terça-feira, 20 de junho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 56


            A fama e o dinheiro obtidos com o sucesso de Terra dos Homens não conseguiram dissipar as angústias e dúvidas de Saint-Exupéry, embora ele passasse a ser reconhecido como um dos maiores escritores de uma das idades de ouro da literatura francesa. A Academia Francesa outorgou-lhe o Grande Prêmio na categoria romance por Terra dos Homens, enquanto Wind, Sand and Stars obtinha um enorme sucesso nos Estados Unido  s. Durante seis meses, entre março e setembro de 1939, foi ovacionado nos dois lados do Atlântico, e suas preocupações financeiras desapareceram praticamente da noite para o dia. No entanto, seus tormentos não cessaram. O mínimo detalhe o impressionava, como resumiria numa carta de Nova York a uma amiga jornalista, Sylvia Hamilton, após a capitulação da França. Ele lhe contava como o cansaço e a distração faziam-no perder seus trens e faltar a seus encontros, perder endereços, esquecer telefonemas, ofender os amigos com os quais depois tinha dificuldade de se reconciliar. Esses problemas impediam-no de escrever e até mesmo tinham-no feito aceitar três convites para jantar no mesmo dia.

            Os seis meses anteriores a seu alistamento como capitão na aeronáutica, em setembro de 1939, foram extremamente agitados. Esse período, durante o qual fez duas viagens aos Estados Unidos, foi sem dúvida o mais estressante de sua existência. Numa dessas viagens, reencontrou Henri Guillaumet, que continuava sendo piloto da Air France nas linhas atlânticas. Embora não tivesse tornado a voar desde o acidente na Guatemala, Saint-Exupéry persuadiu a companhia a deixá-lo voar com o amigo na qualidade de observador, numa tentativa de recorde de travessia do Atlântico a bordo de um novo hidravião de seis motores da Latécoère, o Lieutenant de Vaisseau Paris. Entre os oito membros da tripulação encontrava-se o operador de rádio do período africano, Jacques Néri.

            O avião decolou de Biscarosse, perto de Bordeaux, e fez escala, em 7 de julho, nas ilhas Açores. Depois disso Saint-Exupéry passou quatro dias em Nova York visitando as livrarias que vendiam há dez dias Wind, Sand and Stars. No dia 14 de julho, saindo dos Estados Unidos para a Europa, o hidravião foi beneficiado com ventos favoráveis, que permitiram que fosse estabelecido um recorde de travessia do Atlântico, em 28 horas sem escala.

            Alguns dias após seu regresso à França, Saint-Exupéry retornava a Nova York para a promoção de Wind, Sand and Stars, que fora escolhido o melhor livro do mês. Viajou no navio Normandie e, durante a noite de 28 a 29 de julho de 1939, outro aparelho da Air France, o Ville de Saint-Pierre, escoltou o navio durante diversos quilômetros, voando a baixa altitude acima do convés, enquanto as luzes do barco eram ligadas e desligadas para saudá-lo. O piloto, naturalmente, era Guillaumet, que enviou uma mensagem de saudação a Saint-Exupéry; este respondeu pelo rádio, demonstrando sua admiração pela tripulação do hidravião. Esta foi a última vez que os amigos partilharam uma aventura aérea.

            O fato de Saint-Exupéry ser espectador no convés de um navio, enquanto Guillaumet voava majestosamente sobre ele, resume muito bem os destinos divergentes dos pilotos. Saint-Exupéry nunca mais seria aviador profissional, enquanto Guillaumet, apenas dois anos mais moço que ele, prosseguia uma das mais brilhantes carreiras de piloto de linha.

            Em Nova York, Saint-Exupéry resignou-se a um planejamento rígido para o lançamento de seu livro, com entrevistas e autógrafos, porém essa visita também permitiu-lhe encontrar-se com o pioneiro da aviação americana, Charles Lindbergh, e sua esposa, Anne Morrow Lindbergh, de quem Saint-Exupéry prefaciara um dos livros publicados em francês, Le Vent se Lève. Anne Lindbergh descreveu em seu diário a primeira impressão física do rosto de Saint-Exupéry, impenetrável, quase eslavo em sua solidez, com olhos levemente puxados.

            Saint-Exupéry revelou ser um contador de histórias tão brilhante que Charles Lindbergh, geralmente muito meticuloso, ficou sem combustível na estrada enquanto escutava suas experiências de voo. Saint-Exupéry falava apenas francês, deixando a Anne Lindbergh a tarefa de traduzir da melhor forma possível para o marido.

            “Os relatos jorravam de seus lábios como flores monstruosas que nos deixavam fascinados, esquecendo o lugar onde estávamos ou aquilo que fazíamos”, escreveu ela. Saint-Exupéry também evocou detalhadamente seu amor pela Provence, convidando os Lindbergh a visitá-lo; mas a tensão com a aproximação da guerra era tão evidente que Anne Lindbergh anotou em seu diário que estava consciente de viver “um interlúdio de sonho”, certa de que o convite não se concretizaria. “Nunca o revimos, mas devido a esse breve interlúdio às vésperas das hostilidades, Saint-Exupéry transformou-se para mim na lente através da qual eu via a guerra”, acrescentou.


            Apesar dos novos amigos e de um ritmo frenético, Saint-Exupéry não quis permanecer muito tempo longe da Europa. Após diversos telefonemas a amigos na França, abreviou sua visita e embarcou rumo ao Havre, em 20 de agosto, no navio Ile-de-France, convencido, com razão, da iminência da guerra.

O casal Anne e Charles Lindbergh, 
Ambos pilotos, ela jornalista e escritora, ele o primeiro a voar sem escalas entre New York e Paris 
com 
apenas 25 anos, em 1927. 
Durante a estadia de Saint-Ex nos EUA ficaram fascinados pelo escritor e piloto francês

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