Consuelo
e Antoine casaram-se sete meses após seu primeiro encontro, mas só depois de
tê-lo deixado para regressar à França é que a jovem viúva percebeu que estava
apaixonada. Um pouco antes do Natal de 1930, logo após o pedido de casamento de
Saint-Exupéry, ela lhe anunciou que tinha acabado de reservar uma passagem de
navio do Brasil para a França para o início de janeiro. Ele ficou decepcionado,
pois contava apresentá-la à mãe, que vinha passar algumas semanas com ele. Na
verdade, seus navios cruzaram-se na baía do Rio de Janeiro, acabando com o
desejo de Antoine de reunir as duas mulheres.
Essa
reticência em conformar-se com as decisões de Saint-Exupéry era o primeiro
sinal de que Consuelo não cederia em nada com relação à sua liberdade pessoal. Pouco
depois de chegar à França, anunciou a uma amiga que sua ligação terminara e
insinuou que seu namorado estava morto. Mas essas veleidades de ruptura
dissiparam-se quando um antigo colega de Antoine, Henri de Ségogne, veio bater
à porta de seu apartamento parisiense para informá-la que Saint-Exupéry
desejava encontrá-la na Espanha, onde seu barco atracaria.
Desde
sua separação havia seis semanas, ele passara a maior parte do tempo com a mãe,
levando-a de avião até Assunção, a 1.000 quilômetros de Buenos Aires, onde ela
pintou paisagens do Paraguai. Mãe e filho conversaram longamente sobre o
projetado casamento e a acolhida desfavorável que ele teria do resto da
família, na qual a idéia de casar-se com uma estrangeira, segundo o cómentário
de um parente, era tão inaceitável quanto a de desposar uma judia. O
excepcional entendimento entre Marie e Antoine justificava que ela tivesse
tomado a liberdade de alertá-lo contra o risco de comprometer suas phances de
casar-se com uma herdeira. Deixando de lado qualquer outra consideração, um bom
casamento era a única maneira de salvar da falência a propriedade de
Saint-Maurice-de-Rémens. Com a mensalidade enviada por Antoine, Marie vivia com
uma renda de apenas 10.000 francos, tornando impossível manter o nível de vida
de Tante Tricaud. No entanto, o dinheiro era uma questão secundária para
Saint-Exupéry, que geralmente gastava mais do que recebia. Os elogios
apaixonados da personalidade exótica de Consuelo acabaram com as reticências de
Marie, que se tornou a mais convincente das advogadas de Antoine após o
reencontro do casal, começando pessoalmente a preparar o terreno para seu casamento.
Quando se encontrou com o namorado na Espanha, Consuelo
deixou de conhecer um novo espécime da longa lista de animais de estimação de
Saint-Exupéry. Antes de ir embora da Argentina, ele lhe oferecera um pequeno
macaco e um pássaro que assobiava como uma locomotiva. Também comprou um puma
jovem na América do Sul, para dar de presente à irmã Gabrielle. Pediu que a mãe
tomasse conta dele durante a última etapa da viagem de regresso, que ela
realizou sozinha até Marselha. Durante a travessia do Atlântico, Antoine
passeava no convés com o felino, mas tratava-se de um animal menos dócil que a
tartaruga que costumava levar amarrada a um barbante no parque de
Saint-Maurice. Após seu desembarque na Espanha, a mãe, esgotada, achou que a
tarefa superava suas forças. Quando o animal mordeu um oficial na barriga da
perna, o capitão aconselhou-a a vendê-lo a um criador de animais que estava
retornando à França com uma coleção de esquilos da América.
Apesar de seu lado divertido, esse fato revela também a
pouca reflexão de Saint-Exupéry sobre certas decisões. Evidentemente o puma não
era um animal doméstico, embora Gabrielle morasse num castelo. É provável que
Consuelo também tenha se perguntado se Antoine tinha refletido tão pouco assim
quando decidiu “domesticá- la”, passando-lhe o laço conjugal pelo pescoço. Seus
amigos pensavam que ela estava cometendo uma loucura ao se casar com um homem
que ela mesma qualificava de “louco voador”, cujas únicas esperanças repousavam
num livro que nem mesmo estava terminado. No entanto, suas dúvidas
desapareceram durante a viagem entre Madri e a Riviera, onde os namorados
pensavam encontrar-se com Marie em Agay, a residência familiar de Gabrielle. Em
vez disso eles pararam em Nice, onde Consuelo possuía uma casa herdada de Gomez
Carrillo. Antoine ficou encantado pelo cenário, na parte mais alta de Cimiez,
acima da baía des Anges, e decidiu instalar-se lá para terminar Vôo Noturno.
