domingo, 2 de julho de 2017

TERRA DOS HOMENS - 12

O AVIÃO E O PLANETA

            I

            Sem dúvida, o avião é uma máquina — mas que instrumento de análise! Esse instrumento nos permitiu descobrir a verdadeira face da Terra. Na verdade, durante séculos, as estradas nos enganaram. Parecíamos aquela rainha que desejou conhecer os seus súditos e saber se eles gostavam de seu reinado. Os cortesãos, para iludi-la, ergueram cenários felizes ao longo da estrada e pagaram a artistas para que dançassem ali. Fora daquele estreito caminho, ela nem sequer entreviu nada, e não soube que pelos campos adentro seu nome era amaldiçoado pelos que morriam de fome.

            Assim nós caminhávamos ao longo de estradas sinuosas. Elas evitam as terras estéreis, os rochedos, os areais; seguem as necessidades do homem e vão de uma fonte a outra fonte. Conduzem os camponeses de suas granjas às plantações de trigo, recebem na porteira dos currais o gado ainda adormecido e o levam, pela manhãzinha, até o capinzal farto. Unem esta aldeia a esta outra aldeia porquê de uma para outra as pessoas se casam. E mesmo se uma delas se aventura a cortar o deserto, ei-la que faz mil voltas para regozijar-se com os oásis.

            Assim, enganados pelas suas curvas, que são indulgentes mentiras, perlongando, no curso de nossas viagens por essas estradas, tantas terras bem-regadas, tantos vergéis, tantos prados, embelezamos, durante muito tempo, a imagem de nossa prisão. Pensamos que este planeta fosse úmido e suave.

            Mas nossa vista se aguçou, e fizemos um progresso cruel Com o avião, aprendemos a linha reta. Logo que decolamos, abandonamos essas estradas que se inclinam para os bebedouros e os currais, ou serpenteiam de cidade em cidade. Libertados, desde logo, das servidões queridas, libertados da necessidade das fontes, apontamos a proa para o alvo longínquo. Só então, do alto de nossas trajetórias retilíneas, descobrimos o embasamento essencial, o fundo de rocha, de areia, de sal em que, uma vez ou outra, como um pouco de musgo entre ruínas, a vida ousa florescer.

            Então somos transformados em físicos, em biologistas, examinando essas civilizações que enfeitam o fundo dos vales e às vezes, por milagre, se estendem como parques onde o clima as favorece. Então podemos julgar o homem por uma escala cósmica, observando-o através de nossas vigias como se fora através de instrumentos de estudo. Então relemos a nossa história.



            II

            O piloto que se dirige para o estreito de Magalhães sobrevoa, um pouco ao sul do rio Galegos, uma antiga corrente de lavas. Esses escombros pesam sobre a planície com o peso de vinte metros de espessura. Depois, o piloto encontra outra corrente morta de lavas e mais outra: cada elevação do solo, cada colina de duzentos metros de altura mostra a sua cratera. Nada que se pareça ao orgulhoso Vesúvio: erguidas ali, à mesma altura, aquelas goelas de canhão.

            Mas hoje a calma se fez. Sente-se com surpresa essa calma naquela paisagem revolvida em que mil vulcões troavam juntos com o ruído de seus grandes órgãos subterrâneos, cuspindo fogo. Voa-se sobre uma terra muda, ornada de geleiras negras.

            Mais adiante, porém, vulcões mais antigos já estão cobertos por uma relva dourada. Uma árvore cresce, às vezes, numa cratera, feito uma flor num vaso velho. Sob uma luz de crepúsculo, a planura se faz luxuosa como um parque, civilizada pela vegetação pequena, e mal se curva em volta das gargantas gigantescas. Uma lebre salta, um pássaro voa: a vida tomou posse de um planeta novo. A boa massa da terra se depositou, enfim, sobre o astro.

            Finalmente, um pouco antes de Punta Arenas, as últimas crateras aparecem. Um verde cerrado veste as curvas dos vulcões: eles agora são apenas doçura. Não há dobra ou fenda do terreno que não tenha recebido o tapete de vegetação suave. A terra é lisa, os declives são fracos; esquecemos a origem daquilo. A relva apaga, no flanco das colinas, os sinais sombrios do vulcão.

