Em 31 de julho de 1944, treze meses após ter deixado
os Estados Unidos num comboio militar com destino à África do Norte, Saint-
Exupéry foi dado como desaparecido após uma longa missão de reconhecimento
fotográfico ao sul da França. O diário da companhia 2/33 indica que ele partira
da Córsega rumo a Saboia, e não retornara quatro horas mais tarde, quando
deveria finalizar sua missão. Por volta das 2h30 da tarde, perdeu-se toda a
esperança de vê-lo regressar à base.
“Com ele perdemos não só nosso companheiro mais querido,
mas aquele que para nós era um grande exemplo de fé. Ele veio partilhar nossos
riscos apesar da idade, não para acrescentar uma glória vã a uma carreira
magnífica, mas porque sentia em si mesmo essa necessidade. Saint-Exupéry é
desses homens que são grandes diante da vida, porque sabem respeitar a si
mesmos.”
A primeira homenagem póstuma a um dos maiores
escritores do século XX foi acompanhada de especulações otimistas sugerindo que
Saint-Exupéry talvez ainda estivesse vivo, após seu oitavo voo num dos
aparelhos mais rápidos e mais modernos da aviação aliada, um P-38 Lightning
americano. De acordo com o diário da unidade, ele poderia ter-se refugiado na
Suíça, após uma aterrissagem forçada, se unido ao maquis na Saboia ou ter sido
feito prisioneiro. Como seu avião nunca foi encontrado, assim como ninguém
descobriu onde desapareceram Mermoz e Guillaumet, as especulações continuaram
durante anos. O Lightning se desintegrara em voo a elevada altitude, segundo a
teoria de Lindbergh, ou se espatifara nos Alpes? Testemunhos plausíveis
sustentam a hipótese de que Saint-Exupéry teria sido abatido acima de Nice ou
de Agay. Outros pensam que ele caiu no Mediterrâneo após ter sido vítima de um
problema de falta de oxigênio.
Inevitavelmente
houve, entre aqueles que conheciam a tendência de Saint-Exupéry à melancolia,
boatos de suicídio. Essa ideia foi muito mal aceita pela família Saint-Exupéry,
que considerava impensável que, criado como católico, pudesse atentar
deliberadamente contra a vida.
O testamenteiro de seus direitos literários, Frédéric
d’Agay, resumiu os sentimentos da família: “Se os senhores não acreditam que Saint-Exupéry
ofereceu a vida por espírito de sacrifício, como os cavalheiros, então não
sabem nada sobre ele”. Sua mãe, Marie de Saint-Exupéry, suspeitou da
possibilidade de Saint-Exupéry ter desejado escapar das pressões profissionais
e pessoais que o assaltavam. Mas sua teoria passava longe de um possível
suicídio. Pouco depois da guerra, ela confiara a amigos que talvez seu filho
tivesse procurado refúgio num mosteiro.
A esperança tênue de que ele estivesse vivo, escondido
em algum retiro secreto e dando os últimos retoques a Cidadela, não conseguiu
atenuar sua angústia. Na Páscoa de 1945, Marie escreveu um poema no qual
manifestava a dor de saber que seu filho não fora sepultado:
Partout je cherche mon enfant,
Au jour de mon enfantement
J’ai crié pour le mettre au monde,
Et je crie encore aujourd’hui
Quand je ne sais rien de lui,
Plus rien, même pas une
tombe.
Mais “sa faim de lumière
était telle Qu’il monta”, pèlerin des étoiles,
Pèlerin du ciel, est-il
arrivé
Aux balises de Dieu? Ah!
Se je le savais
Je pleurerais moins sous
mon voile.*
*Procuro
meu filho em todos os lugares
No
dia em que dei à luz,
Gritei para colocá-lo no mundo,
E ainda grito hoje
Ao não saber nada sobre ele,
Mais nada, nem mesmo uma tumba.
Mas
“sua fome de luz era tão grande que ele subiu”, peregrino das estrelas,
Peregrino
do céu, será que ele chegou
Às
balizas de Deus? Ah! Se eu soubesse
Choraria
menos sob meu véu.
Não existe nenhum
testemunho de uma eventual conversa na qual Saint-Exupéry tivesse mencionado a
intenção de se suicidar. No entanto, em várias cartas ele expressa uma profunda
indiferença em relação à morte, encarando-a até mesmo com alívio.
Durante sua estadia na África do Norte, em 1943 e
1944, diversas vezes demonstrou seu cansaço. Em sua vida acumulavam-se
problemas de saúde e preocupações devidas à falta de sorte, à idade e ao rancor
de seus detratores. Em julho de 1944, exatamente trinta e dois anos após o seu primeiro
voo em Ambérieu com os irmãos Wroblewski, face à perspectiva da morte, ele pode
não ter encontrado a vontade sobre-humana necessária para sobreviver! Ele sabia
que seus dias como piloto na aeronáutica estavam contados, pois estava velho
demais para missões aéreas. Sua saúde era deficiente, e era extremamente pessimista
quanto ao fim e às consequências da guerra. Talvez tivesse tido coragem para
lutar se pudesse ser reconfortado pela mãe, porém a França metropolitana estava
ocupada e sua correspondência, nos últimos meses, limitava-se a algumas raras
cartas contrabandeadas por membros da Resistência que agiam no Mediterrâneo. No
início de 1943 chegavam poucas notícias à África do Norte, com exceção de
informações alarmantes, como a destruição do castelo de Agay pelos alemães,
para reforçar sua linha de defesa.
