No início do verão de 1909, antes da
partida de Saint-Exupéry para Le Mans, os primeiros testes experimentais de voo
estavam sendo realizados pelos pioneiros na planície Bellièvre, em
Ambérieu-en- Bugey. Indo pelos atalhos através do povoado de Château-Gaillard,
o campo de aviação ficava a cerca de 3 quilômetros do castelo de
Saint-Maurice-de-Rémens. A novidade provocou uma excitação febril. Naquela
época, o país inteiro só falava da travessia do canal da Mancha realizada por
Louis Blériot em julho de 1909. Esse acontecimento causou maior impacto sobre
a imaginação dos franceses que o primeiro voo de Wilbur Wright nos Estados Unidos,
seis anos antes.
Um dos colegas de Saint-Exupéry em
Notre-Dame-de-Sainte- Croix, Jean-Marie Lelièvre, morava perto do aeródromo de
Auvours em Le Mans, e em 1908 assistira a uma demonstração de voo de Wilbur
Wright e outros pioneiros da aeronáutica que atraíra milhares de espectadores.
Embora Antoine só tenha ido de bicicleta a esse aeródromo muito tempo depois,
as descrições do colega tinham contribuído para fazer nascer nele uma paixão
que já era forte quando retornou a Saint-Maurice para as férias da Páscoa de
1910.
O fanatismo de Saint-Exupéry pela
aviação não constituía exceção. O início do século produziria poucos heróis no
campo do esporte, porém sua ausência seria compensada por numerosos aviadores
e pilotos de carro. A menor conquista aeronáutica era manchete nos jornais, e
a imprensa local ou nacional relatava até mesmo os progressos dos pilotos em voos
de treinamento. Em 1893 fora lançada uma revista nacional, Aérophile, que
relatava as numerosas experiências de voo iniciadas em 1890 com a estranha
máquina de asas de morcego, equipada com um motor a vapor, inventada pelo
francês Clément Ader. Le Progrès de Lyon e Le Journal de VAin, jornais lidos
pela mãe de Antoine, publicaram algumas notícias sensacionais no início de 1910.
Uma figura importante do ciclismo local, Louis Mouthier, comprara por 10.000
francos uma réplica do avião com o qual Blériot atravessara a Mancha, e
decidira criar uma escola de pilotagem em Ambérieu.
Após esse início modesto, a base de
aviação 278 se tornaria um dos principais campos civis e militares do país.
Entre as duas guerras, Saint-Exupéry utilizava frequentemente esse aeródromo
para aterrissar em seu avião particular, quando ia visitar a família ou o amigo
Léon Werth, que possuía uma casa de campo no Jura. O Café de l’Aviation, em
Ambérieu, onde seus anfitriões o esperavam de carro, ainda pertencia à mesma
família em 1993, embora a construção original tivesse sido destruída pelos
bombardeios alemães.
Entre os futuros alunos de Ambérieu,
figurava o ás dos ares da Grande Guerra, Georges Guynemer, bem como numerosos
pilotos que seriam companheiros de voo de Saint-Exupéry na Segunda Guerra
Mundial. A base foi transformada recentemente em centro de reparos da
aeronáutica, estendendo-se até a zona industrial ao lado da estrada de ferro.
Em 1910 não havia nenhuma guarita de
sentinela, nenhuma cerca que impedisse o acesso do público à sumária pista de
aterrissagem. Uma fotografia antiga mostra Louis Mouthier, um homenzinho com
reluzentes bigodes em pé, ao lado do seu Blériot primitivo, no meio de uma
multidão constituída essencialmente por estudantes. Mouthier foi um dos últimos
representantes de uma espécie em via de extinção. Não recebeu nenhuma formação
após ter abandonado a escola aos 13 anos, e teve de aprender a voar com a ajuda
do manual escrito por Blériot. Em 9 de agosto de 1910, após um treinamento
intensivo assistido por centenas de curiosos dos arredores, tornou-se o 157o
piloto do ano a obter sua licença de voo. Em 5 de fevereiro de 1911, fundou sua
escola de pilotagem.
Entre os vários fragmentos
publicados em que Saint-Exupéry relembra sua infância, não existe nenhuma
informação sobre sua paixão precoce pela aviação. Sua irmã Simone continua
sendo a principal fonte de referência. Em seus escritos inéditos, ela conta
seus projetos de aquisição de um aeroplano para sobrevoar Saint-Maurice em
companhia da irmã, enquanto a multidão gritaria: “Viva Antoine de
Saint-Exupéry!” A seu sonho de voar acrescentava-se a paixão pela mecânica, e
ela relata como, junto com François, comprara um pequeno instrumento destinado
a um projeto de irrigação durante a seca de 1911. François estava brincando com
o motor, quando este explodiu. Antoine pensou que o irmão tivesse morrido ao
vê-lo coberto de sangue, proveniente de um ferimento na cabeça.
A explosão pode explicar por que o
padre Montessuy tentou dissuadir Antoine de construir um motor concebido por
ele a fim de equipar um avião construído a partir de sua bicicleta. O carpinteiro
do povoado, que era o homem que consertava tudo no castelo, foi encarregado de
fabricar asas destinadas a transformá-la em planador (as velas provinham do
armário de roupa de cama de Moisy), que evidentemente nunca teve a menor
possibilidade de decolar, apesar de toda a energia gasta por Antoine ao
pedalar.
No entanto, essa bicicleta
desempenharia um papel importante em sua iniciação ao voo; ele a “cavalgava”
todos os dias para ir até o campo de aviação de Ambérieu, situado no meio de
plantações de legumes e de cercados. A escola de Mouthier continuava atraindo
pioneiros, que passaram a comprar cada vez mais hangares para construir e
guardar novos aviões. A maioria dos pilotos que freqüentava Ambérieu era jovem,
alguns recém-saídos da adolescência, cheios de paciência com seus admiradores
de calças curtas.
Antoine adquiriu a maior parte dos
primeiros conhecimentos técnicos vendo-os construir ou montar motores, enquanto
os bombardeava com uma enorme quantidade de perguntas, que depois transformava
em lições de mecânica para seu irmão e suas irmãs. As visitas ao novo
aeródromo, que em pouco tempo seria associado à base civil de Lyon-Bron, muito
mais importante, também serviam para aperfeiçoar sua educação social. Assim, os
antigos heróis aristocráticos de Antoine foram destronados por homens
provenientes de ambientes modestos e variados, para os quais o sucesso era medido
em termos de capacidade de invenção, trabalho e audácia.
O espírito de camaradagem sem
barreira social que mais tarde seduziria Saint-Exupéry já estava presente no
hotel do Lion d’Or em Ambérieu, onde se hospedavam os pilotos experientes ou
iniciantes, numa atmosfera descontraída que lembrava a de um clube. Exerciam
sobre os aldeães o mesmo fascínio que uma estrela do teatro ou do mundo esportivo.
Quando os aviões sobrevoavam a cidade, a multidão saía à rua para aplaudi-los.
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