Em
15 de agosto de 1900, no Dia da Assunção, o padre da paróquia, François
Montessuy, deu ao recém-nascido o nome de Antoine Jean-Baptiste Marie
Roger Pierre. O atestado de batismo contém assinaturas de numerosos amigos e parentes,
inclusive a do padrinho, seu tio Roger de Saint-Exupéry, então capitão de
infantaria. A madrinha, porém, Alice Boyer de Fonscolombe, que era também avó
materna de Antoine, não pôde abandonar seu castelo de La Môle, tendo
sido representada pela tia solteira de Antoine, Madeleine de Fonscolombe, irmã
mais moça de sua mãe.
A
primeira assinatura é a do pai, Jean de Saint-Exupéry, que morreu 3 anos e 9
meses mais tarde, deixando à viúva a carga de cinco crianças de menos de 8
anos. As duas irmãs mais velhas, Marie-Madeleine e Simone, que tinham na época
3 e 2 anos, estavam presentes ao batizado. François nasceu dois anos depois, e
Gabrielle, a caçula, em 1904. Junto com Antoine, eles eram as “cinco crianças
em um parque”, título do livro inédito de memórias de Simone, que representa a
mais autêntica fonte de detalhes sobre a primeira infância de Saint-Exupéry.
Sobre a mesa oval de madeira maciça da vasta sala de jantar do castelo do século XVIII
de Saint-Maurice-de-Rémens é que foram escritas as primeiras anotações desta
biografia. O aposento ainda está mobiliado como na época do batismo de Antoine.
Embora o castelo tenha sido transformado em 1933 em colônia de férias para acolher crianças dos subúrbios de Lyon, a sala de jantar
conservou a marca do mundo aristocrático do início do século, seguro de seus
privilégios. Sobre um piso de lajes de mármore branco e preto subsistem o
imponente guarda-louça de estilo italiano, esculpido com pesados cachos de uva
e espigas de trigo, e as cadeiras da mesma época estofadas de couro vermelho.
Uma luminária de opalina de linhas sóbrias reflete-se no espelho Luís Felipe,
que decora a lareira de mármore.
Embora haja pouca graça no aposento, existe um sentimento
de permanência nesse templo solene da tradição, no qual a castelã Gabrielle,
viúva condessa de Tricaud, cujo sobrenome de solteira era Lestrange, presidia
os destinos de uma família nobre com hierarquias tacitamente estabelecidas, bem
como os dos convidados. Durante seus primeiros anos, as crianças viviam retiradas,
sob a vigilância de uma governanta, e faziam suas refeições numa sala situada perto da cozinha. Consideravam
os adultos seres de uma outra raça, pouco indulgente, que exerciam toda a
autoridade sobre a juventude, admoestando-a, julgando-a ou punindo-a.
Em Piloto de Guerra, Saint-Exupéry evoca
recordações desse período durante uma missão na frente de guerra em 1940. Ele
relata que, aos 5 anos, sentado numa mesinha do vestíbulo, interceptou trechos de uma conversa, cujas palavras lhe pareceram repletas de poder,
entre dois de seus tios que o aterrorizavam. Um deles, Hubert de Fonscolombe,
“a própria imagem da severidade”, o ameaçara dizendo que mandaria trazer dos
Estados Unidos uma máquina de chicotear.
Desse mesmo saguão revestido de lambris, no qual seus
brinquedos estavam arrumados em quatro baús compridos, parecidos com bancos,
as cinco crianças escutavam as conversas provenientes da sala de jantar
enquanto elaboravam projetos misteriosos. Nas lembranças de Antoine, essa
estranha atmosfera tornava-se ainda mais pesada à noite, por causa da luz fraca dos lampiões de querosene que
projetava sombras inquietantes ao longo do corredor, onde os forros de madeira
das paredes encobriam uma passagem oculta para a capela, até a longa escada que
conduzia aos quartos.
À esquerda, Marie de Saint-Exupéry, mãe de Antoine. No alto, Jean de Saint-Exupéry, pai de Antoine. Embaixo: Casamento de Marie e Jean de Saint-Exupéry |
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