Antes de seu último voo, Saint-Exupéry estava perfeitamente
consciente da vida frustrante e fútil que o aguardava, se não pudesse mais
desempenhar nenhum papel no serviço ativo, na qualidade de piloto. De julho de
1943 a junho de 1944, após apenas uma missão fotográfica no sul da França, não
fora mais autorizado a voar, ou só poderia fazê-lo como observador ou metralhador
suplementar numa esquadrilha de bombardeiros. Esses meses foram sinistros, pois
acabaram brutalmente com a alegria delirante que ele tinha sentido ao retornar
ao combate. “Esses últimos oito meses foram sem dúvida os mais dolorosos
vividos por ele”, escreve Nelly de Vogüé, que foi visitá-lo em Argel. Segundo
ela, ele estava no paroxismo da angústia e do desespero, embora só os amigos
mais íntimos adivinhassem a amplitude de sua aflição.
Como a vida parecera diferente após o primeiro voo
realizado acima da Provence, em 21 de
julho de 1943, após sete semanas de treinamento no Lightning... Era um aparelho
de grande complexidade técnica, capaz de voar a 650 quilômetros por hora. As
horas de treino visavam a desenvolver tanto a resistência como a habilidade
técnica, pois os pilotos realizariam missões de reconhecimento de cerca de seis
horas, a uma altitude de 10.000 metros. Essa era uma provação incomparavelmente
pior que os voos no Bloch 174. O esforço físico necessário para um percurso
longo, num cockpit mal aquecido e não pressurizado, tornava-se ainda maior pela
necessidade constante de oxigênio e pela ameaça permanente do inimigo. Naquela
época, os alemães ainda dominavam a Sicília, a Sardenha e a Córsega, de onde a
Luftwaffe enviava patrulhas de caças para interceptar os aviões aliados da base
da África do Norte.
Pilotos jovens e com excelente saúde retornavam dessas
expedições fotográficas em estado de esgotamento total, e Saint-Exupéry, além
do mais, tinha de enfrentar dores atrozes causadas pela altitude, pois a baixa
de pressão atmosférica provocava dores em suas antigas fraturas e em seu
reumatismo. Apesar de tudo, no dia 21 de julho, ele regressou a La Marsa, na
Tunísia, nova base da sua companhia, “brilhando de felicidade”, segundo a
expressão de um de seus camaradas, Jean Leleu, que acrescentou o seguinte: “Nos
seus olhos via-se a exaltação espiritual de ter retomado finalmente seu lugar
na luta, de estar novamente em condições de prosseguir a ação ideal que
inspirara sua vida de escritor”.
Saint-Exupéry celebrou seu retorno com um jantar num
pequeno restaurante de Argel. Jean Gabin e Pélissier estavam entre os convidados,
e este último lembra-se da alegria de Antoine por ter sobrevoado a costa entre
Toulon e Marseille, onde fora atingido por um tiro de DCA. Uma semana mais tarde,
uma pane no motor punha um ponto final na segunda expedição de Saint-Exupéry
rumo ao sul da França, antes de chegar ao Mediterrâneo. Teve de fazer um pouso
de emergência no campo de La Marsa, onde capotou na extremidade da pista. Como
esse incidente foi atribuído a um erro de manobra ao frear, ele foi proibido de
voar.
De acordo com uma carta nunca enviada, escrita antes
do acidente, ao general René Chambe, ministro da Informação do governo
provisório, a alegria sentida por Saint-Exupéry ao voar novamente já estava se
transformando em desilusão, bem antes da suspensão. Trata-se de outro exemplo
ilustrativo da observação de Léon Werth, de que o amigo costumava abandonar
logo a felicidade.
“Acabei de
fazer diversos voos num P-38. É uma bela máquina. Teria ficado feliz com um
presente como este quando fiz 25 anos, mas hoje me dou conta com melancolia de
que aos 43 anos, com 6.500 horas de voo para trás, já não sinto nenhum prazer
nesse jogo. O avião é apenas um instrumento que serve para nos deslocarmos de
um lugar para o outro e, nesse caso em particular, uma máquina de guerra.” A
carta terminava com uma reflexão patética sobre o estado de um universo
materialista à mercê de uma sociedade de consumidores ávidos. O autor tinha a
sensação de viver no período mais sombrio do mundo e acrescentava: “Tanto faz
para mim morrer na guerra. O que restará daquilo que amei? E não me refiro
apenas aos homens, mas aos costumes, às melodias insubstituíveis e à uma certa
luz espiritual”. Esta carta desencantada, na qual insistia mais uma vez sobre o
fato de não lhe importar em absoluto morrer em combate, foi publicada após a
guerra com o título “O que é preciso dizer aos homens?” A melancólica questão
fazia parte do texto e revelava o mal-estar sentido por Saint-Exupéry ao ver
desaparecer os valores aos quais estava ligado.
Essa perplexidade o perseguiria após a proibição de
voar. Durante os meses seguintes, seus amigos notaram nele uma persistente
tristeza, apesar de uma vida social alegre e animada. Passava muito tempo na
indescritível desordem de um pequeno quarto do apartamento de Pélissier, em
Argel. Essa cidade sempre o deprimira. Sentia-se aprisionado em sua minúscula
moradia, que descrevia como uma cela de convento onde a religião estava
ausente, ou como um refúgio absurdo no qual era obrigado a contemplar o “vazio
total dos amanhãs”. Nas cartas publicadas por Nelly de Vogüé, repete diversas
vezes que não compreende por que seus compatriotas se negam a viver numa
atmosfera de amor e perdão. “O ódio, tudo está sob o signo do ódio. Pobre
país.”
