sexta-feira, 7 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 3

A ORIGEM DO PEQUENO PRÍNCIPE

Geralmente Saint-Exupéry esforçava-se por ser discreto sobre seus problemas pessoais, porém aqueles que o conheciam intima­mente podiam decifrar entre as linhas, levemente disfarçadas, as mensagens sobre suas decepções, alegrias e incertezas morais. A maioria dos episódios enigmáticos de sua vida serão abordados nesta biografia. Os temas em código de O Pequeno Príncipe, nos quais Saint- Exupéry se apresenta ao mesmo tempo como modelo para a criança e o piloto perdido, lamentando que a idade o tenha separado da verdade absoluta e transparente de sua infância passada num am­biente de aristocratas católicos, também serão decifrados.
Nenhum livro revela melhor do que O Pequeno Príncipe os dile­mas internos de Saint-Exupéry. Ele evoca um período de profunda melancolia, quando duvidava de suas capacidades pessoais de ser bem-sucedido no empreendimento mais difícil de sua vida adulta: o casamento. Essa fábula esotérica era em grande parte uma declara­ção de amor à esposa, Consuelo, enquanto sua união sofria uma excessiva exigência afetiva, complicada por infidelidades de ambas as partes.
Não há nada de misterioso nas razões que levaram Saint-Exupéry a descrever sob a forma de um conto infantil sua relação com Con­suelo. A rosa do Pequeno Príncipe é ela, e o livro é uma confissão de que seus destinos estavam irrevogavelmente ligados por penas e alegrias partilhadas. Em todos os seus escritos, Saint-Exupéry inspi­ra-se fortemente em sensações experimentadas na infância para proteger-se da depressão ou conjurar o inexplicável. Em O Pequeno Prín­cipe, vai ainda mais longe e deixa a voz da inocência expressar seus sentimentos.
O livro nasceu em uma fase de desânimo, em 1942, durante seu exílio nos Estados Unidos, entre dois períodos de serviço na Aeronáutica. Naquele momento ele se sentia dilacerado entre suas obrigações com relação â esposa e seu desejo de retornar ao com­bate, com um espírito de sacrifício patriótico. As cartas escritas nos meses seguintes demonstram seu fascínio por uma morte purificadora, bem como um imenso desejo de renascimento espiritual. Mais tarde, o desaparecimento do Pequeno Príncipe e a fórmula segundo a qual ele “pareceria estar morto e isto não seria verdade” assumirão o ar de profecia, após todas as buscas vãs para encontrar o corpo de Saint-Exupéry.
Essa morte mística talvez fosse o fim por ele desejado — não admitia, em O Pequeno Príncipe, que a confusão causada pelo desa­parecimento das verdades da infância é o preço a pagar para entrar num mundo de pessoas sérias, “muito, muito estranhas”? E consta­tava: “Só as crianças sabem o que procuram”.
Essas reflexões perplexas e desesperadas fazem eco à confissão, em Terra dos Homens, de sua incapacidade de reencontrar os sonhos infantis e as aventuras românticas dos dias de verão passados em Saint-Maurice-de-Rémens, não longe do campo de aviação no qual recebeu seu batismo aéreo. Antoine tinha 32 anos quando o castelo foi vendido, e as “provisões de doçura” que tinham afagado sua infância escaparam então para sempre. Ele nunca ocultou a tristeza causada por essa venda, sentida como a profanação de seu passado perdido.
Um pouco antes da guerra, ele retornou a Saint-Maurice e ca­minhou ao longo do muro de pedra cinzenta, “cheio de sombras da infância”. Em Terra dos Homens ele evoca a tristeza desse passeio com um punhado de palavras que revelam, melhor que diversos vo­lumes de filosofia, uma aguda consciência da solidão inerente à idade adulta. Golpeado pelo desespero, ficou estupefato ao constatar que as infinitas perspectivas da infância tinham se estreitado. O paraíso encerrado nesse reino de brincadeiras desaparecera, apagado pelo seu olhar de adulto. Que infelicidade já não poder “penetrar neste infinito...” A idade não só o banira do jardim encantado com suas alamedas de tílias e seus bosques de pinheiros, como também lhe proibira para sempre o prazer das brincadeiras inocentes.
“Não tenho plena certeza de ter vivido depois da infância”, es­crevia ele à mãe, bem depois de ter descoberto a alegria aparente­mente compensadora de pilotar. Para Saint-Exupéry, tornar-se adulto era o mais imperdoável de todos os pecados.

Antoine de Saint-Exupery com Eugene e Elizabeth Reynal
 em um restaurante de New York, 1942

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