sábado, 15 de julho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 11

A partir da idade da razão, contaram-lhe que, como herdeiro do título familiar, seria também o chefe da família, o que devia complicar sua excessiva consciência das responsabilidades. Simone conta que, no tórrido verão de 1912, perdeu seu relógio de primeira comunhão durante uma cansativa caminhada em companhia de Antoine pelas colinas próximas. Com a determinação obstinada que frequentemente marcará seu comportamento de adulto, seu jovem irmão regressou sozinho em busca da joia, percorrendo em vão diversos quilômetros. Só retornou à noite, esgotado e enlameado, furioso e envergonhado de decepcionar a irmã.
            O fascínio de Saint-Exupéry pela mecânica e pela aviação, como veremos, originou-se aos 9 anos, porém sua paixão pela escrita foi ainda mais precoce. Os que o rodeavam lembram-se de que ele costumava escrever em todas as ocasiões, guardando as anotações numa pequena caixa, hábito que precede a futura obsessão que o impelirá a anotar seus pensamentos em cadernos com capa de couro. Outra característica de Antoine era sua grande desordem. Desde os primeiros anos, todos se lembram de seu quarto numa bagunça total. Em Saint-Maurice, unicamente Gabrielle estava autorizada a colocar um pouco de ordem naquele território inviolável, quando a desordem tornava-se crítica.
            Seus primeiros poemas e contos de aventuras, inspirados na literatura heroica e em relatos populares, serão substituídos por projetos cada vez mais audaciosos, até chegar ao roteiro de uma opereta escrito no início da adolescência. Essas criações evidenciavam um desejo imediato de admiração daqueles que o cercavam, necessidade que mais tarde seria preenchida por seus amigos, os quais aprenderam que deviam formular suas críticas prudentemente se quisessem continuar contando com a estima de Saint-Exupéry. Essa sede de adulação instantânea nunca foi saciada satisfatoriamente pela lealdade de um público anônimo, mesmo quando seus livros obtiveram prêmios literários. Sua obra publicada representa apenas uma ínfima parte da imensa correspondência composta de centenas de cartas a amigos ou à família, nas quais ele demonstrava uma extraordinária imaginação. Além do mais, elas frequentemente eram acompanhadas de desenhos humorísticos ou sentimentais.
            Sem dúvida, nada podia se igualar ao prazer de apresentar sua obra aos amigos e à família, quando a noite caía sobre o castelo. Restou um trecho nas memórias, Le Téléphone, um melodrama exagerado, no qual um marido ausente que liga para casa é testemunha auditiva do assassinato de toda a família por bandidos.
            Havia também momentos mais espontâneos de invenção, como as charadas que as crianças representavam para os adultos. Essas brincadeiras significavam um terreno neutro, no qual os jovens estavam autorizados a zombar dos adultos sem serem considerados insolentes. Uma das mais lembradas foi criada por Antoine, que, tendo colocado um roupão ao contrário para exibir seu forro vermelho, roncava sentado em uma poltrona. A alusão ao bispo de Belley e a seus sermões aborrecidos foi facilmente identificada. Outra mímica — que se referia à guerra turco-búlgara de 1912, primeiro combate em que os aviões foram utilizados como arma de guerra — provava que as crianças estavam informadas sobre a atualidade nacional e internacional.
            A primeira e mais leal mentora e admiradora de Antoine em sua busca de expressão pessoal era sem qualquer dúvida a própria Marie de Saint-Exupéry. Ela se recusava a levar em consideração pressões familiares que obrigavam seus filhos a considerar a existência com menos fantasia. Assim, ela os encorajava a romper algumas das regras mais repressoras da rigidez aristocrática, que Antoine terminará rejeitando definitivamente em sua busca do anticonformismo.
            Nenhum dos escritos de Marie de Saint-Exupéry exprime amargura com relação aos numerosos dramas que a vida lhe reservou. O maior choque foi a morte do marido, numa estação de trem na Provença, após uma visita ao castelo familiar de La Môle, em 1904. A tragédia lhe arrebataria o companheiro e a fonte de renda, enquanto deixava Antoine, com 3 anos de idade, órfão de um modelo masculino.

                        
O castelo de Saint-Maurice-de-Rémens visto do jardim. (Fréderic d'Agay)

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