            Agora, voamos sobre a cidade mais meridional do mundo, a cidade que o acaso de um pouco de lama ou de lodo permitiu nascer entre os gelos austrais e as lavas primitivas. Tão perto ainda daquelas correntes negras como se sente bem aqui o milagre do homem! É uma estranha descoberta, a desta cidade. Não se sabe como nem por que o peregrino visita estes jardins bem-tratados, habitáveis há tão pouco tempo, apenas uma época geológica, um dia abençoado entre os dias.

            Aterrissei na doçura da tarde. Punta Arenas! Fico parado junto a uma fonte e olho as moças. Assim, tão perto da beleza dessas moças, sinto ainda melhor o mistério humano. Em um mundo em que a vida se une tanto à vida, em que as flores amam as flores no próprio leito dos ventos, em que o cisne conhece todos os cisnes, só os homens constroem a sua solidão.

            Entre um e outro homem, o espírito reserva um estranho espaço. Um sonho de moça a distância de mim. Como atingi-la? Que posso saber dessa moça que volta para casa a passos lentos, os olhos baixos, sorrindo para si mesma, cheia de descobertas e mentiras adoráveis? Com os pensamentos, a voz e os silêncios de seu amado ela construiu um Reino — e desde então, para ela, fora desse Reino todos são bárbaros. Mais do que se estivesse em outro planeta, ela está isolada de mim em seu segredo, em seus costumes, nos murmúrios encantados de sua memória. Nascida ontem dos vulcões, da relva, do sal dos mares, essa moça já é meio divina.

            Punta Arenas! Fico parado junto a uma fonte. Velhas chegam para apanhar água: de seus dramas nada conhecerei além desse trabalho de servas. Um menino, junto ao muro, chora em silêncio. Nada ficará dele em minha lembrança, a não ser a imagem de um belo menino, inconsolável para sempre. Sou um estranho. Não sei nada. Não penetro em seus Reinos.

            Como é estreito o cenário em que se representa a peça dos ódios, das amizades, das alegrias humanas! De onde foram tirar os homens esse gosto de eternidade, vivendo ao acaso, como vivem, sobre uma lava ainda morna, já ameaçados pelas neves ou pelas areias do futuro? Suas civilizações são enfeites bem frágeis: um vulcão as apaga, ou um mar novo, ou um vento de areia.

             Esta cidade parece repousar em uma terra verdadeira, rica em profundidade, como a terra de Beauce. Esquecemos que a vida, aqui como em toda parte, é um luxo, e que em parte nenhuma a terra é bem profunda sob os passos do homem. Mas eu conheço, a dez quilômetros de Punta Arenas, uma lagoa que nos demonstra essa verdade. Cercada de árvores mirradas e casinhas baixas, humilde como um brejo no fundo de uma fazenda, ela sofre inexplicavelmente o fluxo e o refluxo das marés. Respirando lentamente, noite e dia, entre tantas realidades pacificas, entre aqueles caniços, aquelas crianças que brincam, ela obedece a outras leis. Sob a superfície unida, sob o gelo imóvel, sob o único barco desmantelado, a energia da lua trabalha. Remoinhos marítimos trabalham, nas profunduras, aquela massa negra. Estranhas digestões se operam ali em volta, até o estreito de Magalhães, sob a camada ligeira de ervas e de flores. Aquele brejo de cem metros de largura, no pórtico de uma cidade em que o homem se acredita em casa, bem-estabelecido na terra dos homens, aquele brejo está pulsando com a pulsação do mar.



            III

            Habitamos um planeta errante. De tempos a tempos, graças ao avião, ele nos mostra sua origem: um brejo, em relação com a lua, revela parentescos ocultos — mas eu já tenho percebido outros sinais.

