sábado, 3 de junho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 39


                        Consuelo e Antoine casaram-se sete meses após seu primeiro encontro, mas só depois de tê-lo deixado para regressar à França é que a jovem viúva percebeu que estava apaixonada. Um pouco antes do Natal de 1930, logo após o pedido de casamento de Saint-Exupéry, ela lhe anunciou que tinha acabado de reservar uma passagem de navio do Brasil para a França para o início de janeiro. Ele ficou decepcionado, pois contava apresentá-la à mãe, que vinha passar algumas semanas com ele. Na verdade, seus navios cruzaram-se na baía do Rio de Janeiro, acabando com o desejo de Antoine de reunir as duas mulheres.

                        Essa reticência em conformar-se com as decisões de Saint-Exupéry era o primeiro sinal de que Consuelo não cederia em nada com relação à sua liberdade pessoal. Pouco depois de chegar à França, anunciou a uma amiga que sua ligação terminara e insinuou que seu namorado estava morto. Mas essas veleidades de ruptura dissiparam-se quando um antigo colega de Antoine, Henri de Ségogne, veio bater à porta de seu apartamento parisiense para informá-la que Saint-Exupéry desejava encontrá-la na Espanha, onde seu barco atracaria.

                        Desde sua separação havia seis semanas, ele passara a maior parte do tempo com a mãe, levando-a de avião até Assunção, a 1.000 quilômetros de Buenos Aires, onde ela pintou paisagens do Paraguai. Mãe e filho conversaram longamente sobre o projetado casamento e a acolhida desfavorável que ele teria do resto da família, na qual a idéia de casar-se com uma estrangeira, segundo o cómentário de um parente, era tão inaceitável quanto a de desposar uma judia. O excepcional entendimento entre Marie e Antoine justificava que ela tivesse tomado a liberdade de alertá-lo contra o risco de comprometer suas phances de casar-se com uma herdeira. Deixando de lado qualquer outra consideração, um bom casamento era a única maneira de salvar da falência a propriedade de Saint-Maurice-de-Rémens. Com a mensalidade enviada por Antoine, Marie vivia com uma renda de apenas 10.000 francos, tornando impossível manter o nível de vida de Tante Tricaud. No entanto, o dinheiro era uma questão secundária para Saint-Exupéry, que geralmente gastava mais do que recebia. Os elogios apaixonados da personalidade exótica de Consuelo acabaram com as reticências de Marie, que se tornou a mais convincente das advogadas de Antoine após o reencontro do casal, começando pessoalmente a preparar o terreno para seu casamento.

            Quando se encontrou com o namorado na Espanha, Consuelo deixou de conhecer um novo espécime da longa lista de animais de estimação de Saint-Exupéry. Antes de ir embora da Argentina, ele lhe oferecera um pequeno macaco e um pássaro que assobiava como uma locomotiva. Também comprou um puma jovem na América do Sul, para dar de presente à irmã Gabrielle. Pediu que a mãe tomasse conta dele durante a última etapa da viagem de regresso, que ela realizou sozinha até Marselha. Durante a travessia do Atlântico, Antoine passeava no convés com o felino, mas tratava-se de um animal menos dócil que a tartaruga que costumava levar amarrada a um barbante no parque de Saint-Maurice. Após seu desembarque na Espanha, a mãe, esgotada, achou que a tarefa superava suas forças. Quando o animal mordeu um oficial na barriga da perna, o capitão aconselhou-a a vendê-lo a um criador de animais que estava retornando à França com uma coleção de esquilos da América.



            Apesar de seu lado divertido, esse fato revela também a pouca reflexão de Saint-Exupéry sobre certas decisões. Evidentemente o puma não era um animal doméstico, embora Gabrielle morasse num castelo. É provável que Consuelo também tenha se perguntado se Antoine tinha refletido tão pouco assim quando decidiu “domesticá- la”, passando-lhe o laço conjugal pelo pescoço. Seus amigos pensavam que ela estava cometendo uma loucura ao se casar com um homem que ela mesma qualificava de “louco voador”, cujas únicas esperanças repousavam num livro que nem mesmo estava terminado. No entanto, suas dúvidas desapareceram durante a viagem entre Madri e a Riviera, onde os namorados pensavam encontrar-se com Marie em Agay, a residência familiar de Gabrielle. Em vez disso eles pararam em Nice, onde Consuelo possuía uma casa herdada de Gomez Carrillo. Antoine ficou encantado pelo cenário, na parte mais alta de Cimiez, acima da baía des Anges, e decidiu instalar-se lá para terminar Vôo Noturno.

