sexta-feira, 30 de junho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 66


            Para escapar do calor do verão em Manhattan, Saint-Exupéry alugou um chalé em Westport, em Long Island Sound. Consuelo foi com ele, assim como o acompanhou nas duas mudanças seguintes, primeiro para Northport, em Long Island, e finalmente para Beekman Place, em Nova York, para uma casa de quatro andares que dava para o East River. Eles a ocuparam desde o Natal de 1942 até a partida de Saint-Exupéry para a África do Norte, no dia 10 de abril de 1943.

            Raramente tinham ficado tanto tempo juntos desde os dias idílicos de Nice, um pouco antes de seu casamento em 1931. Esses poucos meses poderiam parecer pouco importantes para a vida do casal, se algumas cartas de Saint-Exupéry, bem como uma interpretação de Cidadela e de O Pequeno Príncipe, não proporcionassem uma prova do contrário. Tanto Denis de Rougemont como André Maurois foram testemunhas da harmonia e da afeição do casal, em um previsível contexto pouco convencional. Rougemont passou numerosos fins de semana em Westfort, como também em Northport, onde Saint-Exupéry alugara uma ampla residência chamada Bevin House, vagamente parecida com o castelo de Saint-Maurice. Rougemont também era seu vizinho em Beekman Place. Recebia constantes telefonemas de madrugada, de Antoine ou Consuelo, pedindo-lhe que arbitrasse diferenças conjugais ou literárias. Na época, Antoine preocupava-se com questões ao mesmo tempo científicas, políticas e militares. Não satisfeito com ser escritor e brilhante conversador, lançava-se continuamente na concepção de invenções irrealizáveis ou elaborava planos para acabar com a guerra. Após ter sido vítima em diversas madrugadas de leituras de Cidadela, e obrigado até mesmo em seu quarto a escutar a conversa interminável de Antoine, fumando como uma chaminé, sobre uma infinidade de temas, De Rougemont chegou à conclusão de que a agitação perpétua de Antoine devia-se à atividade de um cérebro incapaz de parar de funcionar.

            André Maurois, pétainistas apesar de suas origens judias, passou diversas semanas em Bevin House, onde sempre havia numerosos visitantes. Em seu diário, lembra-se das longas tardes jogando xadrez ou baralho com Antoine, e recorda também ter sido acordado de madrugada com seus berros: “Consuelo, Consuelo!” Saint-Exupéry, que estava trabalhando em O Pequeno Príncipe, acordava sua esposa para exigir-lhe ovos mexidos. Isso aconteceu duas vezes na mesma noite, e depois Saint-Exupéry obrigou Maurois a uma longa caminhada e a uma longa conversa em seu jardim, situado no meio de uma imensa floresta. Maurois tinha acabado de dormir novamente quando ouviu Saint-Exupéry chamar a esposa. “Preciso de Maurois ou de você para jogar xadrez comigo”, berrava ele.

            É difícil imaginar Consuelo como uma esposa dedicada, segundo os retratos anteriores que dela conhecemos. Mas ela agora tinha 40 anos e dependia mais do que nunca de Antoine, que lhe assegurava sua devoção através de uma “prece”, que Consuelo tinha de recitar todas as noites:

“Senhor, não é preciso que vos fatigueis muito. Fazei-me simplesmente como sou. Pareço vaidosa nas pequenas coisas, mas, nas grandes, sou humilde. Pareço egoísta nas coisas pequenas, mas, nas grandes, sou capaz de dar tudo, mesmo a vida. Com frequência pareço impura nas pequenas coisas, mas só sou feliz na pureza.
Senhor, fazei com que me pareça sempre com aquela que meu marido sabe ver em mim.
Senhor, Senhor, salvai meu marido, porque ele realmente me ama e sem ele eu seria totalmente órfã, mas fazei, Senhor, que ele morra primeiro, porque ele parece bastante sólido, mas se angustia demais quando não me escuta fazer barulho em casa. Senhor, poupai-o da angústia. Fazei com que eu sempre faça barulho em casa, embora de vez em quando também quebre alguma coisa.
Ajudai-me a ser fiel e a não frequentar aqueles que ele despreza ou que o detestam. Isto o deixa infeliz porque eu sou a sua vida.
 Protegei, Senhor, a nossa casa.
Amém!
Vossa Consuelo. ”