Sem as observações de Nelly de Vogüé e de Pélissier, é
provável que ninguém ficasse sabendo da angústia que oprimiu Saint-Exupéry
nesses oito meses. Argel era a capital provisória da França, e muitos dos
antigos amigos e conhecidos que estiveram com ele na época mencionam sobretudo
as inúmeras noites e alegres jantares nos quais Antoine desempenhava seu papel
habitual de animador, de contador de histórias e de ilusionista. Também se
distraía com jogos de xadrez, e um dos seus parceiros habituais era André Gide,
que lhe trazia notícias da mãe e da irmã que tinham ficado na Provence. Essa estranha
amizade foi seriamente ameaçada pelas tentativas feitas por Gide para converter Antoine ao gaullismo. No entanto, continuaram
a encontrar-se para jogar xadrez, apesar de uma deplorável tendência do velho
escritor a trapacear, o que foi revelado a Antoine por Max-Pol Foucher, após
ter surpreendido Gide trocando as peças de lugar quando Antoine lhe dava as
costas.
Antoine ainda encontrava refúgio contra a melancolia
na literatura, embora Pélissier tenha dito que Antoine lia mais por razões
técnicas do que por distração. O diário de campanha da companhia 2/33 fornece o
exemplo surpreendente desse fato. Em julho de 1944, Saint-Exupéry foi a Túnis
de avião para o batismo do filho de seu comandante René Gavoille, do qual
aceitara ser padrinho. Seus companheiros de equipe não conseguiam afastar
Antoine da leitura de um romance policial na qual estava imerso. “Ele lê no
jipe. Lê no campo de aviação enquanto todos esperam que ele suba ao avião. Lê
no avião enquanto alguém vai buscar o aparelho de escuta que ele sempre
esquece. Não deixa que ninguém lhe arranque o livro das mãos antes da partida,
com o pretexto de que faltam apenas algumas páginas e decola com o livro em
cima dos joelhos. Todos estamos convencidos de que, após a decolagem, ele
mergulhará novamente na leitura e que a história terminará com um contato
brutal do avião com algo duro. Passamos a noite rezando.”
Mais tarde, num jantar, os convidados ficaram olhando
durante mais de uma hora o avião de Saint-Exupéry descrever círculos sobre a
pista de aterrissagem, enquanto ele terminava o livro. “Não sabemos que romance
era aquele”, diz Pélissier. “Mas podemos pensar que aquilo que Saint-Exupéry
perseguia na leitura era menos o interesse pela história do que o problema
técnico de sua construção. Sua imaginação, como a de Poe, analisava tanto a
trama do livro como seu desenvolvimento ou seus problemas, e, ao mesmo tempo,
procurava soluções para o enigma.”
No entanto, um dos trechos ditados em Nova York
proporciona a prova de que raramente Saint-Exupéry ia além de sua própria
experiência pessoal para encontrar as histórias ou o tema de seus escritos. O
chefe berbere queixa-se amargamente das torturas de uma dor nas costas que os
médicos não conseguem curar. “Agora, sou como uma árvore da floresta sob o
machado do lenhador e Deus me abaterá como a uma torre gasta”, escreveu
Saint-Exupéry naquilo que equivale a uma profecia. No dia 6 de novembro de 1943 caiu numa escada sem iluminação e
machucou dolorosamente as costas. Nas semanas seguintes, as consequências da
queda tornaram-se o assunto principal de uma enorme correspondência com
Pélissier, com frequência colocada embaixo da porta do médico. Em seu livre Les Cinq Visages de Saint-Exupéry,
Pélissier descreve em dez páginas a reação de Antoine após o acidente. Ele não
podia admitir que o médico se negasse a acreditar que tinha fraturado a coluna.
Pélissier publicou separadamente as cartas que lhe
foram dirigidas durante os três meses seguintes, pois o conjunto era demasiado
volumoso para ser incluído em seu livro. Esse correio diluviano, entregue em
mãos, só acabou quando Saint-Exupéry aceitou a contragosto o diagnóstico do
médico, bem como sua recusa a receitar um longo período de repouso. Esse
“assunto absurdo”, como dizia Antoine, estava recheado do estranho humor dos
hipocondríacos. No entanto, assume um significado bem maior quando se sabe que
o traumatismo causado pela queda aumentaria ainda mais a depressão causada pela
suspensão dos voos e pela polêmica com os gaullistas.
Nas cartas, Saint-Exupéry insiste em seu desejo de
ficar gravemente enfermo, o que lhe forneceria uma razão válida para ter sido
rejeitado pela Força Aérea e, quando finalmente reconhece que suas dores
dorsais são menos graves do que pensava, convence-se de que está com câncer.
Foi preciso radiografá-lo. Em 24 de fevereiro de 1944, Pélissier anunciou-lhe que ele sofria apenas de azia estomacal
benigna provocada pela excessiva absorção de remédios e por uma alimentação
muito condimentada.
Sem esperança de se salvar do ônus da existência,
graças a uma eventual doença mortal, Saint-Exupéry novamente fez de tudo para
retomar a qualquer preço o serviço ativo. Em abril de 1944, finalmente teve
ganho de causa. Pouco mais de três meses depois, ele estaria morto.
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