            Esse repentino acesso de concentração deve ter sido motivado pelo desejo de agradar Consuelo. Ele se isolou durante dias inteiros, escrevendo, corrigindo e reescrevendo antes de ler para ela o fruto de seus esforços. As 400 páginas iniciais diminuíram então para uma terça parte. Provavelmente nunca tenha trabalhado tanto na vida, mas tinha de ofuscar o brilhante Gomez Carrillo. As histórias contadas pela namorada sobre a reputação de seu falecido marido não eram exageradas. Na Guatemala, o parque central da cidade foi re- batizado em sua honra.

            Aquelas semanas foram idílicas. Acreditavam intensamente um no outro. Consuelo dedicou-se unicamente ao futuro marido, isolando-se do resto do mundo e preparando seus pratos prediletos. Ela declarou a Antoine que se sentia “totalmente feliz”.

            Apenas algumas visitas a Maurice Maeterlinck pontuaram sua vida de reclusos. Amigo de Gomez Carrillo, o poeta de origem belga, prêmio Nobel de Literatura, morava perto de Villefranche, numa casa de campo grande como um palácio. Todas as dúvidas de Saint-Exupéry sobre seu próprio talento como escritor caíram por terra durante um almoço com Maeterlinck, sexagenário habitualmente calado e misantropo. Os homens desceram até a adega, onde discutiram o enredo de Vôo Noturno, e quando subiram, após um tempo considerável, Maeterlinck tornara-se um partidário entusiasta de seu projeto de casamento.

            A convicção de ter sido empurrada pelo destino para os braços de um dos gênios do século XX foi confirmada abertamente a Consuelo por Maeterlinck, que estava persuadido de que um dia Saint- Exupéry seria o maior escritor francês. Antoine demonstrou nesse dia toda sua capacidade de sedução e de persuasão. Foi um dos melhores momentos da velhice prematura de Maeterlinck.

O jovem casal eufórico persuadiu o poeta introvertido a acompanhá-los num passeio de carro pelas montanhas de Nice,até a estação de esqui de Peira-Cava. Se houvesse alguma dúvida sobre a paixão de Antoine e Consuelo, existe uma foto que os mostra caminhando na neve, de mãos dadas, com o rosto radiante da felicidade partilhada. Saint-Exupéry está esbelto e bonito, e Consuelo, minúscula silhueta ao lado da sua, ergue para ele um rosto que brilha num sorriso extasiado.
Um sentimento de felicidade semelhante a esse irradia de uma carta de Saint-Exupéry, um mês após seu casamento. Ele a chama de plume d’or (pena dourada) e compromete-se solenemente a fazê-la feliz. “Não posso mais viver sem você”, escrevia pouco depois de ter-se reincorporado à Aéropostale de Toulouse, em maio de 1931. “Plume d’or, você é a mulher mais adorável do mundo. Uma fada.”

            Ele estava fascinado por sua “pequena alma selvagem” e suplicava que viesse encontrá-lo em sua casa de Toulouse. “E encha-a com sua maravilhosa desordem...” Durante as semanas em que viveram juntos em Nice, segundo as recordações de Consuelo, compartilharam “os mais loucos e belos dias” de suas vidas, interrompidos apenas por visitas a Agay, para anunciar seu noivado oficial a Marie de Saint-Exupéry e discutir os detalhes da boda. Yvonne de Lestrange também se encontrava naquele momento em Agay, em companhia de André Gide, que se ofereceu para escrever o prefácio de Vôo Noturno como presente de casamento.


            Todas as hesitações referentes à data de sua união foram dissipadas por ocasião de uma das ocasionais visitas de Marie à casa de Nice. Preocupada com suas almas, ela os apressou a realizar o mais brevemente possível a cerimônia religiosa. Em 12 de abril de 1931, Antoine de Saint-Exupéry e Consuelo Suncin de Sandoval foram unidos para sempre pelo abade Maurice Sudour, diretor da escola Bossuet, que propiciara em 1926 a entrevista de Saint-Exupéry com Beppo de Massimi. O dia estava esplêndido, e o caminho até a capela de Agay era alegrado por árvores em flor e pelos primeiros botões da primavera. Em compensação, como um curioso presságio, as fotos tiradas no parque do castelo parecem estranhamente tristes, como se o casal estivesse voltando de um enterro em vez de um casamento. Vê-se um Saint-Exupéry parecido com um camponês en- domingado, apertado em suas melhores roupas e segurando o chapéu. Consuelo segura o braço do marido, mais de uma cabeça mais alto que ela. Na mão esquerda segura um ramo de cravos contra o corpo miúdo, e olha para a câmera sem sorrir. Ela está usando uma mantilha. Preta, como seu vestido.

Consuelo e Antoine de Saint-Exupéry no dia do casamento, em Agay, na França

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