Consuelo com um busto de Saint-Exupéry feito 
por ela. 
            Naquela época, ela sentia seu casamento menos ameaçado. A rival que ela tanto temia em Paris permanecera na França e, apesar de ter ido a Nova York para encontrar Antoine antes da chegada de Consuelo, sua relação estava chegando ao fim. Provavelmente Consuelo teria se mostrado menos disposta a aceitar as obrigações domésticas impostas por Antoine se tivesse adivinhado que seu marido visitava regularmente Sylvia Hamilton. A jornalista conta que ele vinha vê-la todos os dias em seu apartamento, e mais tarde publicou cartas nas quais ele pedia desculpas por ter lhe causado “muita tristeza e muita mágoa” ao deixá-la.

            Se tinha dúvidas, é provável que Consuelo tenha encontrado consolo na mensagem de reconciliação e na promessa de amor contidas em O Pequeno Príncipe. Saint-Exupéry, que pedia incessantemente a opinião dos amigos sobre seus escritos, também deve ter pedido a opinião da esposa. Ele sempre a consultava com relação às suas obras, desde a publicação de Voo Noturno, e fora dela a decisão sobre o título de Piloto de Guerra. Se Saint-Exupéry admitia a Adèle Breaux não entender nada de pintura, pode-se imaginar que devia escutar os conselhos de Consuelo, uma artista reconhecida. Também é provável que ele a utilizasse como modelo. Sua professora de inglês reconheceu imediatamente Consuelo nas roupas e no lenço amarelo do Pequeno Príncipe, quando Antoine mostrou- lhe pela primeira vez os desenhos, em Bevin House.

            Após a guerra, quando houve brigas com relação aos direitos autorais de Saint-Exupéry e ressentimentos da família com a possível influência exercida por Consuelo sobre o marido, tentou-se de diversas formas negar ou dissimular o fato de que Antoine escrevera o livro para a esposa. Finalmente, ela mesma teve de provar que era a rosa de O Pequeno Príncipe.

            Consuelo sempre se negou a publicar as cartas de Antoine, porém mostrou a alguns amigos um trecho de uma delas que prova sem ambiguidade que o livro foi escrito em sua intenção. O historiador da aviação Edmond Petit teve a sorte de ver esse trecho antes que a carta fosse guardada, junto com centenas de outras, num cofre em Nice. “Sabe, a rosa é você”, escrevera Saint-Exupéry. “Talvez nem sempre eu tenha conseguido tomar conta de você, mas sempre achei você linda.” Em outra carta, Saint-Exupéry dizia à esposa que seu maior remorso era não lhe ter dedicado O Pequeno Príncipe.

            Tendo em vista esta confissão decisiva, podemos formular numerosas teorias sobre o verdadeiro significado das referências de Saint-Exupéry aos carneiros e às lagartas que ameaçam a sua rosa, assim como aos quatro infelizes espinhos que defendem a flor abandonada. As precauções tomadas para que o carneiro não destrua a rosa, a decisão do Pequeno Príncipe de abandonar seu planeta, fazem pensar irresistivelmente no isolamento de Consuelo numa Europa destroçada pela guerra, depois que Saint-Exupéry foi buscar refúgio nos Estados Unidos. A descoberta das outras rosas pelo Pequeno Príncipe refere-se às relações sentimentais de Saint-Exupéry após seu casamento, na maioria das vezes com mulheres inteligentes e independentes, ou infelizes no casamento. Mas, além do significado transparente que pode ser atribuído às metáforas da fábula, interessa ressaltar que nela Saint-Exupéry reconhece o seu amor por Consuelo. Ele admite que o mundo sem ela não teria luz, e que ficará para sempre ligado a ela devido às suas experiências compartilhadas.

