XIII
Ela
teme esse homem silencioso. À noite, quando acorda ao lado dele, que ainda
dorme, tem a impressão de estar abandonada numa praia deserta.
—
Aperte-me em seus braços!
Experimenta,
no entanto, êxtases de ternura... mas a estranha vida encerrada neste corpo, os
sonhos desconhecidos, sob o resistente osso da fronte! Deitada neste peito,
sente a respiração do homem aumentar e diminuir como uma onda, semelhante à
angústia de uma travessia. Com o ouvido colado ao corpo, escutando o forte
bater do coração — motor em marcha ou machado do lenhador —, experimenta o
sentimento de uma fuga rápida e incompreensível. E este silêncio, quando
pronuncia uma palavra que o desperta. Conta os segundos entre as palavras e a
resposta, como numa trovoada — um... dois... três... Ele está para além dos
campos. Se Bemis fecha os olhos, ela pega sua cabeça, pesada como a de um
cadáver, como uma pedra, e a embala. “Meu amor, que solidão..."
Misterioso
companheiro de viagem.
Os
dois estendidos e mudos. Sente-se a vida que os percorre como um rio. Uma fuga
vertiginosa. O corpo: esta canoa deitada ao mar...
—
Que horas são?
Faz-se uma pausa: viagem esquisita. "Meu
amor!" Ela se aconchega a ele, com a cabeça caída, os cabelos revoltos,
como se tivesse sido tirada das águas. A mulher emerge do sono ou do amor, com
a mecha de cabelos colada ao rosto desfeito, como saída dos mares.
—
Que horas são?
Ah!
Por quê? As horas passam como pequenas estações de província — meia-noite, uma,
duas horas — deixadas para trás, perdidas. Alguma coisa que não se pode reter
flui por entre os dedos. Envelhecer não significa nada.
—
Imagino-o muito bem, já com cabelos brancos e eu a seu lado, cheio de juízo,
como sua amiga...
Envelhecer
não significa nada.
Mas
este segundo desperdiçado, esta calma diferente, ainda um pouco mais longa, é
isso que fatiga!
—
Me fala do seu país?
—
Além
Bernis
sabe que é impossível. Cidades, mares, pátrias: tudo a mesma coisa. Às vezes,
assumem um aspecto efêmero, que se adivinha sem compreender, que não se traduz.
Acaricia
o ventre dessa mulher, o lugar onde a carne é indefesa. Mulher: a mais nua das
carnes vivas e a que brilha como a mais suave. Ele pensa nesta vida misteriosa
que a anima e a aquece como um sol, como um clima interior. Bemis não diz que
ela é tenra ou bela, mas morna. Morna como um animal Viva. E o coração batendo
sempre, fonte diferente da sua e encerrada naquele corpo.
Sonha
com a excitação que escapou dele, por alguns segundos: pássaro louco que bate
as asas e morre. Mas agora...
Agora,
na janela, o céu treme. A mulher, após o amor, sente-se aniquilada e despojada
do desejo do homem. Lançada entre as estrelas frias. As paisagens do coração transformam-se
tão depressa... Superado o desejo, superada a ternura, cruzado o rio de fogo.
Agora puro, livre, à vontade com o corpo, ele se sente como na proa de um
navio, no alto-mar.
XIV
Esta
sala arrumada parece um cais. Em Paris, Bemis padece horas desertas à espera do
momento em que o expresso partirá. Com a cabeça encostada à vidraça, observa a
multidão em trânsito. É ultrapassado por este rio. Cada homem faz um projeto,
apressa-se. Intrigas encadeiam-se e desencadeiam-se, alheias a ele. Esta
mulher, que ali vai, dá apenas dez passos e desaparece no tempo. Esta multidão
era a matéria viva que nos nutria de lágrimas e sorrisos; mas agora, aí está
ela, identificando-se com multidão dos povos mortos.
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