domingo, 9 de julho de 2017

A VIDA DE SAIT-EXUPÉRY - 5

Em 15 de agosto de 1900, no Dia da Assunção, o padre da paróquia, François Montessuy, deu ao recém-nascido o nome de Antoine Jean-Baptiste Marie Roger Pierre. O atestado de batismo con­tém assinaturas de numerosos amigos e parentes, inclusive a do pa­drinho, seu tio Roger de Saint-Exupéry, então capitão de infantaria. A madrinha, porém, Alice Boyer de Fonscolombe, que era também avó materna de Antoine, não pôde abandonar seu castelo de La Môle, tendo sido representada pela tia solteira de Antoine, Madeleine de Fonscolombe, irmã mais moça de sua mãe.
A primeira assinatura é a do pai, Jean de Saint-Exupéry, que morreu 3 anos e 9 meses mais tarde, deixando à viúva a carga de cinco crianças de menos de 8 anos. As duas irmãs mais velhas, Marie-Madeleine e Simone, que tinham na época 3 e 2 anos, estavam presentes ao batizado. François nasceu dois anos depois, e Gabrielle, a caçula, em 1904. Junto com Antoine, eles eram as “cinco crianças em um parque”, título do livro inédito de memórias de Simone, que representa a mais autêntica fonte de detalhes sobre a primeira infância de Saint-Exupéry.
Sobre a mesa oval de madeira maciça da vasta sala de jantar do castelo do século XVIII de Saint-Maurice-de-Rémens é que foram escritas as primeiras anotações desta biografia. O aposento ainda está mobiliado como na época do batismo de Antoine. Embora o castelo tenha sido transformado em 1933 em colônia de férias para acolher crianças dos subúrbios de Lyon, a sala de jantar conservou a marca do mundo aristocrático do início do século, seguro de seus privilégios. Sobre um piso de lajes de mármore branco e preto subsistem o imponente guarda-louça de estilo italiano, esculpido com pesados cachos de uva e espigas de trigo, e as cadeiras da mesma época estofadas de couro vermelho. Uma luminária de opalina de linhas sóbrias reflete-se no espelho Luís Felipe, que decora a lareira de mármore.
Embora haja pouca graça no aposento, existe um sentimento de permanência nesse templo solene da tradição, no qual a castelã Gabrielle, viúva condessa de Tricaud, cujo sobrenome de solteira era Lestrange, presidia os destinos de uma família nobre com hierarquias tacitamente estabelecidas, bem como os dos convidados. Durante seus primeiros anos, as crianças viviam retiradas, sob a vigilância de uma governanta, e faziam suas refeições numa sala situada perto da cozi­nha. Consideravam os adultos seres de uma outra raça, pouco indul­gente, que exerciam toda a autoridade sobre a juventude, admoestando-a, julgando-a ou punindo-a. Em Piloto de Guerra, Saint-Exupéry evoca recordações desse período durante uma missão na frente de guerra em 1940. Ele relata que, aos 5 anos, sentado numa mesinha do vestíbulo, interceptou trechos de uma conversa, cujas palavras lhe pareceram repletas de poder, entre dois de seus tios que o aterrori­zavam. Um deles, Hubert de Fonscolombe, “a própria imagem da severidade”, o ameaçara dizendo que mandaria trazer dos Estados Unidos uma máquina de chicotear.
Desse mesmo saguão revestido de lambris, no qual seus brinque­dos estavam arrumados em quatro baús compridos, parecidos com bancos, as cinco crianças escutavam as conversas provenientes da sala de jantar enquanto elaboravam projetos misteriosos. Nas lembranças de Antoine, essa estranha atmosfera tornava-se ainda mais pesada à noite, por causa da luz fraca dos lampiões de querosene que projetava sombras inquietantes ao longo do corredor, onde os forros de madeira das paredes encobriam uma passagem oculta para a capela, até a longa escada que conduzia aos quartos.

À esquerda, Marie de Saint-Exupéry, mãe de Antoine.
No alto, Jean de Saint-Exupéry, pai de Antoine.
Embaixo: Casamento de Marie e Jean de Saint-Exupéry




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