            “Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isto basta para que seja feliz quando as contempla”, diz O Pequeno Príncipe. “Ele pensa: ‘Minha flor está lá, em algum lugar...’ Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem.” Se Consuelo é a rosa, os tormentos causados por sua vaidade, sua forma de chamar a atenção a qualquer preço, seu medo de tigres imaginários, sua obsessão com as correntes de ar, bem como a tosse destinada a disfarçar uma mentira ingênua podem ser interpretados como observações pessoais. Sua esposa provavelmente leu o rascunho dos seus textos, e necessariamente reconheceu essas recriminações mal disfarçadas. No entanto, deve ter ficado comovida ao ver que seu marido reconhecia implicitamente ter mal interpretado seus caprichos muitas vezes irritantes e seus esforços para chamar a atenção. “Deveria tê-la julgado pelos seus atos e não pelas palavras”, diz O Pequeno Príncipe. “Ela me perfumava, me iluminava. Não devia jamais ter fugido. Deveria ter-lhe adivinhado a ternura sob seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar.”

            Mas a rosa reconhece seu egoísmo, e O Pequeno Príncipe sente-se desconcertado quando ela confessa seu arrependimento por ter sido tão caprichosa, justamente antes de ele partir rumo à aventura em outros planetas. Ele não compreende essa “doçura calma”. “É claro que eu te amo”, disse-lhe a flor. “Foi por minha culpa que você não soube de nada. Mas você foi tão tolo quanto eu.”

            A partir do momento em que O Pequeno Príncipe abandona sua rosa, suas viagens correspondem a uma busca vã de paz interior, que pode ser seguida na vida aventureira de Saint-Exupéry, no abandono de Consuelo quando ele foi para os Estados Unidos e em sua descoberta de que as relações com outras mulheres eram sem sentido. O encontro com a raposa faz com que finalmente compreenda que a necessidade mútua criada nos anos difíceis com Consuelo unira-os para sempre. “Foi o tempo que você perdeu com sua rosa que fez sua rosa tão importante”, diz a raposa ao Pequeno Príncipe. “Os homens esqueceram essa verdade. Mas você não deve esquecê-la. Você se torna responsável por tudo o que cativou. Você é responsável por sua rosa...” A morte, com seu retorno implícito à inocência e à verdade esquecida pelos adultos, conclui uma das mais estranhas cartas de amor jamais escritas.

            A mesma reflexão prossegue em Cidadela, em numerosas alusões ao amor conjugal. Os trechos em que o chefe berbere abandona a esposa adormecida para partir em busca de um tesouro impossível são repletos de ternura e remorso. “Mas durma tranquila em sua imperfeição, esposa imperfeita”, medita ele. “Você não é objetivo, nem recompensa, nem joia venerada por si mesma, da qual logo eu me cansaria; você é o caminho, o meio e o transporte.”

            Algumas imagens de Cidadela são inábeis e às vezes sem graça, particularmente quando Saint-Exupéry se esforça para assumir um tom bíblico, mas com frequência os momentos de confissão são luminosos. Ele reconhece ter-se enganado ao vaguear inutilmente em busca de outras mulheres em aventuras sem sentido.

            Comparações são feitas com a busca frenética de um tesouro que não lhe proporcionará glória, nem riqueza, nem amor, como se fosse de colmeia em colmeia para recolher o mel e percebesse finalmente que o verdadeiro banquete estava em outro lugar. “Mas eu desejo perpetuar o amor. Só existe amor onde a escolha é irrevogável”, escreve numa reflexão sobre a fidelidade conjugal e a vaidade das ligações passageiras. “O prazer da emboscada, da caça e da captura não é o amor.”

            Nas noites profundas, durante seus longos voos solitários, Saint- Exupéry era levado por essa busca de um ideal que traduzia em fábulas ou parábolas, ou expressava em suas cartas. O Pequeno Príncipe, escrito na presença da esposa, deveria ter sido a apoteose de sua autoanálise, dando assim ao casal cansado e envelhecido um pretexto para depor as armas que já tinham causado tantos ferimentos. Infelizmente, o livro representou apenas uma curta trégua em suas relações tumultuosas que, no Natal de 1942, já estavam novamente em ponto de ruptura. O casal teve uma briga terrível à qual Saint-Exupéry se refere em suas cartas a Consuelo. Algumas semanas antes da publicação de O Pequeno Príncipe, a tensão entre eles era tão grande que ele lhe dizia que sua única esperança de reencontrar a paz interior residia na morte.