            Na costa do Saara, entre o cabo Juby e Cisneros, o piloto sobrevoa, de longe em longe, platôs em forma de troncos de cone cuja largura varia de algumas centenas de passos até mais de trinta quilômetros. A altitude, notavelmente uniforme, desses platôs, é de trezentos metros. Além dessa igualdade de nível, eles apresentam a mesma coloração, a mesma composição do solo, o mesmo feitio de suas escarpas. Como as colinas de um templo, emergindo solitárias da areia, mostram ainda os vestígios da cúpula que desabou, assim esses pilares distantes trazem até nós o testemunho de um vasto planalto que os unia outrora.

            Durante os primeiros anos da linha Casablanca-Dacar, quando o material era frágil, muitas vezes tínhamos de aterrissar na região dos rebeldes devido a uma pane ou para procurar ou socorrer alguém. E a areia engana; quando se pensa descer em terreno firme, as rodas afundam. Quanto às antigas salinas que parecem apresentar a rigidez do asfalto e que respondem com um som duro quando se batem as botas no chão, muitas vezes elas cedem ao peso das rodas. A crosta alva de sal parte-se, então, sobre a podridão de um pântano negro. Por isso, sempre que era possível, escolhíamos, para descer, as superfícies lisas daqueles platôs, que não dissimulavam nunca uma cilada.

            Essa garantia era devida à presença de uma areia resistente, grossa, conjunto enorme de minúsculas conchas. Ainda intatas na superfície do platô, elas se fragmentavam e se aglomeravam à medida que se descia ao longo de uma aresta. No depósito mais antigo, na base do maciço, já eram calcário puro.

            Durante o cativeiro de Reine e Serre, companheiros dos quais os dissidentes se haviam apoderado, aterrissei em um desses refúgios para deixar ali um emissário mouro. Antes de separar-me dele, procuramos juntos um caminho por onde ele pudesse descer. Mas em todas as direções o nosso terraço terminava em uma escarpa vertical para o abismo. Impossível descer.

            Entretanto, antes de decolar para procurar em outra parte um melhor ponto de descida, eu me demorei ali. Sentia uma alegria talvez pueril em marcar com os meus passos um território que ninguém nunca, nem homem, nem bicho, ainda havia pisado. Nenhum mouro poder-se-ia lançar ao assalto daquela praça-forte. Nenhum europeu havia jamais explorado aquele território. Eu pisava uma areia infinitamente virgem. Era o primeiro a fazer escorrer de uma mão para outra, como ouro precioso, aquela poeira de conchas. O primeiro a perturbar aquele silêncio. Sobre aquela espécie de banquisa polar que, através de toda a eternidade, não havia formado uma só moita de capim, eu era, tal uma semente trazida pelo vento, o primeiro testemunho da vida.

            Uma estrela já brilhava, e eu a contemplei. Imaginei que aquela superfície branca em que me achava havia estado ali, feito uma oferta, perante os astros somente, durante centenas de milhares de anos. Lençol imaculado estendido sob a pureza do céu. E senti alguma coisa no coração, assim como no limiar de uma grande descoberta, quando descobri sobre esse lençol, a 15 ou vinte metros de mim, um pedaço de pedra negra.

            Eu estava sobre trezentos metros de espessura de conchas moídas. Toda a formação do terreno se opunha, como uma prova peremptória, à presença de uma pedra. Sílices poderiam dormir, talvez, nas profundezas subterrâneas, surgidos das lentas digestões do globo, mas que milagre teria feito subir um dentre eles até o alto, até aquela superfície por demais recente? O coração batendo com força, abaixei-me para apanhar o meu achado; um pedaço de pedra dura, negra, do tamanho de um punho, pesada como metal, em forma de lágrima.

            Um lençol estendido sob uma macieira só pode receber maçãs; um lençol estendido sob as estrelas só pode receber poeira dos astros. Nunca nenhum aerólito havia mostrado a sua origem com uma tal evidência.

             Então, naturalmente, erguendo a cabeça, refleti que, do alto daquela macieira celeste, outros frutos deveriam ter caído. Eu os acharia no mesmo lugar de sua queda porque, através de centenas de milhares de anos, nada os poderia ter desarrumado, e eles não se confundiam com o terreno. Fiz logo uma exploração para verificar minha hipótese.

