Os 28 meses de residência forçada
nos Estados Unidos privaram Saint-Exupéry da fonte de estabilidade essencial em
sua vida — o contato com sua mãe. Desde a infância, sempre recorrera a ela para
obter apoio e reconforto moral. Uma correspondência ininterrupta selara entre
eles uma indefectível cumplicidade, na qual ele encontrava incentivo e ternura
em todos os momentos.
Muitas de suas cartas mostram que
Saint-Exupéry precisava submergir-se no mundo cálido e imaginário da infância,
para nele reencontrar a proteção de uma presença materna infinitamente compreensiva.
A ruptura provocada pelos dois anos passados nos Estados Unidos não foi apenas
física. O serviço postal não era confiável, e as poucas cartas que trocaram,
publicadas após a guerra, frequentemente limitavam-se a mensagens rápidas e
simples. Em 1942, quando os alemães ocuparam a totalidade da França e os
Estados Unidos retiraram sua embaixada de Vichy, o precário vínculo epistolar
entre mãe e filho rompeu-se definitivamente.
Os livros de Saint-Exupéry revelam
que, nos momentos de angústia, com frequência ele se refugiava no passado para
nele encontrar seus antigos consolos. O período particularmente deprimente no
qual esteve hospitalizado em Los Angeles durante o verão de 1941 exemplifica
esse comportamento. Se tivéssemos que imaginar o momento da concepção de O Pequeno Príncipe, provavelmente
optaríamos por um daqueles instantes de intensa solidão numa sala impessoal de
hospital.
Para Antoine, os períodos de doença
tinham sido propícios à reflexão. Em 1930, numa carta à mãe, enviada de Buenos
Aires, mencionava que o sentimento da imensidão não lhe viera da Via Láctea,
nem dos céus, nem dos oceanos, mas sim da pequena cama no quarto materno, onde
dormia quando ficava doente.
“Era uma sorte maravilhosa ficar doente”,
dizia ele. “Todos nós tínhamos vontade de ficar. Era um oceano sem limites ao
qual tínhamos direito quando ficávamos com gripe.” No hospital de Los Angeles,
essa lembrança o reconfortou e, como livro de cabeceira, levou apenas os Contos de Andersen. Sua mãe os narrara
durante a infância e, como ele recordava numa entrevista para Harper’s Bazaar, aquele fora o primeiro
livro que lera por completo, com cinco anos de idade. Annabella, que em 1935
desempenhara o papel principal de seu filme Anne-Marie,
na época morava em Hollywood com o marido Tyrone Power. Ela foi visitá-lo no
hospital e percebeu o livro na mesinha-de-cabeceira. Durante as semanas
seguintes, ela o visitou com frequência no apartamento de dois cômodos que ele
alugara até o final do tratamento médico e no qual recriara um “mundo
imaginário”, nas palavras de Annabella, a continuação de um processo criativo
que levava à realização de O Pequeno
Príncipe.
Nas semanas seguintes, discussões
políticas e disputas conjugais acrescentaram-se aos problemas de saúde e à
pressão dos editores, aumentando sua necessidade de recuperar uma perspectiva
infantil do mundo. Quando retornou a Nova York, ligou para Annabella; queria
ler para ela os primeiros capítulos do conto que lentamente tomaria forma no
transcorrer de 1942. A silhueta do Pequeno
Príncipe estava presente desde a adolescência de Antoine. Seu esboço é encontrado
em centenas de cartas a amigos, e algumas dessas imagens possuem uma origem que
pode ser identificada. O desenho do pequeno herói solitário e desamparado de
costas, no cume de uma montanha, ilustrava uma carta a Guillaumet após sua
aventura na cordilheira, em 1930.
No entanto, nunca se saberá
exatamente quando Saint-Exupéry passou a considerar O Pequeno Príncipe sob a forma de uma obra a ser publicada. Seu
editor americano, Curtice Hitchcock, teria encomendado o livro após ter visto o
autor desenhar um menino com uma cabeleira eriçada num guardanapo de
restaurante. Segundo Hitchcock, ele incentivara Saint-Exupéry a escrever um
conto infantil antes do Natal de 1942, porém o plano parece ter germinado no
espírito do escritor bastante antes dessa proposta. Provavelmente ele já
concebera alguns elementos do relato durante seus frequentes encontros com os
filhos do editor.
Sylvia Hamilton, uma das amigas
jornalistas de Saint-Exupéry em Nova York, afirma que ele lhe contou a história
por ocasião de seu primeiro encontro no início de 1942, antes de tê-la
redigido.
Ela não foi a única a contribuir com
a versão final ilustrada pelo autor. Denis de Rougemont posou para o retrato do
Pequeno Príncipe chorando de barriga
para baixo no meio das flores. Outros personagens, como o acendedor de lampiões
de Saint-Maurice-de-Rémens, saíram diretamente das recordações de infância de Antoine,
e nunca ficaram sabendo de sua contribuição.
Como resolver o enigma colocado pela
identificação de todos os modelos que inspiraram o livro? A maior parte tem
origem na memória visual do autor, e a interpretação do texto parece alcançar
um significado ainda mais pungente com suas referências íntimas. Se o texto for
lido paralelamente às anotações de Cidadela,
bem avançadas na época em que o conto foi publicado, a primeira parte do livro
revela as frustrações de um homem em busca da verdade, quando todas as certezas
o abandonam. O Pequeno Príncipe pode
ser interpretado como uma recriminação do autor a si mesmo por ter empreendido
a impossível tarefa de escrever Cidadela.
Em O Pequeno Príncipe, Saint-Exupéry
reafirma sua teoria de que as crianças compreendem as verdades mais simples da
vida e que a chave dessa compreensão é fruto de sua inocência. No entanto, em
sua obra filosófica, ele tentava ao mesmo tempo, de um ponto de vista adulto e
lógico, fornecer respostas definitivas às mais elevadas questões morais. Em
comparação com Cidadela, estaríamos
equivocados se interpretássemos O Pequeno
Príncipe apenas como uma conversa enigmática entre o autor e jovens
leitores, dotados de uma capacidade instintiva para decifrar uma mensagem
incompreensível para os adultos. Três meses lhe bastaram para terminar esse
conto, enquanto confiava a amigos que ainda precisaria de dez anos para acabar Cidadela. Entretanto, a redação
cuidadosa de O Pequeno Príncipe prova
que ele foi seu principal centro de interesse durante a maior parte de 1942. O
testemunho mais importante da perseverança de Saint-Exupéry enquanto trabalhava
em O Pequeno Príncipe nos é dado por
sua professora de inglês, Adèle Breaux, em seu livro Saint-Exupéry en Amérique. Ela se lembra de ter visto seu
escritório repleto de desenhos, cuja maioria ia para o lixo. Saint-Exupéry mostrava-lhe
os esboços que jogava fora desculpando-se: “Isto é um pouco ridículo, porque
não sei nada de desenho nem de pintura. Tudo o que eu sei vem da infância, e
posso lhe assegurar que meu talento na época não atraiu a atenção de ninguém”.
Em 1942, ele era consultado com frequência
pelo ministério da Guerra em Washington, para interpretar fotografias de
reconhecimento aéreo. Adèle Breaux perguntava-lhe quando é que tinha tempo para
escrever. “À noite, principalmente. Prefiro escrever de noite. Geralmente passo
os dias em conferências, reuniões ou visitas. Raramente começo a escrever antes
das 11 horas da noite, e tenho sempre ao alcance da mão uma bandeja com grandes
xícaras de café preto. Sou livre, posso me concentrar durante horas. Também
posso escrever horas e horas sem me cansar, sem ficar com vontade de dormir.
Nunca sei a que horas vou ficar com sono. Adormeço sem me dar conta e já é dia
quando acordo, com a cabeça entre os braços. Só posso trabalhar desse jeito.
Quando o livro está começado, fico como se estivesse possuído. Quando escrevo,
tenho certeza de que o que estou fazendo é bom. Quando termino, tenho certeza
de que tudo não vale nada!”
Certamente não existe qualquer
dúvida sobre o personagem central de O
Pequeno Príncipe. O menino loiro que dialoga com Saint-Exupéry piloto é o
próprio Antoine, antes de seu exílio do jardim mágico de Saint-Maurice. A prova
disso são os temas principais que ilustram o constante interesse de
Saint-Exupéry pela amizade, pela responsabilidade e pela busca de valores
morais para substituir a fé perdida.
A maior diferença com os livros
precedentes não reside no fato de aparentemente ser destinado a um público
infantil, mas de usar a história para refletir sobre a angústia de seu
casamento com Consuelo e o vazio dos relacionamentos com outras mulheres. Portanto,
o livro não é um estudo abstrato sobre a fidelidade, a lealdade e a
responsabilidade. Nele pode ser encontrado um eco de suas conversas com
Consuelo durante a redação do livro, quando eles tentavam retomar uma vida
comum harmoniosa.
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