            Dois dias antes de abandonar os Estados Unidos e Consuelo, que nunca mais reveria, Antoine refere-se a outra briga a propósito das despesas exorbitantes da esposa. Porque faltava dinheiro, ele não pôde adquirir o uniforme regulamentar da Força Aérea, e teve de se arranjar com um uniforme quase ridículo feito para o Metropolitan Opera. A briga tinha se iniciado quando ele perguntou o preço de suas últimas aquisições, argumentando que não tinha nenhuma camisa limpa, nem meias sem buracos, nem sapatos, para juntar-se à sua unidade na África do Norte. Saint-Exupéry achava que Consuelo seria mais feliz sem ele. Sua decepção diante da indiferença da esposa era tão forte que ele desejava apenas a paz da morte. A paz acima de tudo. O resto não tinha importância.

O PEQUENO PRÍNCIPE - 12

XI

            O segundo planeta era habitado por um homem vaidoso.

            “Ah! Ah! Lá vem um admirador me visitar!“, ele exclamou de longe, assim que viu o pequeno príncipe se aproximando. Pois que, para os vaidosos, todos os demais eram admiradores.



             "Bom dia”, disse o viajante pequenino. "Esse seu chapéu é um tanto engraçado.”

            "É um chapéu para saudações, para que eu possa saudar aqueles que me aclamam. Infelizmente, quase ninguém costuma passar por essas bandas."

            "Como assim?”, perguntou o pequeno príncipe, ainda sem entender ao certo do que o homem vaidoso falava.

            "Bata suas mãos, uma contra a outra”, instruiu o homem.

            E, assim que o pequeno príncipe bateu palmas, o homem vaidoso o saudou, modestamente, com seu chapéu de saudações.

            “Isto é mais divertido do que a visita ao rei”, pensou o pequeno príncipe consigo mesmo. E bateu palmas novamente, e assim o seguiu o homem vaidoso, fazendo saudações com seu chapéu para cada aplauso recebido.

            Após uns cinco minutos, no entanto, o pequeno príncipe começou a se cansar daquela brincadeira monótona:

            “E o que precisamos fazer para que o chapéu caia?”

            Mas o homem não o escutou. Homens vaidosos jamais ouvem coisa alguma além de elogios.

            “Você realmente me admira tanto assim?”, indagou ao pequeno príncipe.

             "O que isto quer dizer - 'admirar’?"

            "Me admirar significa reconhecer que sou o homem mais belo, de vestes mais hixuosas, e também o mais rico e o mais inteligente de todo este planeta."

            "Mas você é o único homem deste planeta!"

            "Me faça esta gentileza, e me admire mesmo assim..."

            “Eu o admiro", disse o pequeno príncipe, dando de ombros, "mas como pode isto ser algo tão interessante para você?”

            E assim, o viajante pequenino prosseguiu sua jornada.

            "As pessoas grandes certamente são um tanto bizarras”, pensou consigo mesmo, enquanto viajava.

           


            

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Jorge Amado

Jorge Leal Amado de Faria OMC • GOSE • GOIH• CBJM (Itabuna10 de agosto de 1912 — Salvador6 de agosto de 2001) foi um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros de todos os tempos. Integrou os quadros da intelectualidade comunista brasileira desde o final da primeira metade do século XX - ideologia presente em várias obras, como a retratação dos moradores do trapiche baiano em Capitães da Areia, de 1937.

Jorge é o autor mais adaptado do cinema, do teatro e da televisão. Verdadeiros sucessos como Dona Flor e Seus Dois MaridosTenda dos MilagresTieta do AgresteGabriela, Cravo e Canela e Tereza Batista Cansada de Guerra foram criações suas. A obra literária de Jorge Amado – 49 livros, ao todo – também já foi tema de escolas de samba por todo o País. Seus livros foram traduzidos em 80 países, em 49 idiomas, bem como em braille e em fitas gravadas para cegos.

            Jorge foi superado, em número de vendas, apenas por Paulo Coelho. Mas em seu estilo - o romance ficcional -, não há paralelo no Brasil. Em 1994, a sua obra foi reconhecida com o Prémio Camões.

