Em 1931, a vida profissional, pessoal e literária de
Saint-Exupéry parecia seguir uma curva ascendente rumo à felicidade e ao
sucesso. Os desafios vencidos na África e na América do Sul valeram-lhe uma
reputação de audácia e coragem. Algumas semanas antes de abandonar a Argentina,
conheceu Consuelo Suncin de Sandoval, sua futura esposa. No final do mesmo ano
era publicado seu segundo romance, Vôo Noturno, acolhido por uma crítica
entusiasta. No entanto, em vez de rejubilar-se, Saint-Exupéry começou a oscilar
desastradamente entre decepções sentimentais e desilusões profissionais. Como
aviador, para não aceitar empregos rotineiros, freqüentemente ficava sem
trabalho, enquanto suas tentativas de bater recordes de longa distância lamentavelmente
fracassavam. Embora escrevesse artigos para jornais e revistas, suas altas
ambições literárias fracassaram e só a publicação de Terra dos Homens, em 1939,
renovou sua contribuição original à literatura francesa. Seu casamento foi o
seu maior fracasso, oscilando entre a exaltação e a amargura.
Suas relações com Consuelo começaram após um encontro em
Buenos Aires, durante uma recepção na Aliança Francesa em honra de escritores e
artistas que estavam fazendo uma viagem pelo país, proferindo palestras. A
figura dominante do grupo, Benjamin Crémieux, que era colaborador da Nouvelle
Revue Française, já encontrara Saint-Exupéry em Paris, nos escritórios da
editora Gallimard. Entre os membros do grupo encontrava-se Consuelo, viúva de
um escritor guatemalteco, Enrique Gomez Carríllo, personagem extravagante,
famoso pelas suas conquistas femininas, seus impetuosos duelos e um livro sobre
Mata Hari, fruto de sua amizade com a aventureira.
Gomez Carríllo e Consuelo teriam sido apresentados um ao
outro quando ela estava apenas com 17 anos. No entanto, pesquisas sobre a sua
vida feitas em 1993 por um cineasta salvadorenho, Manuel Sorto, provocam
dúvidas sobre a veracidade de alguns fatos e datas, até mesmo sobre seu
nascimento em El Salvador. Tudo o que a ela se refere é confuso e
contraditório, porque Consuelo gostava de manter mistério sobre seu passado.
Nos editais de seu casamento com Saint-Exupéry ela declarou ter nascido em
1902, porém não pôde apresentar nenhum atestado, alegando que os arquivos salvadorenhos
tinham sido destruídos durante uma revolução. Alguns de seus amigos achavam que
ela era mais velha que Antoine pois teria nascido em 1898, porém no seu túmulo
figura o ano de 1907.
Além dos membros da família Suncin, a principal fonte de
informação de Sorto é Francisco Mena Guerrero, jornalista e historiador
salvadorenho, que entrevistou Consuelo diversas vezes. De acordo com ele, a
jovem conheceu Gomez Carrillo em 1924, quando ele tinha 54 anos e ainda vivia
com sua segunda esposa. Autor de mais de cinqüenta livros, era correspondente
em Paris do jornal madrilenho ABC e de dois jornais argentinos. Após ter-se
naturalizado argentino, foi nomeado cônsul da Argentina em Paris e, segundo
Consuelo, tornou-se “imensamente rico”.
A pesquisa salvadorenha revela que o casal viveu
maritalmente durante alguns meses antes do casamento, em Nice, em dezembro de
1926. Gomez Carrillo faleceu menos de um ano após essa data, deixando à jovem
esposa propriedades na França e na Argentina. Para recuperar sua herança e
solicitar uma pensão diplomática do governo argentino, após três anos de
viuvez, é que Consuelo decidiu integrar-se à viagem de conferências de
Crémieux.
Desde sua desastrada ligação com Louise de Vilmôrin,
cerca de dez anos antes, Saint-Exupéry perdera muitas de suas ilusões
românticas. Tornara-se até mesmo um pouco cínico com relação às mulheres,
gastando todo seu dinheiro com prostitutas ou admiradoras frívolas. Mas o
efeito causado por Consuelo sobre Antoine foi tão imediato quanto o produzido
sobre o experiente sedutor que era Gomez Carrillo.
As fotos da época mostram uma moça bonita e miúda. Seu
rosto vivaz e cheio de vitalidade denota um caráter brincalhão e burlesco. Seus
grandes olhos escuros brilham de forma provocativa, como se ela fosse
consciente da sensibilidade dos homens à sua aparente vulnerabilidade e desejo
de proteção.
Capa da autobiografia de Consuelo
de Saint-Exupéry
onde ela revela que o personagem da rosa no
Pequeno Principe era ela.