Em Nova York, através de artigos e cartas abertas à
imprensa, Saint-Exupéry expressara diversas vezes sua convicção de que as diferenças
entre Vichy e a França Livre deveriam ser superadas para restaurar a unidade
nacional. Mas ele subestimava a determinação de De Gaulle de aniquilar qualquer
pretensão de Philippe Pétain a participar de um governo pós-guerra, instaurando
o que Saint-Exupéry interpretou como uma impiedosa caça às bruxas.
O próprio escritor transformou-se num dos alvos
secundários dessa guerra política,
quando sua vida parecia retomar um curso normal após sua chegada a Argel. Ele
se instalara na casa de Georges Pélissier, médico e crítico literário amador,
que conhecia há vinte anos. Em menos de 24 horas também tinha reencontrado seu
instrutor da escola marítima de aviação de Brest, Lionel-Max Chassin, e
pedira-lhe emprestado um avião para ir ao encontro dos pilotos do 2/33
acantonados em Laghouat.
Infelizmente, para poder desempenhar um papel ativo na
aviação, Saint-Exupéry tinha de se entrevistar com o general Henri Giraud,
futuro presidente do comitê de libertação nacional com base em Argel. Giraud
era a peça principal do esquema do presidente Franklin D. Roosevelt,
determinado a frear a crescente influência de De Gaulle, e seu apoio iria
acabar prejudicando Saint-Exupéry.
Giraud pediu pessoalmente ao general Dwight D.
Eisenhower, comandante-em-chefe das tropas americanas na África do Norte, permissão
para Antoine reintegrar-se à companhia 2/33. Mas, a autoridade do general
francês declinou rapidamente três semanas após a chegada de Saint-Exupéry,
enquanto De Gaulle instalava seu quartel-general em Argel.
Se Saint-Exupéry tivesse concentrado seus esforços
naquilo que fazia melhor — escrever e voar —, em vez de se obstinar em criticar
o movimento gaullista, poderia ter sido poupado de várias perseguições
mesquinhas, entre elas a proibição de Piloto de Guerra pelo governo provisório
de De Gaulle. O mais absurdo era que uma edição publicada pela Resistência circulava
na França, por baixo do pano.
De Gaulle também omitiu o nome de Saint-Exupéry em seu
discurso de 30 de outubro, destinado a honrar os escritores que tinham
preferido o exílio à colaboração. Recusou-se a ajudar Saint- Exupéry a reintegrar-se
ao serviço ativo, e teria mesmo descartado sua solicitação, optando publicamente
por conservar dele apenas a habilidade em realizar truques de baralho. Se
recordarmos que Piloto de Guerra fora proibido pelo governo reacionário de
Vichy — alguns meses após sua publicação ter sido autorizada —, não é surpreendente
que Saint-Exupéry tenha considerado justificadas as suas opiniões mais radicais
sobre o autoritarismo de De Gaulle. Em duas cartas ele expressa seu desprezo
pelo projeto do general, que visava restaurar o poder da França, apoiando-se em
seu prestígio pessoal.
Saint-Exupéry confiara ao seu editor americano Curtice
Hitchcock que, em sua opinião, o gaullismo continha o germe da ameaça de
ditadura e do nacional-socialismo. Chegara a levar essas reflexões a um nível oficial quando escreveu a
Robert Murphy, representante do governo americano em Argel, que era
inconcebível que a salvação da França se baseasse numa purgação sangrenta
ordenada pelos fanáticos do que ele chamava de “partido único”, em outras
palavras, os gaullistas. Em grande parte, as excessivas acusações de Saint-Exupéry
deviam-se à amargura de ter sido tratado como covarde pelos gaullistas de Nova
York. Ele precisava apagar esse insulto, o que explica sua determinação de
participar de algumas das mais perigosas missões aéreas da guerra, num aparelho
que punha à prova até mesmo a competência e a resistência dos pilotos mais
jovens e robustos. A única forma de recuperar sua honra era enfrentando a
morte.
Sua consciência teria bastado para empurrá-lo além de
seus próprios limites, mesmo sem a pressão da perseguição gaullista. Numa carta
a Sylvia Hamilton, ele confessava ter sofrido “remorsos incríveis” quando vivia
em Nova York enquanto seus compatriotas morriam em combate. “Por que não me deixam,
a bordo de um avião de guerra, viver uma vida pura?”, lamentava-se ele.
Retrospectivamente, parece claro que só uma ordem
oriunda da mais alta autoridade ou o final da guerra teria podido salvar
Saint-Exupéry daquilo que parece um destino inevitável e deliberadamente
assumido. Não era melhor morrer gloriosamente enfrentando o inimigo que ficar
pregado ao solo pela vingança política?
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