Esse repentino acesso de concentração deve ter sido
motivado pelo desejo de agradar Consuelo. Ele se isolou durante dias inteiros,
escrevendo, corrigindo e reescrevendo antes de ler para ela o fruto de seus
esforços. As 400 páginas iniciais diminuíram então para uma terça parte.
Provavelmente nunca tenha trabalhado tanto na vida, mas tinha de ofuscar o
brilhante Gomez Carrillo. As histórias contadas pela namorada sobre a reputação
de seu falecido marido não eram exageradas. Na Guatemala, o parque central da
cidade foi re- batizado em sua honra.
Aquelas semanas foram idílicas. Acreditavam intensamente
um no outro. Consuelo dedicou-se unicamente ao futuro marido, isolando-se do
resto do mundo e preparando seus pratos prediletos. Ela declarou a Antoine que
se sentia “totalmente feliz”.
Apenas algumas visitas a Maurice Maeterlinck pontuaram sua vida de reclusos. Amigo de Gomez
Carrillo, o poeta de origem belga, prêmio Nobel de
Literatura, morava perto de Villefranche, numa casa de campo grande como um
palácio. Todas as
dúvidas de Saint-Exupéry sobre seu próprio talento como escritor caíram por
terra durante um almoço com Maeterlinck, sexagenário habitualmente calado e misantropo.
Os homens desceram até a adega, onde discutiram o enredo de Vôo Noturno, e
quando subiram, após um tempo considerável, Maeterlinck tornara-se um
partidário entusiasta de seu projeto de casamento.
A convicção de ter sido empurrada pelo destino para os
braços de um dos gênios do século XX foi confirmada abertamente a Consuelo por Maeterlinck,
que estava persuadido de que um dia Saint- Exupéry seria o maior escritor francês.
Antoine demonstrou nesse dia toda sua capacidade de sedução e de persuasão. Foi
um dos melhores momentos da velhice prematura de Maeterlinck.
O
jovem casal eufórico persuadiu o poeta introvertido a acompanhá-los num passeio
de carro pelas montanhas de Nice,até a estação de esqui de Peira-Cava. Se
houvesse alguma dúvida sobre a paixão de Antoine e Consuelo, existe uma foto
que os mostra caminhando na neve, de mãos dadas, com o rosto radiante da felicidade
partilhada. Saint-Exupéry está esbelto e bonito, e Consuelo, minúscula silhueta
ao lado da sua, ergue para ele um rosto que brilha num sorriso extasiado.
Um
sentimento de felicidade semelhante a esse irradia de uma carta de
Saint-Exupéry, um mês após seu casamento. Ele a chama de plume d’or (pena
dourada) e compromete-se solenemente a fazê-la feliz. “Não posso mais viver sem
você”, escrevia pouco depois de ter-se reincorporado à Aéropostale de Toulouse,
em maio de 1931. “Plume d’or, você é a mulher mais adorável do mundo. Uma fada.”
Ele estava fascinado por sua “pequena alma selvagem” e
suplicava que viesse encontrá-lo em sua casa de Toulouse. “E encha-a com sua
maravilhosa desordem...” Durante as semanas em que viveram juntos em Nice,
segundo as recordações de Consuelo, compartilharam “os mais loucos e belos
dias” de suas vidas, interrompidos apenas por visitas a Agay, para anunciar seu
noivado oficial a Marie de Saint-Exupéry e discutir os detalhes da boda. Yvonne
de Lestrange também se encontrava naquele momento em Agay, em companhia de
André Gide, que se ofereceu para escrever o prefácio de Vôo Noturno como
presente de casamento.
Todas as hesitações referentes à data de sua união foram
dissipadas por ocasião de uma das ocasionais visitas de Marie à casa de Nice.
Preocupada com suas almas, ela os apressou a realizar o mais brevemente
possível a cerimônia religiosa. Em 12 de abril de 1931, Antoine de
Saint-Exupéry e Consuelo Suncin de Sandoval foram unidos para sempre pelo abade
Maurice Sudour, diretor da escola Bossuet, que propiciara em 1926 a entrevista
de Saint-Exupéry com Beppo de Massimi. O dia estava esplêndido, e o caminho até
a capela de Agay era alegrado por árvores em flor e pelos primeiros botões da
primavera. Em compensação, como um curioso presságio, as fotos tiradas no
parque do castelo parecem estranhamente tristes, como se o casal estivesse
voltando de um enterro em vez de um casamento. Vê-se um Saint-Exupéry parecido
com um camponês en- domingado, apertado em suas melhores roupas e segurando o chapéu.
Consuelo segura o braço do marido, mais de uma cabeça mais alto que ela. Na mão
esquerda segura um ramo de cravos contra o corpo miúdo, e olha para a câmera
sem sorrir. Ela está usando uma mantilha. Preta, como seu vestido.
Consuelo e Antoine de Saint-Exupéry no dia do casamento, em Agay, na França |
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