A última carta
Antoine de Saint-Exupéry decolou do
aeroporto de Poretta, na Córsega, às 8:25 da manhã do dia 31 de julho de 1944,
para uma missão de reconhecimento aéreo sobre a França ocupada. Deveria
regressar por volta de meio dia, o que não ocorreu, e depois de alguns dias de
angustiada espera, é declarado morto em combate, e recebe honras fúnebres
oficiais.
Na véspera da última missão,
escreveu duas cartas, que ficaram sobre sua escrivaninha do quarto. Uma se
destinava a Pierre Dalloz, um arquiteto de quem se tornara amigo em 1939, e
reencontrara em 1943 em Argel. A outra carta, mais importante e pouco
divulgada, se destinava a Nelly De Vogüé, com quem tinha uma relação desde
1929, quando tinha 29 anos. Foi sua última carta. Poucos dias antes ele havia
escrito a Consuelo, mas era uma carta pouco amorosa, dizendo que lamentaria
fazê-la chorar caso fosse abatido em voo.
Na carta para Nelly, Antoine diz que
se sente muito só, e se queixa da divisão dos franceses entre os adeptos de De
Gaulle e os do Marechal Petain, chefe do governo colaboracionista de Vichy. Diz
que a ama, e que ela é a grande paixão de sua vida. É uma carta apaixonada,
carinhosa, e de despedida. Nos últimos dias antes da missão final, ele já havia
entregue a um amigo os manuscritos de seu último livro, ainda em rascunho, “Cidadela”
– com instruções de que caso não voltasse, deveria ser entregue juntamente com
correspondências, diretamente a Nelly. Depois de sua morte, ela é a herdeira
literária, responsável pela edição de Cidadela
em 1948, e da primeira biografia dele, em 1949, sob o pseudonimo de Pierre
Chevrier. Neste livro, ela dedica apenas uma linha e meia à esposa de
Saint-Ex...
Única foto conhecida de Nelly de Vogüé com Saint-Exupéry.
Ela está à esquerda e no meio Yvonne de Lestranges.
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Antoine conheceu Hélène (Nelly) de
Vogüé em 1929 na casa de Louise de Vilmorin, de quem estava noivo naquela
época. Nelly é amiga de Louise. Desde o início eles se sentiram atraídos um
pelo outro. Ele lhe mostra as provas de seu livro Correio Sul e lhe pede que faça uma leitura crítica e lhe transmita
suas observações. Ela se sente lisonjeada e impressionada com a atenção do
escritor. Eles se encontram frequentemente nos mesmos ambientes de salões
literários e grupos de intelectuais de Paris.
Hélène Jaunez, seu nome de solteira,
descende de uma família prussiana do
lado de mãe, e seu pai é um industrial proprietário de importantes fábricas de cerâmica
na França, que ela após sua morte irá administrar, se tornando uma das
primeiras mulheres a gerenciar uma empresa no país. Em 1927 se casa com Jean de
Vogüé, importante nome na aristocracia francesa.
A ligação entre Antoine e Nelly ao
longo dos anos se fortalece cada vez mais, apesar do casamento dele com
Consuelo, de quem aos poucos vai se afastando, até a separação total em 1943. Em
relação a Consuelo, Antoine tem um sentimento de proteção e responsabilidade.
Já
com Nelly, ele é o protegido, se sente acolhido, amado e reconfortado por ela.
É sua confidente mais íntima. Com o correr dos anos, ela tenta várias vezes
convencê-lo a se divorciar de Consuelo.
Ela tem excelentes contatos no mundo
empresarial e da mídia, e os utiliza para ajudar a carreira dele. Paga suas
dívidas várias vezes, vai ao seu encontro em uma estação de trem para lhe
trazer roupas “decentes” a fim de que ele possa ir a Paris receber um prêmio
literário. Chega a presenteá-lo com um avião monomotor Simoun na década de 30.
Depois do acidente que ele sofreu em
1938, ela o acompanha em New York e o leva diariamente a um médico osteopata no
Hospital for Wounded & Crippled, um imponente edifício de cinco andares
perto do local onde hoje se encontra a sede da ONU. . Comemoram juntos a Legião
de Honra outorgada a Henri Guillaumet e os 37 anos de aniversário deste último
em 1939. Quando ele é mobilizado para a guerra, lhe faz diversas visitas na
base aérea de Orconte onde está baseada a esquadrilha de reconhecimento 2/33 a
qual ele pertence.
O irmão de Nelly tenta convencer
Saint-Exupéry a se juntar a De Gaulle em Londres, que ele recusa, incomodado com
os ataques do general ao Marechal Pétain. Saint-Ex não gosta todas as vezes em
que Nelly deixa escapar uma palavrar elogiosa sobre o general e ao mesmo tempo
reclama quando ela se sente enciumada de Consuelo.
Nelly de Vogüé se junta a Antoine de
Saint-Exupéry em Argel em 1943, onde desembarca de um avião americano em um voo
vindo de Gibraltar, monitorado pelos serviços de inteligência aliados, que
acham suspeita sua liberdade de movimentos dentro da França ocupada pelos
nazistas.
Após sua partida, ele lhe escreve
diversas cartas pedindo desculpas por magoá-la, reafirmando que precisa muito dela,
e que a ama muito.
Depois de sua morte, ela se
encarrega da edição na Gallimard de toda sua obra póstuma, (Cidadela, Escritos
de Guerra, Caderno de Notas). Antes de morrer, ela entrega uma numerosa coleção
de cartas dele à Biblioteca Nacional da França, com instruções de só serem
abertas 50 anos após sua morte, ocorrida em 2003.
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