quinta-feira, 20 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 16

            No início do verão de 1909, antes da partida de Saint-Exupéry para Le Mans, os primeiros testes experimentais de voo estavam sen­do realizados pelos pioneiros na planície Bellièvre, em Ambérieu-en- Bugey. Indo pelos atalhos através do povoado de Château-Gaillard, o campo de aviação ficava a cerca de 3 quilômetros do castelo de Saint-Maurice-de-Rémens. A novidade provocou uma excitação febril. Naquela época, o país inteiro só falava da travessia do canal da Man­cha realizada por Louis Blériot em julho de 1909. Esse acontecimen­to causou maior impacto sobre a imaginação dos franceses que o primeiro voo de Wilbur Wright nos Estados Unidos, seis anos antes.
            Um dos colegas de Saint-Exupéry em Notre-Dame-de-Sainte- Croix, Jean-Marie Lelièvre, morava perto do aeródromo de Auvours em Le Mans, e em 1908 assistira a uma demonstração de voo de Wilbur Wright e outros pioneiros da aeronáutica que atraíra milhares de espectadores. Embora Antoine só tenha ido de bicicleta a esse aeródromo muito tempo depois, as descrições do colega tinham con­tribuído para fazer nascer nele uma paixão que já era forte quando retornou a Saint-Maurice para as férias da Páscoa de 1910.
            O fanatismo de Saint-Exupéry pela aviação não constituía ex­ceção. O início do século produziria poucos heróis no campo do esporte, porém sua ausência seria compensada por numerosos avia­dores e pilotos de carro. A menor conquista aeronáutica era man­chete nos jornais, e a imprensa local ou nacional relatava até mesmo os progressos dos pilotos em voos de treinamento. Em 1893 fora lançada uma revista nacional, Aérophile, que relatava as numerosas experiências de voo iniciadas em 1890 com a estranha máquina de asas de morcego, equipada com um motor a vapor, inventada pelo francês Clément Ader. Le Progrès de Lyon e Le Journal de VAin, jornais lidos pela mãe de Antoine, publicaram algumas notícias sensacionais no início de 1910. Uma figura importante do ciclismo local, Louis Mouthier, comprara por 10.000 francos uma réplica do avião com o qual Blériot atravessara a Mancha, e decidira criar uma escola de pilotagem em Ambérieu.
            Após esse início modesto, a base de aviação 278 se tornaria um dos principais campos civis e militares do país. Entre as duas guerras, Saint-Exupéry utilizava frequentemente esse aeródromo para aterrissar em seu avião particular, quando ia visitar a família ou o amigo Léon Werth, que possuía uma casa de campo no Jura. O Café de l’Aviation, em Ambérieu, onde seus anfitriões o esperavam de carro, ainda pertencia à mesma família em 1993, embora a constru­ção original tivesse sido destruída pelos bombardeios alemães.
            Entre os futuros alunos de Ambérieu, figurava o ás dos ares da Grande Guerra, Georges Guynemer, bem como numerosos pilo­tos que seriam companheiros de voo de Saint-Exupéry na Segunda Guerra Mundial. A base foi transformada recentemente em centro de reparos da aeronáutica, estendendo-se até a zona industrial ao lado da estrada de ferro.
            Em 1910 não havia nenhuma guarita de sentinela, nenhuma cerca que impedisse o acesso do público à sumária pista de aterris­sagem. Uma fotografia antiga mostra Louis Mouthier, um homenzi­nho com reluzentes bigodes em pé, ao lado do seu Blériot primitivo, no meio de uma multidão constituída essencialmente por estudantes. Mouthier foi um dos últimos representantes de uma espécie em via de extinção. Não recebeu nenhuma formação após ter abandonado a escola aos 13 anos, e teve de aprender a voar com a ajuda do manual escrito por Blériot. Em 9 de agosto de 1910, após um trei­namento intensivo assistido por centenas de curiosos dos arredores, tornou-se o 157o piloto do ano a obter sua licença de voo. Em 5 de fevereiro de 1911, fundou sua escola de pilotagem.
            Entre os vários fragmentos publicados em que Saint-Exupéry relembra sua infância, não existe nenhuma informação sobre sua paixão precoce pela aviação. Sua irmã Simone continua sendo a prin­cipal fonte de referência. Em seus escritos inéditos, ela conta seus projetos de aquisição de um aeroplano para sobrevoar Saint-Maurice em companhia da irmã, enquanto a multidão gritaria: “Viva Antoine de Saint-Exupéry!” A seu sonho de voar acrescentava-se a paixão pela mecânica, e ela relata como, junto com François, comprara um pequeno instrumento destinado a um projeto de irrigação durante a seca de 1911. François estava brincando com o motor, quando este explodiu. Antoine pensou que o irmão tivesse morrido ao vê-lo coberto de sangue, proveniente de um ferimento na cabeça.
            A explosão pode explicar por que o padre Montessuy tentou dissuadir Antoine de construir um motor concebido por ele a fim de equipar um avião construído a partir de sua bicicleta. O carpin­teiro do povoado, que era o homem que consertava tudo no castelo, foi encarregado de fabricar asas destinadas a transformá-la em pla­nador (as velas provinham do armário de roupa de cama de Moisy), que evidentemente nunca teve a menor possibilidade de decolar, ape­sar de toda a energia gasta por Antoine ao pedalar.
            No entanto, essa bicicleta desempenharia um papel importante em sua iniciação ao voo; ele a “cavalgava” todos os dias para ir até o campo de aviação de Ambérieu, situado no meio de plantações de legumes e de cercados. A escola de Mouthier continuava atraindo pioneiros, que passaram a comprar cada vez mais hangares para construir e guardar novos aviões. A maioria dos pilotos que freqüentava Ambérieu era jovem, alguns recém-saídos da adolescência, cheios de paciência com seus admiradores de calças curtas.
            Antoine adquiriu a maior parte dos primeiros conhecimentos técnicos vendo-os construir ou montar motores, enquanto os bom­bardeava com uma enorme quantidade de perguntas, que depois transformava em lições de mecânica para seu irmão e suas irmãs. As visitas ao novo aeródromo, que em pouco tempo seria associado à base civil de Lyon-Bron, muito mais importante, também serviam para aperfeiçoar sua educação social. Assim, os antigos heróis aris­tocráticos de Antoine foram destronados por homens provenientes de ambientes modestos e variados, para os quais o sucesso era me­dido em termos de capacidade de invenção, trabalho e audácia.
            O espírito de camaradagem sem barreira social que mais tarde seduziria Saint-Exupéry já estava presente no hotel do Lion d’Or em Ambérieu, onde se hospedavam os pilotos experientes ou iniciantes, numa atmosfera descontraída que lembrava a de um clube. Exerciam sobre os aldeães o mesmo fascínio que uma estrela do teatro ou do mundo esportivo. Quando os aviões sobrevoavam a cidade, a mul­tidão saía à rua para aplaudi-los.

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