            E ela estava certa. Catei aerólitos na razão aproximada de um por hectare. Sempre aquele aspecto de lava petrificada. Sempre aquela dureza de diamante negro. E eu assistia, assim, numa recapitulação empolgante, do alto do meu pluviômetro para estrelas, a uma lenta chuva de fogo.



            IV

            O mais maravilhoso, porém, é que houvesse ali, de pé sobre o dorso curvo do planeta, entre aquele branco lençol imantado e as estrelas, uma consciência de homem na qual aquela chuva pudesse se refletir como em um espelho. Sobre uma base de minérios, um sonho é um milagre. E eu me lembrei de um sonho...

            Obrigado a descer, de outra feita, em uma região de areia espessa, esperava a madrugada. As colinas de ouro ofereciam à lua suas vertentes luminosas, e as vertentes de sombra subiam até os limites da luz. Naquela paisagem deserta de sombra e lua, reinava uma paz de trabalho suspenso e também um silêncio de cilada. No seio desse silêncio, adormeci.

            Quando despertei, vi apenas a bacia do céu noturno, porque eu me havia estirado sobre um monte, os braços em cruz, o rosto voltado para aquele aquário de estrelas. Sem compreender ainda o que via, sem saber em que profundeza mergulhava os olhos, fui presa de uma vertigem, sem uma raiz a que me agarrar, sem um teto, um ramo de árvore entre mim e aquela profundeza, solto, largado na queda como um mergulhador.

            Mas não cai. Da cabeça aos pés, estava ligado à terra. Sentia uma espécie de apaziguamento, abandonando-lhe o meu peso. A força da gravidade me aparecia, de repente, soberana como o amor.

            Sentia a terra escorar meus rins, sustentar-me, erguer-me, transportar-me no espaço noturno. Descobri-me ligado ao meu astro por um peso semelhante a esse peso que na curva nos liga a um carro, e gozei esse estreitamento admirável, essa solidez, essa segurança. Adivinhei, sob o meu corpo, a curva de meu barco.

            Tinha tão perfeita a consciência de estar sendo transportado que teria ouvido sem surpresa subir do fundo das terras a lamentação dos materiais que se reajustam no esforço, o gemido dos velhos veleiros que se chegam ao ancoradouro, o longo, áspero grito das lanchas aflitas. Mas o silêncio continuava na espessura das terras. Mas aquele peso de meu corpo, aquele peso em meus ombros eu o sentia harmonioso, nobre, eternamente uniforme. Eu sentia bem que habitava esta pátria, como os corpos dos forçados das galés, mortos, com seu lastro de chumbo, habitavam o fundo dos mares.

            Meditava sobre a minha condição, perdido no deserto e ameaçado, nu entre a areia e as estrelas, afastado por um longo silêncio dos polos de minha vida. Sabia que haveria de gastar, para voltar às minhas terras, dias, semanas, meses, se nenhum avião me encontrasse, se os mouros não me massacrassem no dia seguinte. Não possuía mais nada no mundo. Era apenas um mortal perdido entre a areia e as estrelas, consciente da única doçura de respirar...

            Contudo, eu me descobria cheio de sonhos. Sonhos que me vinham em silêncio, como água de nascente, sem que eu compreendesse, a princípio, a doçura que me invadia. Não houve imagens nem vozes, mas o sentimento de uma presença, de uma ternura próxima, que eu já adivinhava. Então compreendi e me abandonei, de olhos fechados, aos encantamentos da memória.

            Havia, em algum lugar, um parque cheio de pinheiros escuros e tílias, e uma velha casa que eu amava. Pouco importava que ela estivesse distante ou próxima, que não pudesse cercar de calor o meu corpo, nem me abrigar, reduzida apenas a um sonho; bastava que ela existisse para que a minha noite fosse cheia de sua presença. Eu não era mais um corpo de homem perdido no areal. Eu me orientava. Era o menino daquela casa, cheio da lembrança de seus perfumes, cheio da frescura de seus vestíbulos, cheio das vozes que a haviam animado. E chegava mesmo até mim o coaxar das rãs nos charcos próximos. Precisava desses mil sinais para reconhecer a mim mesmo, para descobrir de quantas ausências era feito o gosto daquele deserto, para achar um sentido naquele silêncio feito de mil silêncios, naquele silêncio em que até as rãs emudeciam.

            Não, eu não me estirava mais, solitário, entre a areia e as estrelas. Da paisagem, recebia apenas uma fria mensagem. Mesmo aquele gosto de eternidade que pensei viesse do deserto tinha outra origem. Eu revia os grandes armários solenes da casa. Eles se entreabriam mostrando pilhas de lençóis alvos como a neve. Eles se entreabriam mostrando provisões cobertas de neve. A velha governanta trotava de um armário a outro como um rato, sempre conferindo, desdobrando, tomando a dobrar, contando o linho branco, exclamando: "Ah, meu Deus, que infelicidade!" ao notar algum leve sinal de estrago que ameaçasse a eternidade da casa, e correndo logo para queimar os olhos sob a lâmpada, a cerzir aqueles linhos que para ela eram como toalhas de altar, como velas de três mastros — para servir a alguma coisa de muito grande, como um deus ou um navio.

            Ah, eu bem te devo uma página! Quando eu voltava de minhas primeiras viagens. Mademoiselle, eu te encontrava com a agulha na mão, afundada até os joelhos em tua sobrepeliz branca, cada ano um pouco mais enrugada, os cabelos um pouco mais alvos, preparando sempre com tuas mãos aqueles linhos sem dobras para nossos sonos, aquelas toalhas sem costuras para nossos jantares, que eram festas de cristais e de luzes. Eu ia te visitar em tua lingerie, sentava-me em tua frente e contava os perigos de morte que sofrera, para te comover, para te abrir os olhos sobre o mundo, para te corromper. Eu não havia mudado nada — dizias então. Quando era menino, já vivia rasgando as camisas — ah, que infelicidade! —, já vivia esfolando os joelhos e depois vinha correndo para casa, como naquela tarde, para que tratassem de mim.

            Mas não, não, Mademoiselle! Não era mais do fundo do parque que eu vinha agora; era dos confins do mundo. E trazia comigo o odor acre das solidões, o turbilhão dos ventos de areia, as luas deslumbrantes dos trópicos!

            Eu sei, eu sei —tu me dizias —, os meninos são assim, pensam que são muito fortes, vivem em correrias, se machucam todos. Mas não, não, Mademoiselle, eu havia ido muito além do parque. Ah, se soubesses como essas sombras do parque são pouca coisa! Como parecem perdidas entre os areais, as rochas, as florestas virgens, os charcos da terra! Sabes, ao menos, que há terras em que os homens, logo que enxergam a gente, apontam suas carabinas? Sabes que há desertos, Mademoiselle, em que a gente dorme numa noite gelada, sem teto, sem cama, sem um lençol, Mademoiselle?

            E tu dizias: —Ah, menino...

            Eu não abalava a tua fé, como não abalaria a fé de uma velha serva da Igreja. Lamentava teu destino humilde que te fazia cega e surda...

            Mas esta noite, no Saara, sozinho entre a areia e as estrelas, eu te faço justiça.

            Não sei o que se passa em mim. Esta força de gravidade me liga ao chão quando tantas estrelas são imantadas. Uma outra força de gravidade me prende a mim mesmo. Sinto o meu peso que me une a tantas coisas! Meus sonhos são mais reais que estas dunas, esta lua, estas presenças. Oh, o que há de maravilhoso numa casa não é que ela nos abrigue e nos conforte, nem que tenha paredes. É que deponha em nós, lentamente, tantas provisões de doçura. Que forme, no fundo de nosso coração, essa nascente obscura de onde correm, como água da fonte, os sonhos...

            Ah, o meu Saara, o meu Saara inteiro encantado por uma velha fiandeira!




            

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