domingo, 25 de junho de 2017

CIDADELA - 11

            Foi assim que ao passear no meio de meu povo no delta da tarde, quando tudo se desfaz, os observei com as vestes amarrotadas, na soleira das tendas humildes, repousando de sua atividade de abelhas, e me interessava menos por eles do que pela perfeição do favo de mel em que todos tinham colaborado ao longo do dia. E eu meditava diante de um deles, que era cego e tinha além disso perdido uma perna. Tão velho, tão moribundo, gemia como um móvel velho cada vez que se mexia e que respondia lentamente porque era de idade avançada e começava a perder a clareza das palavras, mas que se tornava cada vez mais luminoso e claro e compreensivo no objeto mesmo da sua troca. Porque com as mãos trêmulas continuava ainda o seu trabalho, que se ia tornando elixir cada vez mais sutil. E ele, evadindo-se tão maravilhosamente do seu velho corpo encarquilhado, se tornava cada vez mais feliz, cada vez mais inacessível. Cada vez mais imorredouro. Ao morrer, levava, sem o saber, as mãos cheias de estrelas...

            E assim eles trabalharam toda a vida para um enriquecimento sem utilidade, todos trocados pelo incorruptível bordado... Dedicaram apenas uma parte do seu trabalho à utilidade prática, e todo o resto à cinzelagem, à inútil qualidade do metal, à perfeição do desenho, à suavidade da curva, que não servem para nada senão para receber a parte trocada, que dura mais do que o corpo.

            Costumo à noitinha andar com passos lentos no meio do meu povo, o abraçando com o silêncio do meu amor. Preocupado com aqueles consumidos por uma luz inútil, com o poeta cheio de amor pelos poemas, mas que nunca escreveu o seu, com a mulher apaixonada pelo amor, mas incapaz de se realizar, por não saber escolher, cheios de angústia, sabendo que os irei curar dessa angústia se lhes permitir esse bem que exige sacrifício e escolha e esquecimento do universo. Porque determinada flor é antes de tudo uma renúncia a todas as outras flores. E, no entanto, só com essa condição ela é bela. É o que acontece com o objeto da troca. E o insensato que vem censurar a essa velhinha o seu bordado, sob o pretexto de que ela poderia ter tecido outra coisa, demonstra então que prefere o nada à criação. Vou andando, e ouço se erguer a prece sobre os cheiros do acampamento, onde tudo amadurece e se forma em silêncio, lentamente, sem quase ser notado. O fruto, o bordado ou a flor, antes de realizados, começam por se banhar de tempo.

            E durante meus longos passeios vim a compreender que a qualidade da civilização do meu império não repousa sobre a qualidade dos alimentos, mas sim sobre a das exigências e sobre a devoção do trabalho. Não é feita da posse, mas sim da dádiva. Civilizado, em primeiro lugar, é aquele artesão de quem falo e que se recria no objeto, e por outro lado eterno, pois não tem mais medo de morrer. Civilizado também aquele que combate e se troca pelo império. Mas um outro se embrulha sem benefício no luxo comprado nas lojas dos mercadores, mesmo que alimente seus olhos de perfeição, se não criou coisa alguma até hoje. Sei dessas raças bastardas que deixaram de escrever os poemas e apenas os leem, que não cultivam mais o solo e passaram a se apoiar nos escravos. É contra eles que as areias do Sul preparam eternamente, na sua penúria criadora, as tribos vigorosas que irão cavalgar para conquistar suas provisões mortas. Não amo os sedentários da alma. Aqueles que não trocam nada jamais se tornam coisa alguma. E a vida não terá servido para amadurecê-los. E o tempo corre por eles como o punhado de areia, e os perde. Que irei remeter a Deus em nome deles?


            Quando deixaram desabar o celeiro antes de estar cheio, é que eu pude avaliar bem a sua miséria. Pois a morte do avô, feito terra depois de ter se doado todo, é apenas uma maravilha, instrumento que passou a ser inútil. Eu vi nas minhas tribos essas crianças à beira da morte sem fôlego e nada dizendo, os olhos semicerrados, guardando ainda um resto de brasa sob os cílios imensos. É que Deus, como o agricultor na colheita, ceifa flores junto com a cevada. E quando recolhe a colheita, rica de grão, encontra lá essa preciosidade inútil.


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