As terríveis consequências de uma
guerra civil na França angustiavam Antoine profundamente. Esse tema aparecia
constantemente em seus textos e conversas. Sua amizade com pacifistas como
Henri Jeanson e Léon Werth, sua experiência na Guerra Civil Espanhola, a
humilhação nacional infligida pela mais pungente derrota da história francesa,
justificavam seu apoio à atitude passiva de Vichy, que se expressava por meio
da política colaboracionista de Pétain. A isso era preciso acrescentar seu
desprezo pelas facções e pelas lutas internas dos partidos, que o faziam
rejeitar os gaullistas mais sectários de Nova York. Numa carta a Sylvia
Hamilton, datada de 1943, após ter se aliado ao rival de De Gaulle na África do
Norte, o general Giraud, ele descreve o gaullismo como uma “política de ódio”.
De Gaulle tomou a recusa de
Saint-Exupéry a aderir às forças da França Livre como uma ofensa pessoal. Porém
existem diversos testemunhos, inclusive de vários gaullistas convictos, que
mostram que seu apoio ao pétainismo não era a expressão de um apoio ideológico
à direita reacionária, mas partia primariamente de uma preocupação humanitária.
Se as personalidades gaullistas de
Nova York tivessem tratado Antoine com mais objetividade, é provável que ele
não tivesse rejeitado tão categoricamente o movimento da França Livre, como
revela Bernard Duperier, piloto gaullista da RAF e futuro deputado, que
desempenhará um papel decisivo no retorno de De Gaulle ao poder, em 1958.
“É provável que se alguns dos pseudogaullistas
instalados na América tivessem se dado ao trabalho de conversar com Saint-Exupéry
em vez de condená-lo, teriam ajudado a encontrar uma saída para o dilema que o
retinha em Nova York”, afirma.
Em 1943, durante uma viagem
destinada a mobilizar a opinião pública americana, Duperier descobriu que os
gaullistas de Nova York não encontravam palavras suficientemente duras para
estigmatizar a conduta de Saint-Exupéry. Calúnias injuriosas chegaram a ser
propagadas pelo órgão gaullista La Voix
de la France, que o apresentava como “amigo de Vichy”, enquanto o movimento
France Forever insinuava que a
covardia o impedia de unir-se à França Livre.
Em parte, Saint-Exupéry rejeitava o
gaullismo porque lhe parecia indispensável uma reconciliação entre os
franceses. Em Nova York, estava diante de uma escolha impossível. Desde o
momento de sua chegada sentiu-se consternado com as brigas entre exilados que,
segundo Jean-Gérard Fleury, “despedaçavam-se ferozmente, com um copo de uísque
na mão. Ele sentia aversão pela politização do gaullismo e pelo fato de que os
gaullistas só o convocavam enquanto escritor, para tornar-se em Londres o dócil
porta-voz das suas convicções doutrinárias”. Como nunca tinha se encontrado
pessoalmente com De Gaulle, Saint-Exupéry formou sua opinião em contato com
seus subordinados, que também estavam divididos em diversos grupelhos. Eles não
contribuíram de forma alguma a acalmar suas suspeitas de que De Gaulle teria a
intenção de dirigir um governo fascistóide contrário à democracia. Numa carta
de 1943, ele escreveria que teria se unido ao general se este tivesse se
proclamado chefe de uma legião estrangeira, e não de um governo paralelo.
Explicou claramente a Lewis
Galantière o que pensava sobre as ambições de De Gaulle, e repetiu ao tradutor
que, para ele, a unidade nacional era a mais importante de todas as noções,
enquanto o general incitava ao combate fratricida. Para ele, o homem de Londres
deixara de ser um soldado para se converter em líder político.
“De bom grado teria lutado contra os
alemães, porém não poderia lutar contra os franceses”, explicou a Galantière.
Saint-Exupéry nunca renegou Pétain, e absteve-se de criticá-lo publicamente,
afirmando a diversos amigos que a colaboração era necessária para salvar a
França do caos. Achava que Pétain era a garantia da coesão nacional, segundo
afirma Robert Boname, perito em aviação. “Se ele não existisse, seria preciso
inventá-lo”, acrescentou.
Em 1942, o romancista suíço Denis de
Rougemont anotou em seu diário uma conversa na qual Saint-Exupéry sugeria que
Pétain tinha salvado a “substância” da França. Elaborou a seguir uma teoria que
desenvolveu nos meses seguintes: se o marechal tivesse se revoltado abertamente,
os alemães teriam se negado a fornecer a graxa para os eixos indispensáveis aos
trens franceses, acabando assim com o abastecimento da França.
