A
partir da idade da razão, contaram-lhe que, como herdeiro do título familiar,
seria também o chefe da família, o que devia complicar sua excessiva
consciência das responsabilidades. Simone conta que, no tórrido verão de 1912,
perdeu seu relógio de primeira comunhão durante uma cansativa caminhada em
companhia de Antoine pelas colinas próximas. Com a determinação obstinada que frequentemente
marcará seu comportamento de adulto, seu jovem irmão regressou sozinho em busca
da joia, percorrendo em vão diversos quilômetros. Só retornou à noite, esgotado
e enlameado, furioso e envergonhado de decepcionar a irmã.
O fascínio de Saint-Exupéry pela
mecânica e pela aviação, como veremos, originou-se aos 9 anos, porém sua paixão
pela escrita foi ainda mais precoce. Os que o rodeavam lembram-se de que ele
costumava escrever em todas as ocasiões, guardando as anotações numa pequena
caixa, hábito que precede a futura obsessão que o impelirá a anotar seus
pensamentos em cadernos com capa de couro. Outra característica de Antoine era
sua grande desordem. Desde os primeiros anos, todos se lembram de seu quarto
numa bagunça total. Em Saint-Maurice, unicamente Gabrielle estava autorizada a
colocar um pouco de ordem naquele território inviolável, quando a desordem tornava-se
crítica.
Seus primeiros poemas e contos de
aventuras, inspirados na literatura heroica e em relatos populares, serão
substituídos por projetos cada vez mais audaciosos, até chegar ao roteiro de
uma opereta escrito no início da adolescência. Essas criações evidenciavam um
desejo imediato de admiração daqueles que o cercavam, necessidade que mais
tarde seria preenchida por seus amigos, os quais aprenderam que deviam formular
suas críticas prudentemente se quisessem continuar contando com a estima de
Saint-Exupéry. Essa sede de adulação instantânea nunca foi saciada
satisfatoriamente pela lealdade de um público anônimo, mesmo quando seus livros
obtiveram prêmios literários. Sua obra publicada representa apenas uma ínfima
parte da imensa correspondência composta de centenas de cartas a amigos ou à
família, nas quais ele demonstrava uma extraordinária imaginação. Além do mais,
elas frequentemente eram acompanhadas de desenhos humorísticos ou sentimentais.
Sem dúvida, nada podia se igualar ao
prazer de apresentar sua obra aos amigos e à família, quando a noite caía sobre
o castelo. Restou um trecho nas memórias, Le Téléphone, um melodrama exagerado,
no qual um marido ausente que liga para casa é testemunha auditiva do
assassinato de toda a família por bandidos.
Havia também momentos mais
espontâneos de invenção, como as charadas que as crianças representavam para os
adultos. Essas brincadeiras significavam um terreno neutro, no qual os jovens
estavam autorizados a zombar dos adultos sem serem considerados insolentes. Uma
das mais lembradas foi criada por Antoine, que, tendo colocado um roupão ao
contrário para exibir seu forro vermelho, roncava sentado em uma poltrona. A
alusão ao bispo de Belley e a seus sermões aborrecidos foi facilmente
identificada. Outra mímica — que se referia à guerra turco-búlgara de 1912,
primeiro combate em que os aviões foram utilizados como arma de guerra —
provava que as crianças estavam informadas sobre a atualidade nacional e
internacional.
A primeira e mais leal mentora e admiradora
de Antoine em sua busca de expressão pessoal era sem qualquer dúvida a própria
Marie de Saint-Exupéry. Ela se recusava a levar em consideração pressões
familiares que obrigavam seus filhos a considerar a existência com menos
fantasia. Assim, ela os encorajava a romper algumas das regras mais repressoras
da rigidez aristocrática, que Antoine terminará rejeitando definitivamente em
sua busca do anticonformismo.
Nenhum dos escritos de Marie de
Saint-Exupéry exprime amargura com relação aos numerosos dramas que a vida lhe
reservou. O maior choque foi a morte do marido, numa estação de trem na
Provença, após uma visita ao castelo familiar de La Môle, em 1904. A tragédia
lhe arrebataria o companheiro e a fonte de renda, enquanto deixava Antoine, com
3 anos de idade, órfão de um modelo masculino.
O castelo de Saint-Maurice-de-Rémens visto do jardim. (Fréderic d'Agay) |
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