavam
começaram a se preocupar com sua saúde. Em companhia de seu colega de classe
Louis de Bonnevie, Antoine foi enviado nas férias a Carnac, na Bretanha, onde
um de seus tios possuía uma casa à beira-mar. Uma das tias de Antoine do ramo
de Le Mans, Amicie de Saint-Exupéry, casara-se com um militar de origem
inglesa, o major Sydney Churchill, e sua residência de férias, pela atmosfera
descontraída e hospitaleira, era bastante parecida com Saint-Maurice. Louis de
Bonnevie desempenhou o papel de enfermeiro tanto quanto o de amigo, cuidando e reconfortando
Antoine quando ele torceu o tornozelo.
Gradualmente, Saint-Exupéry recuperou-se de
uma profunda melancolia. Aceitou os projetos familiares de uma carreira na
marinha embora, após a morte do irmão, a vela lhe fosse proibida. Sua mãe
ficara muito assustada um dia, quando ele se afastara demais a nado no oceano
Atlântico e fora preciso procurar auxílio. A proibição de navegar não lhe
pareceu preocupar, porque iria esperar mais de dez anos até fazer sua primeira
excursão de barco. Em Dacar, um amigo o levou para um passeio em veleiro, mas a
embarcação virou após passar pela barra e Antoine quase se afogou.
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