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Dotada de imaginação fértil, ela mesclava
inextricavelmente fatos reais e fictícios. Um amigo sul-americano,
Damian-Carlos Bayon, crítico de arte internacional, descreve-a como uma mulher
dotada de um excepcional talento para contar histórias. “Eu sabia que suas
histórias eram uma versão muito colorida da verdade, mas não me importava com
isso; ela era brilhante, trágica, engraçada e divertida, embora às vezes sua
exuberância cansasse um pouco. Ela me fez rir muito ao lembrar os atributos
sexuais de Saint-Ex, dizendo que ele tinha um pênis superdesenvolvido com forma
de sifão. Eu não acreditava em tudo o que ela contava, mas sua forma de contar
me fascinava.”
Circulava uma história muito teatral sobre a cerimônia de
seu casamento com Gomez Carrillo, quando a esposa anterior apareceu na saída da
igreja. A mulher, vestida de negro, com um aspecto trágico, colocou-se diante
da noiva, apontando-lhe um revólver; depois a amaldiçoou e apertou o gatilho,
lembra-se Bayon. “O revólver travou e Consuelo caiu cambaleante nos braços do
marido”, acrescenta.
Ela afirmava ter nascido durante um terremoto e ter sido
adotada por um casal de camponeses que a alimentou com leite de cabra. Outras
versões apócrifas contêm manifestações de bruxaria ou intervenções divinas. Ela
inventava incessantemente histórias sobre a família e aumentava ainda mais a
confusão afirmando que sua mãe, cujo sobrenome de solteira era Sandoval,
descendia da família real espanhola. Consuelo adotou a partícula “de” para
impressionar os franceses.
No entanto, para ser incomum, a realidade não precisava
de tanta maquiagem. Ela provinha de uma família de militares originária de
Armeni, uma aldeia no nordeste de El Salvador, minúsculo Estado
latino-americano de 3 milhões de habitantes. Seu pai, coronel como dois de seus
tios, comprara uma pequena propriedade onde cultivava o único produto de
exportação do país, o café. Claudia Lars, poeta salvadorenha, forneceu uma
primeira imagem de Consuelo. Claudia também morava em Armeni e conta que, por
volta dos 12 anos de idade, elas confidenciaram mutuamente seus projetos de
futuro. Quando Claudia confiou à amiga seu desejo de ser escritora, Consuelo,
já extremamente bela na época, declarou que seria a rainha de um país
longínquo.
Com 15 anos obteve
o diploma de professora, pois o sistema escolar permitia ensinar num
estabelecimento primário após três anos de estudos secundários. Como desejasse
ardentemente ir ao exterior aprender inglês, dirigiu-se a São Salvador e
solicitou uma entrevista com o presidente, Alfonso Quinonez Molina, que lhe
concedeu uma bolsa de estudos num colégio das irmãs ursulinas em São Francisco.
Algum tempo mais tarde, com 17 anos, visitou o México e apaixonou-se pelo
capitão Ricardo Cárdenas, com quem se casou no civil pouco tempo mais tarde.
Foi uma aventura apaixonada e trágica, vivida num país em perpétua revolução.
Alguns meses após a união, o oficial mexicano morreu quando seu trem foi
atacado pelos guerrilheiros.
A desgraça da jovem viúva chegou aos ouvidos do ministro
da Educação do México, José Vasconcelos, que ela já encontrara por ocasião da
transferência de sua bolsa dos Estados Unidos para aquele país. Segundo o
historiador Mena Guerrero, ela se tornou sua amante e eles permaneceram bons
amigos depois que ele deixou o cargo em 1924, durante o período anticlerical no
México. Graças à sua reputação de escritor-filósofo, foi nomeado embaixador na
França. Consuelo chegou a Paris alguns meses mais tarde, instalou-se num
pequeno hotel perto dos Halles e retomou o relacionamento com seu protetor. Foi
rapidamente adotada nos círculos latino-americanos mais influentes, nos quais
sua beleza atraiu grande número de admiradores.
Numa recepção oferecida pelo pintor Van Dongen para
festejar a instalação em Paris do escritor e historiador mexicano Alfonso
Reyes, Consuelo encontrou-se pela primeira vez com Enrique Gomez Carrillo. Van
Dongen era um dos amigos da jovem no mundo das artes, no qual ela se engajou
mais após a morte do marido. Quando Saint-Exupéry a conheceu, ela possuía boas
noções de escultura, após ter freqüentado cursos em Nice e Paris. Sua primeira
obra representava a máscara mortuária de Gomez Carrillo. Ela a pendurara em seu
apartamento parisiense e atribuía-lhe poderes místicos, como a emissão de
ruídos de desaprovação quando recebia convidados de quem seu marido não
gostava.
O caso foi relatado por uma atriz russa, Xenia Kouprine,
que freqüentava o apartamento onde Consuelo acolhia uma multidão despreocupada
e boêmia de escritores, pintores, atores e músicos. Segundo Kouprine, ela
parecia muito jovem: “Era a sul-americana típica: pequena e graciosa, com mãos
e braços de notável beleza”, escreveu ela numa revista soviética. “Seus olhos
negros eram cativantes, como estrelas, e sua pele maravilhosa.”
A bela e volúvel Consuelo, que conheceu Saint-Exupéry em Buenos Aires
e provocou uma paixão fulminante
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