            Existem dúvidas sobre o exato local de nascimento de Jorge Amado. Alguns biógrafos indicam que o seu nascimento deu-se na fazenda Auricídia, à época pertencente ao município de Ilhéus. Mais tarde as terras da fazenda Auricídia passaram ao atual município de Itajuípe, com a emancipação do distrito ilheense de Pirangi. Entretanto, é certo que Jorge foi registrado no povoado de Ferradas, filho mais velho do Coronel João Amado de Faria e de Eulália Leal, pertencente a Itabuna. Teve outros três irmãos: Jofre, Joelson e James.

            No ano seguinte ao de seu nascimento, uma praga de varíola obrigou a família a deixar a fazenda e se estabelecer em Ilhéus, onde viveu a maior parte da infância, que lhe serviu de inspiração para vários romances.

            Já adolescente, aos 14 anos, começou efetivamente a participar da vida literária, em Salvador. Foi um dos fundadores da "Academia dos Rebeldes", grupo de jovens que desempenhou um importante papel na renovação da literatura baiana. Os seus trabalhos eram publicados em revistas fundadas por eles mesmos.

           
Foi para o Rio de Janeiro, então a capital do País, para estudar na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante a década de 1930, a faculdade era um polo de discussões políticas e de arte, tendo ali travado seus primeiros contatos com o movimento comunista organizado. Tornou-se um jornalista, e envolveu-se com a política ideológica comunista, como muitos de sua geração. Em 1945 foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), o que lhe rendeu fortes pressões políticas. Como deputado, foi o autor da emenda que garantiu a liberdade religiosa devido a ter visto o sofrimento dos que seguiam cultos africanos bem como protestantes no Ceará serem saqueados por fanáticos com uma cruz à frente – buscou assinaturas até conseguir a aprovação da sua emenda, e desde então a liberdade religiosa tornou-se lei. Também foi autor da emenda que garantia direitos autorais. Por outro lado, votou favoravelmente à emenda nº 3.165 do deputado carioca Miguel Couto Filho a qual buscava proibir a entrada no País de japoneses de quaisquer idade e procedência.

            A sua obra é uma das mais significativas da moderna ficção brasileira, sendo voltada essencialmente às raízes nacionais. São temas constantes nela os problemas e injustiças sociais, o folclore, a política, as crenças, as tradições e a sensualidade do povo brasileiro, contribuindo assim para a divulgação deste aspecto do mesmo.

            Era primo do advogadoescritorjornalista e diplomata Gilberto Amado e da atriz Véra Clouzot.

            Foi casado com a também escritora Zélia Gattai, a qual o sucedeu em 2002 na cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. Com ela, teve dois filhos: João Jorge (nascido em 25 de novembro de 1947) e Paloma Jorge (nascida em 19 de agosto de 1951). Teve ainda outra filha, Eulália Dalila Amado (nascida em 1935, que morre precocemente quando tinha apenas 14 anos, em 1949), fruto de um casamento anterior com Matilde Garcia Rosa.

            Viveu exilado na Argentina e no Uruguai (1941 a 1942), em Paris (1948 a 1950) e em Praga (1951 a 1952). Como um escritor profissional, viveu quase que exclusivamente dos direitos autorais de seus livros.

            Durante o exílio na União Soviética, foi vigiado tanto pela CIA, quanto pelos serviços de segurança soviéticos.

           
Em 1958 publicou Gabriela, Cravo e Canela, que representou um momento de mudança na produção literária do autor que até então abordava temas sociais. Nesta segunda fase faz uma crônica de costumes, marcada por tipos populares, poderosos coronéis e mulheres sensuais. Além de Gabriela, Cravo e Canela, os romances Dona Flor e seus dois maridos e Tereza Batista cansada de guerra são representativos desta fase. Apesar do "turning-point" na obra, não deixou de ser publicado na URSS.

