segunda-feira, 24 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 20


            Em julho de 1917, aos 14 anos, morreu François de Saint-Exupéry, logo após o 17- aniversário de Antoine. Este chegará aos 20 anos antes de expressar em seus escritos a angústia causada pela morte do irmão. Teve pouco tempo para se preparar para esse drama e durante a vida inteira ele o considerará uma terrível injustiça.
            Marie de Saint-Exupéry, geralmente uma vez por semana, ia a Friburgo para visitar os dois irmãos, apesar dos 200 quilômetros de trajeto em ferrovia, ainda mais difíceis de ser percorridos devido à guerra. Na primavera de 1917, François se resfriou durante uma viagem escolar a Divonne-les-Bains, durante a qual perdeu seu casaco sem ter a coragem de mencionar o fato aos acompanhantes. Sua mãe levou-o a Saint-Maurice, onde foi diagnosticado um reumatismo cardíaco que, no entanto, não causou grande inquietação. Em suas cartas à mãe, Antoine menciona a doença apenas fortuitamente, o que parece provar que ele tinha certeza de que o irmão ficaria bom antes das férias de verão.
           
François de Saint-Exupéry, irmão de Antoine
Quando Antoine retornou ao castelo em julho de 1917, a saúde de François deteriorou-se bruscamente. No dia 10 de julho, às 4 horas da manhã, uma enfermeira veio chamá-lo, dizendo que o irmão queria falar com ele. Vinte minutos mais tarde, François estava morto. O que aconteceu nesses vinte minutos ressurgirá em Piloto de Guerra., por ocasião do relato do vôo de reconhecimento sobre Arras em 1940, que quase foi fatal para Saint-Exupéry.
            Com voz calma, François anunciou que ia morrer e tranqüilizou o irmão dizendo que não estava sofrendo. Durante os poucos minutos que lhe restavam, fez seu testamento, legando a Antoine uma máquina a vapor, uma bicicleta e uma carabina, e lhe pediu que anotasse suas palavras. Depois pediu que Antoine fosse em busca da mãe, para lhe dizer que ele seria mais feliz no lugar aonde ia porque “algumas coisas que vi e adivinhei eram muito feias. Eu não as teria podido suportar”.
            Vendo o irmão morrer, Antoine aprendeu mais uma vez a aceitar o destino, lição que relembraria em Cidadela, em que o chefe berbere sabe por experiência própria, desde a mais tenra idade, olhar de frente a morte. Sob o fogo da DCA, em 1940, Saint-Exupéry lembrou-se das últimas palavras do irmão. François dissera que não podia impedir a morte. “É o meu corpo”, murmurara ele. Lembrando essas palavras em Piloto de Guerra., Antoine compreendeu de repente que, apesar de toda a atenção que dera a seu corpo durante anos, não se preocupava com seu ser físico. Naquela época, como o irmão, já tinha visto ou adivinhado coisas horrendas demais para serem suportadas.
            A serenidade de François diante da morte foi uma das causas do fatalismo ao longo da carreira de piloto de Antoine, quando o vínculo entre a vida e a morte foi substituído por um sentimento semelhante àquele experimentado quando se reencontra um amigo leal. Antes do último vôo, dissera a amigos que não só estava pronto para morrer, mas que até mesmo o desejava.
            No entanto, esse fatalismo não o ajudava de forma alguma a atenuar a angústia sentida pela morte de amigos e parentes, como suas cartas demonstravam. A perda de François, esse menino que tinha algo de santo, talvez tenha sido o maior choque experimentado por Saint-Exupéry. Tirou uma fotografia do irmão após a morte e fez várias cópias da mesma, conservando sempre um exemplar consigo. Durante o resto da vida, Antoine esforçou-se para reencontrar a íntima relação fraterna que perdera com esse doce e paciente companheiro.
            A maior parte da melhora física e psicológica resultante dos dois anos de estadia em Friburgo foi aniquilada pela morte de François, e aqueles que o rodeavam começaram a se preocupar com sua saúde. Em companhia de seu colega de classe Louis de Bonnevie, Antoine foi enviado nas férias a Carnac, na Bretanha, onde um de seus tios possuía uma casa à beira-mar. Uma das tias de Antoine do ramo de Le Mans, Amicie de Saint-Exupéry, casara-se com um militar de origem inglesa, o major Sydney Churchill, e sua residência de férias, pela atmosfera descontraída e hospitaleira, era bastante parecida com Saint-Maurice. Louis de Bonnevie desempenhou o papel de enfermeiro tanto quanto o de amigo, cuidando e reconfortando Antoine quando ele torceu o tornozelo.
             Gradualmente, Saint-Exupéry recuperou-se de uma profunda melancolia. Aceitou os projetos familiares de uma carreira na marinha embora, após a morte do irmão, a vela lhe fosse proibida. Sua mãe ficara muito assustada um dia, quando ele se afastara demais a nado no oceano Atlântico e fora preciso procurar auxílio. A proibição de navegar não lhe pareceu preocupar, porque iria esperar mais de dez anos até fazer sua primeira excursão de barco. Em Dacar, um amigo o levou para um passeio em veleiro, mas a embarcação virou após passar pela barra e Antoine quase se afogou.

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