Se os sermões do padre Montessuy,
geralmente intermináveis e de estilo floreado, contituíam uma espécie de
tortura dominical para os jovens Saint-Exupéry, em compensação eram a
substância espiritual vital para a mãe, a quem a fé católica seria fonte
constante de inspiração até sua morte, em 1972, aos 97 anos. A profunda devoção
de Marie a transformava aos olhos do padre numa espécie de freira leiga, e
havia entre eles a cumplicidade de um casal, na qual os dois membros estavam
destinados ao celibato: por escolha, no caso do padre; e em razão das
circunstâncias, para Marie. Tia Gabrielle, persuadida de que o sacerdote tinha
mais influência que ela sobre sua sobrinha-neta, confiara um dia ao padre sua
preocupação por vê-la colocar em risco a saúde devido à sua infatigável
abnegação. As crianças da aldeia eram convidadas ao castelo pelo menos uma vez
por semana, para tomar um lanche acompanhado por brincadeiras, porém tia
Gabrielle considerava que Marie ia longe demais ao projetar um piquenique com
as meninas do coral. O que faltava na propriedade era um homem, dissera ela ao
padre Montessuy.
Marie manifestava amplitude de
espírito em matéria de cultura, particularmente no tocante a música e pintura
contemporâneas, o que para o padre representava uma atração a mais, pois,
criado num ambiente culto de cidade, ficava exposto às superstições,
preconceitos e rivalidades mesquinhas de uma comunidade aldeã retirada. Assim,
ao assegurar o conforto espiritual de uma corajosa viúva, bem determinada a
transmitir aos filhos suas convicções religiosas, dava um sentido à sua missão
sacerdotal, pelo menos de abril até outubro, quando o castelo estava ocupado.
O marido de Marie de Saint-Exupéry
morreu quando ela tinha 28 anos, após oito anos de casamento. Ela estava
esperando seu quinto filho, e o desaparecimento do marido representaria para
ela apenas a primeira de uma série de provações pessoais que reforçariam sua
fé, baseada numa total aceitação da autoridade espiritual do Evangelho e numa
profunda convicção do amor de Deus. Ela exerceu influência determinante sobre a
vida de Antoine, e deve ter sofrido mais ao vê-lo abandonar a religião que por
sabê-lo exposto aos perigos de sua profissão de piloto.
É impossível compreender as
hesitações de Saint-Exupéry e suas opções às vezes desastradas sem levar em
consideração a influência da mãe, que ele algumas vezes tentou contornar, sem
nunca poder romper. Sem dúvida reconhecera nela qualidades humanas que ele não
possuía e a capacidade de contato com uma deidade benevolente que ele não
conseguia atingir. Embora não tenha se sujeitado à compreensível oposição da
mãe à sua perigosa carreira, embora tenha rejeitado os projetos de matrimônio
que ela tentou arranjar para ele, embora exigisse dinheiro constantemente,
mesmo quando a fortuna da família já tinha se esgotado, a afeição entre mãe e
filho nunca acabou. A única recriminação que poderia ser feita a Marie seria a
de ter representado involuntariamente para seu filho um modelo de perfeição
feminina que ele não reencontrou em nenhuma outra mulher.
Podia-se apreciar nela até mesmo o
caráter absolutista e sarcástico. Ela não se reconhecia nessas famílias mais
preocupadas em gerenciar suas finanças e fazer fortuna para os descendentes do
que em aproveitar a existência. Cada vez que dispunha de um pouco de dinheiro,
ela o gastava em roupas, preferindo a admiração dos filhos à aprovação dos
parentes mais escrupulosos.
As cartas publicadas de Antoine para
a mãe demonstram claramente, até o último dia, sua constante sede da afeição e
do incentivo maternos, não desmentidos de forma alguma pelas suas recordações
das férias em Saint-Maurice ou das visitas ao castelo de La Môle nas colinas do
interior de Saint-Tropez, onde Marie passara a infância. A última mensagem de
Antoine, redigida alguns dias antes da sua morte, e recebida por ela diversos
meses mais tarde, terminava com a súplica: “Mamãe, beije-me como eu a beijo do
fundo do meu coração”. Essa carta continha um eco de quarenta anos daquilo que Antoine
sempre considerara a pior das punições para sua contínua indisciplina: ser
mandado para a cama sem o beijo materno. Seus pedidos desesperados de
reconciliação antes de dormir nunca ficavam sem resposta.
A necessidade da afeição de sua petite
mama, sentida a vida inteira, está intimamente vinculada às felicidades da
infância e a seu talento para evocar o abençoado passado em termos simples. Em
1964, com cerca de 90 anos, Marie de Saint-Exupéry, em solteira Boyer de
Fonscolombe, publicou suas recordações do castelo familiar de La Môle numa
compilação de ensaios intitulada J’Écoute Chanter mon Arbre. Seu amor pela
música, pela natureza e pela literatura, que se evidenciam na evocação de uma
infância idílica em companhia de seus três irmãos e da irmã mais nova, sem
dúvida foi transmitido ao filho.
Marie Boyer De Fonscolombe,
mãe de Antoine De
Saint-Exupéry
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