O General Charles de Gaulle lê sua Convocação de Resistência de
22 de junho de 1940, logo após a rendição da França aos nazistas.
|
“Humanamente, a fome rói a fonte
viva da infância, a geração do amanhã”, expôs durante uma entrevista coletiva.
“Meu país já perdeu 250 mil crianças no ano passado devido à desnutrição. Os
nazistas querem acabar com a França assim como aniquilaram a raça polonesa.”
Nove meses mais tarde, Saint-Exupéry
polira seus argumentos referentes ao abastecimento da França, tendo chegado ao
ponto de abalar as convicções de Bernard Duperier. Em nome de uma amizade de
muitos anos, Duperier desafiou os representantes oficiais do general em missão
de propaganda em Nova York e foi visitar Saint-Exupéry com a esperança de
convencê-lo a unir-se à França Livre.
Desde o início da guerra, Duperier
habituara-se a fazer anotações, o que lhe permitiu oferecer um precioso
testemunho das opiniões de Saint-Exupéry sobre o colaboracionismo,
aparentemente pouco abaladas pela invasão do sul da França pelos alemães, em
novembro de 1942, após o desembarque dos aliados na África do Norte. “Saint-
Exupéry estava se preparando para almoçar, e enquanto se vestia eu lhe contava
como os pilotos franceses da RAF o admiravam”, relata Duperier. “Como resposta,
fui testemunha de um espetáculo extraordinário, no qual Saint-Exupéry
desempenhou simultaneamente os papéis de acusado, de promotor e de advogado de
defesa.
“Tive a sensação de que ele
preparara seus argumentos durante meses, particularmente o tema central,
segundo o qual o marechal Pétain estava obrigado a colaborar para assegurar o
abastecimento de graxa de eixos para os trens franceses. A única produção desse
material, segundo ele, estava nas mãos dos alemães, e se ela fosse interrompida
todos morreriam de fome.” Saint-Exupéry traçou um quadro aterrorizador das
hordas de cidadãos famintos invadindo os campos para espalhar a catástrofe,
antes de lançar-se a uma justificação da colaboração, chegando até mesmo a apoiar
a contragosto Pierre Laval, a quem no fundo desprezava. Se ele não tivesse
estado no governo, os nazistas teriam imposto um pró-alemão como Jacques Doriot
ou até mesmo um administrador de um distrito da Alemanha hitlerista.
“Saint-Ex não me deixou pronunciar
uma palavra”, afirma Duperier. “Ele continuou a falar dentro do táxi que me levou
até o hotel. Sua eloquência me desestabilizou, e tinha tanto medo que ele
chegasse a me convencer que recusei seu convite para almoçar no dia seguinte.”
Como muitos dos gaullistas abertos, Duperier não criticava os sentimentos de
Saint-Exupéry, afirmando que tinha certeza de que, em coração e espírito, ele
estava do lado daqueles que continuavam o combate. “Mas como não se juntava a
eles, tinha de encontrar uma forma de satisfazer sua própria consciência e, portanto,
elaborava teorias extravagantes, como a da graxa para os eixos, completamente
insensata”, conta Duperier. “Diante desse grande homem que perdera o rumo, os não-combatentes
da França Livre em Nova York reagiam com insultos. Pareciam pensar que isso era
a prova de seu patriotismo.”
A indefectível lealdade de
Saint-Exupéry ao marechal sem dúvida poderia ter vacilado após uma conversa com
Léon Werth, que odiava profundamente Pétain. Mas Werth teve de viver escondido
em sua casa de Saint-Amour, sem qualquer possibilidade de se corresponder com o
amigo, pois temia ser descoberto e preso. No exílio, Saint-Exupéry só julgava a
administração de Vichy através da propaganda enganosa, enquanto seu amigo
enfrentava diariamente as perigosas realidades da colaboração, escrevendo com desprezo
em seu jornal que o marechal representava a traição disfarçada de virtude. Para
o escritor anarquista, a atitude patriarcal de Pétain, seus olhos azuis com um
olhar falsamente honesto e sua revolução nacional soporífera eram uma armadilha
para o povo, O chefe de Estado era idoso demais para ser executado, pensava
Werth, porém não deveria escapar da degradação diante de suas tropas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário