Com muito dinheiro, é possível que a tensão entre
Consuelo e Antoine se suavizasse. A escrita não enriquecera Saint-Exupéry, pelo
menos não o suficiente para enfrentar suas extravagâncias pessoais, como a
Bugatti e o avião particular. Em 1929, quando Correio Sul foi publicado, o contrato da Gallimard continha uma
cláusula para a aceitação de pelo menos seis outras obras, porém a modesta
receita de Voo Noturno não convenceu
o autor de que poderia viver de seus livros. Inevitavelmente, o grande sonho
dos escritores — o grande golpe que o livraria para sempre das dificuldades
financeiras — o possuía.
Após
o acidente de Saint-Raphael, ele foi obrigado a aceitar um cargo no serviço de
relações públicas da Air France. Assim dissipou-se a esperança de poder ganhar
bem a vida na aviação. Seu salário de 3.500 francos era apenas suficiente para
pagar o consumo mensal de seus cigarros preferidos, os Craven A, como confessou
a Jean Chitry, seu superior hierárquico. Suas responsabilidades abrangiam
palestras no exterior, que lhe asseguravam 1.000 francos extras cada vez que
pilotava um avião em direção a uma dessas reuniões. Durante os primeiros sete
meses do contrato, a partir de abril de 1934, seus ganhos chegaram a mais de 40
mil francos, que se acrescentavam aos direitos autorais de Voo Noturno e aos honorários recebidos por diversas contribuições
ao semanário ilustrado Marianne.
Havia
três alternativas para tentar acabar com essa renda insuficiente: imaginar uma
invenção rentável, escrever para o cinema ou ganhar o prêmio por bater o
recorde de um voo de longa distância. Nos meses seguintes, tentou tirar
proveito dessas três possibilidades, mas acabou ficando sem o dinheiro
necessário para pagar as contas de gás, energia elétrica e telefone.
Em
dezembro de 1934, patenteou sua primeira invenção de um sistema de aterrissagem
que foi seguida, até 1940, por outras treze. Ele sugeria que elas lhe rendiam
muito, porém isso não passava de blefe, pois a maioria não foi patenteada antes
de 1939 e 1940. Seus projetos inovadores, junto com sua experiência de aviador,
melhoravam a navegação noturna e os sistemas de segurança; também elaborou
outros projetos relativos à propulsão de foguetes. Esses inventos altamente
técnicos, inspirados por um crescente interesse pela geometria e pelas ciências
aplicadas, eram a prova de uma imaginação fértil e variada; contudo, o cinema
parecia ser uma via financeira mais promissora. Os produtores americanos
consideravam Night Flight, o filme adaptado de Voo Noturno, um grande sucesso. Em Paris, permanecera em cartaz por
dez semanas em 1934. Os direitos autorais não corresponderam àquilo que Antoine
esperava, porém encontrou uma compensação intelectual nas impressionantes cenas
de voo, que, em sua opinião, recriavam fielmente pela primeira vez a atmosfera
real da aviação civil.
Naquela época, estava terminando o roteiro de um longa-metragem: Anne-Marie, iniciado na América do Sul em 1931 e realizado quatro anos mais tarde por Raymond Bernard, filho do dramaturgo Tristan Bernard. A trama não possuía a simplicidade de Correio Sul nem a riqueza dos temas morais de Voo Noturno. Há cinco aviadores fascinados pela mesma mulher, Anne-Marie, aviadora e precursora na aeronáutica, cujo papel foi representado pela atriz francesa Annabella, que, logo após, mudou-se para Hollywood e casou-se com Tyrone Power. No final da história, os aviadores são preteridos em favor de um sexto personagem, um inventor, que salva Anne-Marie quando ela está realizando um voo de prova noturno no meio de uma violenta tempestade. Ele utiliza as reservas de eletricidade e todas as luzes da cidade para lhe enviar uma mensagem em Morse e guiá-la até uma pista de pouso. Três dos pilotos de provas, designados como o camponês, o amante e o boxeador, foram claramente inspirados em Guillaumet, Mermoz e Marcei Reine. Os outros três personagens masculinos, o inventor, o pensador e o detetive, são três facetas de Saint-Exupéry, que lhe permitirão ao mesmo tempo seduzir a moça, morrer num acidente de avião e manipular toda a história.
O
episódio mais curioso ocorre num encontro entre o detetive e o inventor. Os
dois são prestidigitadores eméritos, como o próprio Saint-Exupéry, mas o
inventor sente um prazer maligno ao destruir o efeito obtido pelo detetive,
revelando seus truques. Na vida real, nada exasperava tanto Saint-Exupéry
quanto a revelação de seus truques de mágica.
À
medida que se desenrola a complicada trama, só o inventor e o pensador
continuam com chances de ganhar o coração de Anne-Marie. O principal talento do último é escrever cartas de
amor, porém morre num acidente aéreo, deixando assim o campo livre para o
inventor. No final, o Saint-Exupéry detetive tem a honra e a vantagem de
empurrar o Saint-Exupéry inventor para os braços de Anne- Marie, exortando a
jovem: “Beije-o. É um homem”.
A
maneira notável com que Saint-Exupéry incluía em todos os seus escritos uma
imagem de si mesmo, desde L’Évasion de
Jacques Bernis até O Pequeno Príncipe,
possibilita infinitas especulações sobre os sentidos ocultos do filme. O
roteiro contém elementos de seus temas predominantes, particularmente a
solidariedade e a coragem.
Mas Anne-Marie
surpreende no conjunto de sua produção literária; por um lado, a heroína é uma
mulher muito audaciosa que poderia ter sido inspirada em Maryse Bastié e, por
outro, o inventor a conquista mais por sua habilidade técnica que por sua
bravura ou suas qualidades morais exemplares.
Talvez
não se deva ver nesse roteiro nada além de uma tentativa de ganhar dinheiro com
essa arte popular. Nos anos seguintes, Saint- Exupéry escreveu outros roteiros
que foram rejeitados, porém em 1936 fez a adaptação de Correio Sul para um filme que se transformou em grande sucesso. Ele
mesmo filmou a maioria das cenas de voo no deserto, como dublê do famoso ator
Pierre Richard-Willm. Todavia, seu maior sucesso não foi assinado. Ele escreveu
e dirigiu um filme, Atlantique Sud,
que comemorava a centésima travessia aérea entre a África e a América do Sul.
Esse filme de uma hora talvez seja o documentário mais famoso do cinema
francês. Ainda era projetado doze anos após sua estreia. Saint-Exupéry negou-se
a aparecer nos créditos, porque tanto o filme quanto a redação de artigos
faziam parte de seu contrato de assalariado na Air France.
Em
maio de 1935, antes de concluir o roteiro de Anne-Marie, Saint-Exupéry regressou à aviação com a esperança de
ganhar um importante prêmio se conseguisse bater um recorde de longa distância.
Interessou-se em primeiro lugar pelo trajeto Paris-Saigon, e, embora seu
desempenho tenha acabado em dezembro com um espetacular acidente no deserto, a
aventura transformou-o em herói nacional.
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