            Publicada pela primeira vez em 1966, a obra Dona Flor e seus dois maridos é considerada uma crônica de costumes da vida baiana. Regida sob a inspiração do realismo fantástico, a história mostra D. Flor como uma mulher que consegue realizar a fantasia de levar para a cama o marido falecido e o atual ao mesmo tempo. O primeiro, um malandro; o segundo, exatamente o seu contrário - só assim D. Flor sente-se realmente completa e feliz. O livro é pontuado de receitas culinárias, ritos de candomblé e exemplos de uma contradição que tão bem retrata o Brasil: o convívio do sério com o irresponsável, o prazer e o dever, a regra e o “jeitinho”. Sucesso editorial, D. Flor se tornou uma das mais populares personagens da literatura nacional.

            Na década de 1990, porém, viveu forte tensão e expectativa de um grande baque nas economias pessoais, com a falência do Banco Econômico, onde tinha suas economias. Não chegou porém a perder suas economias, já que o banco acabou sofrendo uma intervenção do Governo.

            Com a saúde debilitada havia alguns anos, veio a falecer em 6 de agosto de 2001 devido a uma parada cardiorrespiratória. Em junho do mesmo ano, já havia sido internado por causa de uma crise de hiperglicemia. O corpo de Jorge Amado foi cremado e suas cinzas enterradas em sua casa no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. As cinzas de Zélia também estão depositadas no mesmo local, quando faleceu em 2008. Hoje funciona no local a Casa do Rio Vermelho, expondo lembranças da vida do casal de escritores.

           
Uma das suas obras é o O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá que foi feita para o seu filho João Jorge, quando este completou um ano de idade. O texto andou perdido e só em 1978 conheceu a sua primeira edição, depois de ter sido recuperado pelo seu filho e levado a Carybé para ilustrar.


            Crenças e estilo literário

            Mesmo dizendo-se materialista, Amado era um praticante da Umbanda e do Candomblé – religião esta última na qual exercia o posto de honra de Obá de Xangô no Ilê Opó Afonjá, do qual muito se orgulhava. Amigos que Amado prezava no Candomblé eram as mães-de-santo Mãe AninhaMãe SenhoraMãe Menininha do GantoisMãe Stella de OxóssiOlga de AlaketuMãe Mirinha do PortãoMãe Cleusa MilletMãe Carmem e o pai-de-santo Luís da Muriçoca.

            Como Érico VeríssimoRachel de QueirozJosé Américo de AlmeidaJosé Lins do Rego e Graciliano Ramos, Amado representava o modernismo regionalista (segunda geração do modernismo).

            Em sua atuação literária apresentou duas fases distintas: primeiramente de claro cunho social e político, que podem ser vistas em obras como O País do CarnavalCacauSuorJubiabáCapitães de areia e Os subterrâneos da liberdade, entre outras. Já em obras como Gabriela, cravo e canelaDona Flor e Seus Dois MaridosTenda dos milagresTereza Batista cansada de guerra e Tieta do Agreste, pode-se ver um aspecto mais regionalista, segundo opinião do professor, crítico e historiador de literatura brasileira Alfredo Bosi:

Na última fase abandonam-se os esquemas da literatura ideológica que nortearam os 
romances de 30 e de 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no 'saboroso', no 'gorduroso', 
no apimentado do regional.

          



           — Traduções das obras
A obra de Jorge já foi editada em 55 países, e vertida para
49 idiomasalbanêsalemãoárabearmênioazeribúlgarocatalãochinêscoreanocroatadinamarquêseslovacoeslovenoespanholesperantoestonianofinlandêsfrancêsgalegogeorgianogregoguaranihebraicoholandêshúngaroiídicheinglêsislandêsitalianojaponêsletãolituanomacedôniomoldáviomongolnorueguêspersapolonêsromenorusso (também três em braille), sérviosuecotailandêstchecoturcoturcomanoucraniano e vietnamita.

            Prêmios, títulos e homenagens

            O escritor recebeu vários prêmios nacionais e internacionais. Recebeu também graus de Comendador e de Grande-Oficial, nas ordens da ArgentinaChileEspanhaFrançaPortugal e Venezuela, Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espadade Portugal a 8 de Março de 1980 e Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique a 14 de junho de 1986, além de ter sido feito Doutor Honoris Causa por mais de dez universidades no Brasil, ItáliaIsraelFrança e Portugal. O título de Doutor pela francesa Sorbonne foi o último que recebeu em pessoa durante sua derradeira viagem a Paris em 1998, quando já estava doente.

            Foi membro correspondente da Academia de Ciências e Letras da República Democrática da Alemanha; da Academia das Ciências de Lisboa; da Academia Paulista de Letras; e membro especial da Academia de Letras da Bahia.

            Em 1961 foi lançado, o livro "Jorge Amado - 30 Anos de Literatura". 

            Em 1967, a União Brasileira de Escritores (UBE) fez a proposta ao comitê do Prémio Nobel indicado Amado a concorrer ao Nobel de Literatura, porém o próprio recusou. No ano seguinte, torna a fazer a proposta.

            Em 2012, o Correio do Brasil lançou o Selo Jorge Amado 100 anos, em homenagem ao centenário de nascimento do escritor, como também foi homenageado pela escola de samba Imperatriz Leopoldinense com o enredo Jorge, Amado Jorge. 

            Em 4 de dezembro de 2014 recebeu (post mortem) da Assembleia Legislativa da Bahia a Comenda de Cidadão Benemérito da Liberdade e da Justiça Social João Mangabeira[nota 1], em razão de sua trajetória em defesa dos interesses sociais, a mais alta honraria do Estado.

             Academia Brasileira de Letras

            Jorge Amado foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 6 de abril de 1961, ocupando a cadeira 23, cujo patrono é José de Alencar e que pertencia anteriormente a Otávio Mangabeira. De sua experiência acadêmica bem como para retratar os casos dos imortais da ABL, publicou Farda, fardão, camisola de dormir numa alusão clara ao formalismo da entidade e à senilidade de seus membros da época.

            Cartas

           
Jorge Amado e Zélia Gattai nos anos 80
São mais do que 100 mil páginas em processo de catalogação as cartas trocadas com gente do mundo inteiro, guardadas em um acervo isolado de sua fundação. A doação foi entregue com uma ressalva, por escrito: "Jorge escreveu que somente cinquenta anos após sua morte esse material devia ser aberto ao público", segundo a poeta Myriam Fraga, que dirige a casa desde sua criação há vinte anos.

            De relatos sobre livros e obras de arte a fatos do cotidiano, correspondeu-se com grandes escritores, poetas e intelectuais de seu tempo: Graciliano RamosÉrico VeríssimoMário de AndradeCarlos Drummond de AndradeMonteiro Lobato e Gilberto Freyre, entre tantos outros brasileiros; Pablo NerudaGabriel García Márquez e José Saramago, entre tantos outros estrangeiros. No campo da política, a correspondência se estabeleceu com nomes os mais variados como: Juscelino KubitschekFrançois Mitterrand e Antônio Carlos Magalhães.

            As cartas mostram como o escritor recebia os mais imprevistos pedidos bem como apresentava pessoas umas às outras em época em que era intenso o diálogo via postal. A correspondência pessoal de Jorge Amado pode oferecer inestimável fonte de pesquisa.

            Alguns trechos retirados de reportagem exclusiva, por Josélia Aguiar, à Revista Entre Livros - Ano 2 - nº 16:

·                     De Gláuber Rocha, sem data, sobre a nova película (A idade da terra, de 1980). "Comecei o dia chorando a morte de Clarice (Lispector)", inicia assim a carta para adiante falar sobre o novo filme: "Está sendo feito como você escreve um romance. Cada dia filmo de dois a sete planos, com som direto, improvisado a partir de certos temas. (…) Estou, enfim, tendo a sensação de 'escrever com a câmera e com o som', tentando um caminho que fundiu a cuca do Jece (Valadão, ator) (…)".

·                     Mário de Andrade, logo após ler Mar morto, em 1936, elogia o que chama de "realidade honesta" e a "linda tradição de meter lirismo de poesia na prosa": "Acaba de se doutorar em romance o jovem Jorge Amado, grande promessa do mundo intelectual".

·                     Monteiro Lobato, também sob forte impressão após ler Mar morto, 1936: "Li-o com a mesma emoção trágica que seus livros sempre me despertam", e conta que, ao visitar o cais do porto de Salvador, havia "previsto" que a obra seria escrita: "Qualquer dia o Jorge Amado presta atenção e pinta os dramas que devem existir aqui. Adivinhei.".

·                     Pablo Neruda (em carta breve, com data de 16 de outubro e ano incerto, escrita a mão): "Será que no Brasil eu poderia fazer um ou dois recitais pagos?" (…) "Haverá algum empresário interessado em organizar com seriedade essa turnê?" (…).

            Entre outros que faziam parte do círculo de amizades de Jorge Amado vale citar: Federico FelliniAlberto MoraviaYves MontandJorge SemprúnPablo PicassoOscar NiemeyerVinícius de MoraesJean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.

            Obras publicadas



·                     O País do Carnaval, romance (1931)

·                     Cacau, romance (1933)

·                     Suor, romance (1934)

·                     Jubiabá, romance (1935)

·                     Mar morto, romance (1936)

·                     Capitães da areia, romance (1937)

·                     A estrada do mar, poesia (1938)

·                     ABC de Castro Alves, biografia (1941)

·                     O cavaleiro da esperança, biografia (1942)

·                     Terras do Sem-Fim, romance (1943)

·                     São Jorge dos Ilhéus, romance (1944)

·                     Bahia de Todos os Santos, guia (1944)

·                     Seara vermelha, romance (1946)

·                     O amor do soldado, teatro (1947)

·                     O mundo da paz, viagens (1951)

·                     Os subterrâneos da liberdade, romance (1954)

·                     Gabriela, cravo e canela, romance (1958)

·                     A morte e a morte de Quincas Berro d'Água, romance (1959)

·                     Os velhos marinheiros ou o capitão de longo curso, romance (1961)
·                      
·                     Os pastores da noite, romance (1964)

·                     O Compadre de Ogum, romance (1964)

·                     Dona Flor e Seus Dois Maridos, romance (1966)

·                     Tenda dos milagres, romance (1969)

·                     Teresa Batista cansada de guerra, romance (1972)

·                     O gato Malhado e a andorinha Sinhá, historieta infantojuvenil (1976)

·                     Tieta do Agreste, romance (1977)

·                     Farda, fardão, camisola de dormir, romance (1979)

·                     Do recente milagre dos pássaros, contos (1979)

·                     O menino grapiúna, memórias (1981)

·                     A bola e o goleiro, literatura infantil (1984)

·                     Tocaia grande, romance (1984)

·                     O sumiço da santa, romance (1988)

·                     Navegação de cabotagem, memórias (1992)

·                     A descoberta da América pelos turcos, romance (1994)

·                     O milagre dos pássaros, fábula (1997)

·                     Hora da Guerra, crônicas (2008)

            Em 1995 iniciou-se o processo de revisão da obra do escritor por sua filha Paloma e os livros ganharam novo projeto gráfico. Atualmente, os direitos pertencem a editora Companhia das Letras, que está relançando todos os seus livros.

            Adaptações

            Muitas de suas obras foram adaptadas para cinema, TV, teatro e rádio, bem como para histórias em quadrinhos. Em 1961 estreou na TV Tupi a adaptação de Gabriela, Cravo e Canela, de Antônio Bulhões de Carvalho e dirigida por Maurício Sherman. Em 1975, outra adaptação do romance Gabriela, feita por Walter George Durst estreou na televisão pela Rede Globo. Em 1976 estreou no cinema Dona Flor e seus Dois Maridos com direção de Bruno Barreto. O filme foi um sucesso de bilheteria, assistido por mais de dez milhões de espectadores. Ainda virou minissérie e peça. Em 1982 e 1987 estrearam, respectivamente, no teatro Capitães de Areia e O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. A Rede Bandeirantes levou ao ar uma adaptação de Capitães de Areia a televisão em 1989. No mesmo ano, a Rede Globo estreou a telenovela Tieta, com direção de Reynaldo BouryRicardo WaddingtonLuiz Fernando Carvalho e Paulo Ubiratan. Em 1998, foi ao ar mais uma adaptação da obra Dona Flor e Seus Dois Maridos, desta vez em formato de minissérie. Em 2012, o remake de 1975 de Gabriela foi exibido pela Rede Globo.